ARTE DA CHANTAGEM
Virei o capitão Diego
‘‘José Dirceu sempre me chama de Diego. Ele declara que eu represento ‘uma
mancha na história da imprensa brasileira’. Ele declara também que sou um
‘dedo-duro, igual aos da ditadura’. Dirceu está enganado. Eu não quero que ele
seja torturado nem assassinado. Eu só quero que ele seja preso’
Diego. José Dirceu sempre me chama de Diego. Já virou meu codinome: capitão
Diego. É assim que sou conhecido nos porões do DOI-Codi. É assim que sou
conhecido nos porões do Cenimar. O último número da revista Caros Amigos tem uma
longa entrevista com José Dirceu. Ele declara que eu, capitão Diego, represento
‘uma mancha na história da imprensa brasileira’. Ele declara também que sou um
‘dedo-duro, igual aos da época da ditadura, que dedavam as pessoas para serem
torturadas e assassinadas’. José Dirceu está enganado. Eu não quero que ele seja
torturado nem assassinado. Eu só quero que ele seja preso.
Minha fama de dedo-duro surgiu quando relatei na coluna uma conversa sigilosa
que tive com o deputado José Janene. Ele me contou candidamente que José Dirceu
ofereceu dinheiro ao PP em troca de apoio do partido a Lula. José Janene nunca
me desmentiu. Desde aquela época, os responsáveis pela maior compra de votos da
nossa história deveriam ter sido postos na cadeia. Não foi o que aconteceu. José
Janene está solto. José Dirceu está solto. E Lula, que deveria ter sido cassado,
perdendo seus direitos políticos por vinte anos, ainda planeja se reeleger, por
mais ilegítima que seja sua candidatura.
Na entrevista a Caros Amigos, José Dirceu repete a lorota de que foi
condenado sem provas, e de que é uma vítima de ‘linchamento político e
denuncismo’. Para ele, ‘estamos vivendo uma fase macarthista’. O melhor exemplo
desse macarthismo, segundo ele, são aqueles meus dois artigos do fim do ano
passado, em que denunciei alguns colaboracionistas da imprensa. Um dos
colaboracionistas mencionados por mim é Fernando Morais, que agora está
escrevendo a biografia oficial de José Dirceu. Nos meios lulistas, há uma certa
apreensão sobre o que José Dirceu poderá contar nessa biografia. Na entrevista a
Caros Amigos, ele manda um recado tranqüilizador aos seus antigos parceiros. Ele
afirma que não é igual a mim. Não é um dedo-duro. Não é um capitão Diego. Ficará
de boca calada. Desde que os outros fiquem de boca calada a respeito dele.
O recado de José Dirceu não parece ter sido plenamente compreendido pelos
lulistas. Todos os dias a imprensa recebe novas denúncias contra ele. O mais
intrigante dessas denúncias é que quem as passa aos jornalistas não são os
pamonhas dos tucanos, mas sim os próprios lulistas, que se acotovelam para
tentar tirar José Dirceu de cena. Nas duas últimas semanas, contaram-me seis
boatos comprometedores sobre ele. Todos foram difundidos pela central denuncista
do governo. Todos foram imediatamente encaminhados por mim a jornalistas menos
trapalhões do que eu. Pena que eu não possa confirmar esses boatos aqui na
coluna. Eu sou dedo-duro. Eu sou macarthista. Eu sou do DOI-Codi. Mas, por algum
motivo, até hoje não me deixaram usar o pau-de-arara.’
JORNALISMO PARCIAL
Stephen Kanitz
A questão do referendo
‘Até hoje recebo reclamações de leitores sobre uma capa de VEJA do ano
passado a favor do NÃO à proibição do comércio de armas e munição. As
reclamações normalmente tomam a seguinte linha de raciocínio: ‘Uma revista não
pode tomar partido ou tirar uma conclusão pelos seus leitores, induzindo-os a
votar de uma forma e não de outra. Jornais e revistas devem se limitar a
fornecer os fatos, pró e contra, e deixar os leitores tirar sua conclusão’. Mas
existe outro ponto de vista.
O jornalismo teve inúmeras origens, uma das quais foi o jornalismo
panfletário dos partidos políticos. Todo partido político possuía seu jornal, em
que defendia com unhas e dentes sua visão de mundo. Esses jornais se
posicionavam fervorosamente a favor do SIM ou do NÃO nas várias questões sobre
as quais o partido teria de decidir. Eles tinham opinião, a dos partidários, e
quem comprava a publicação eram aqueles que pensavam como o partido e queriam se
atualizar.
Se o jornal fosse sério, não ignoraria os argumentos da oposição, mas
trataria logo de destruí-los, de uma forma ou de outra. Esses jornais não tinham
fins lucrativos; eram distribuídos gratuitamente ou mediante uma doação ao
partido.
Com o capitalismo, surgiu um novo jornalismo, um jornalismo como negócio, com
fins lucrativos. O objetivo passou a ser o de aumentar constantemente a base de
leitores, e assim surgiu o conceito da necessidade de respeitar todas as
opiniões, de perseguir uma imprensa liberal, democrática e pluripartidária.
A nova diretriz era não mais defender posição alguma, e sim fornecer os fatos
e deixar os leitores decidir. Opiniões passaram a ser aquelas consideradas
politicamente corretas pela sociedade, como ‘lutar pela democracia’, além da
‘beleza do altruísmo’, da busca da ‘solidariedade humana’ e da ‘importância da
educação’, bandeiras de todas as ideologias políticas sem distinção.
Analisemos o problema de outro ângulo. Hoje a classe média, a grande
consumidora de informação e notícias, não tem tempo para nada. Não tem tempo
para avaliar tudo o que está acontecendo no mundo e tirar suas próprias
conclusões. Depende de jornais e revistas que analisem por ela, que tenham a
mesma visão de mundo, que analisem os fatos da mesma forma que faria alguém de
sua classe. Hoje em dia, são poucos os jornais que defendem os valores da classe
média – ela é a grande esquecida de todos os partidos políticos, a grande
prejudicada de todos os governos. Um veículo que atender a esse segmento
prestará enorme favor a seu leitor e terá toda a publicidade e anúncios que
quiser.
No referendo, 85% dos eleitores com mais de dez anos de instrução votaram
efetivamente contra o artigo 35. Atribuir essa votação a VEJA é um elogio, mas
leitores não são tão influenciáveis assim, e a maioria de nossos governantes,
com tanta influência quanto, optou pelo SIM. Desagradar a uma parte dos
leitores, entre os quais aqueles que vivem reclamando comigo, é o risco que se
corre no jornalismo opinativo. Existe espaço no mundo para os dois tipos de
jornalismo. Aquele que apenas apresenta as notícias e os fatos e aquele que,
além disso, adota a epistemologia do leitor.
A primeira edição da Business Week, uma revista semanal de administração para
a classe média, lançada seis semanas antes da crise de 1929, explicava sua
filosofia editorial. ‘Sempre teremos um ponto de vista, uma opinião forte que
nunca deixaremos de emitir.’
Sua primeira opinião ‘forte’ foi que ‘a bolsa está supervalorizada, o mercado
está totalmente psicológico e estamos preocupados com o futuro ajuste que está
por vir’. É esse o tipo de jornalismo que ajuda o leitor a tomar boas decisões,
em vez de noticiar no dia seguinte que ‘a bolsa caiu 4% sob forte realização de
lucros’.
Não é à toa que o jornalismo está lentamente perdendo assinantes e leitores,
a nova geração não tem opiniões fortes, o país não possui mais projeto e nossas
discussões intelectuais se tornaram silenciosas.’
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