A campanha eleitoral de 2008 no Pará começou nos dias 29 e 30 do mês passado. Em torno dos dois jornais diários editados na capital, que se tornaram das principais forças políticas no Estado, começaram a se agrupar os grupos que irão se digladiar nas disputas municipais do próximo ano. No dia 29 o Diário do Pará comemorou seus 25 anos e entregou prêmios a nove empresas que, durante 10 anos, foram apontadas como líderes dos seus segmentos de mercado em pesquisa patrocinada pelo caderno de negócios do jornal. No dia 30, O Liberal entregou a 39 empresas seu próprio prêmio, o mais antigo desse tipo de promoção, em parceria com a Associação Comercial do Pará.
As empresas que apareceram na promoção do Diário também integraram a iniciativa de O Liberal, havendo certa coincidência entre ambas. No entanto, nenhum dos donos do maior grupo empresarial privado do Pará compareceu à festa dos Maiorana para receber seu troféu, mandando uma funcionária para representá-los. Vários dos Yamada, porém, estiveram presentes no dia anterior à festa dos Barbalho.
Empresários que evitavam aparecer ao lado dos Barbalho para não serem automaticamente incluídos no índex dos Maiorana, desta vez parecem não ter se importado com esse fato. Foi ainda mais numerosa a quantidade dos que circularam entre os dois ambientes. Sem a clara definição de poder que havia antes, quando o grupo Liberal praticamente monopolizava as comunicações, preferiram se arriscar um pouco mais para sondar melhor o equilíbrio de forças.
O principal indicador de que agora ele se inclina para um novo lado foi dado pela governadora Ana Júlia Carepa, do PT. Ela foi à festa dos Barbalho e nem mandou representante para a promoção dos Maiorana. Além disso, no pronunciamento que fez na comemoração do Diário do Pará, mandou recados diretos para O Liberal, sugerindo que o noticiário do jornal sobre o caso da menina violentada em Abaetetuba foi sensacionalista, dirigido contra ela. Seus gestos e palavras podem significar que ela vai interpretar a postura editorial dos Maiorana como atitude hostil e aceitar o combate.
Bicho-papão
Se for essa mesmo a definição, O Liberal vai experimentar a dieta comercial que seus aliados, os tucanos do PSDB, impuseram ao Diário durante boa parte dos 12 anos em que se mantiveram no governo do Estado, com Almir Gabriel e Simão Jatene: ração mínima ou nenhuma de verba oficial. O regime de fome coincidiu com a retirada dos Yamada da programação de mídia dos Maiorana, apenas ligeiramente retomada por dois anúncios nos últimos sete meses. Um sinal de que o efeito será sentido, apesar do crescimento da publicidade de alguns setores empresariais (principalmente a construção civil, por conta do aquecimento da economia nacional), já aparece no emagrecimento dos cadernos de classificados de O Liberal, que eram disparadamente mais volumosos do que os do Diário.
O aspecto comercial será causa ou efeito das definições políticas. A ostensiva preferência pelo Diário significará também que a governadora Ana Júlia retomará em 2008 a aliança que firmou com Jader Barbalho em 2006? Os petistas queriam singrar uma rota mais independente, mas o governo acumulou tantos erros em seus 11 meses, vários deles por pura inabilidade, que pode ter chegado à conclusão de que é melhor usar a experiência e habilidade do ex-senador do que correr o risco de novos desgastes. Tornou-se flagrante sua falta de traquejo do governo para lidar com crises, como a da menor de Abaetetuba. Nada indica que evoluirá significativamente nesse quesito nos próximos meses.
Os Maiorana poderão também se convencer de que a tática de morder e soprar, adotada até agora, não dará mais resultados e partir para uma ofensiva mais aberta, como aconteceu no caso da cobertura do escândalo da menor. Mas se seguirem essa linha, a quem irão apoiar na eleição para a prefeitura de Belém?
Surpreendendo todas as expectativas, o prefeito Duciomar Costa, do PTB. o que mais abertamente está em campanha, pela reeleição, não foi a nenhuma das festas, nem se explicou. Provavelmente entendeu que é melhor virar paisagem e fornecer publicidade à larga para compensar, mantendo a ampla cobertura favorável dos dois grupos. Parece ser essa também, com algumas variações, a estratégia dos outros possíveis candidatos. Isso quer dizer, na mais desfavorável hipótese para seus competidores, que está provado: o grupo Liberal não é mais aquele bicho-papão de antes. O que ainda falta provar é se já se enquadra naquela situação do ‘late, mas não morde’. O futuro próximo fará a prova dos nove.
No reino da fantasia
Em que mundo vive Romulo Maiorana Júnior, o principal executivo do grupo Liberal? Na entrega do prêmio ORM/ACP, no dia 30, ele disse, diante de dois mil e quinhentos convidados, que as empresas das Organizações Romulo Maiorana trilham o caminho certo, baseadas ‘na ética e na honestidade’. Considera ‘indiscutível’ que O Liberal é ‘o maior e o melhor jornal do Norte-Nordeste e o de maior credibilidade’. Proclamou que ‘o elemento humano é o que verdadeiramente conta’ na sua corporação. Lamentou que ‘o ambiente de relaxamento moral estimula a imitar tudo, inclusive das [as] idéias’, conforme estaria ocorrendo com a premiação ORM/ACP, copiada pelo Diário do Pará. E saiu-se com esta incrível pergunta final: ‘Por que não nos imitam na ética, na honestidade, na dignidade e no caráter?’.
Se os imitadores seguissem o conselho, estariam mentindo descaradamente ao distinto público. No cabeçalho da edição do dia 1º de O Liberal, que publicou o discurso lido pelo seu presidente, o jornal registrava a edição de número 31.951. Se durante os seus 61 anos de vida o jornal tivesse circulado todos os dias, sem qualquer falha (o que não ocorreu, já que durante vários anos não saía uma vez por semana e sofreu interrupção de periodicidade durante certo período), a edição teria que ser a 22.265ª. Ou seja: no mais venial dos erros, o jornal aumentou em 50% a quantidade de edições que imprimiu ao longo da sua história.
Pelo menos nesse aspecto, seu concorrente, o Diário do Pará, não o imitou, ganhando com essa atitude: a edição que assinalou os 25 anos do jornal da família Barbalho tinha o número 8.554, perfeitamente compatível com o seu tempo de vida.
Quem criou e por que criou essa mentira, estampada todos os dias na primeira página de O Liberal? Seria para exibir uma expressão maior do que a real? Para colocar o jornal na linha de frente dos que mais edição tirara no Brasil? Ou foi apenas um erro, perpetrado e mantido sem que ninguém o percebesse? Se foi assim, a direção do jornal já podia tê-lo corrigido, em respeito ao seu leitor. Talvez não o faça porque o erro foi pela primeira vez apontado aqui e O Liberal se recusa a admitir que erra. Mas então não pode se apresentar como exemplo de ética e honestidade, como padrão de correção.
Mas digamos que essa seja uma mentira menor. O jornal já cometeu uma mentira muito maior quando aumentou em 50% ou mais sua circulação verdadeira. Ao ser flagrado na fraude pelo IVC, que contratara para auditá-lo, ao invés de responder e contestar a autuação, O Liberal preferiu se desfiliar do instituto, escapando pela porta do fundo na véspera de uma nova verificação de circulação que o IVC faria, em cumprimento ao contrato assinado com a empresa da família Maiorana.
Parâmetro de ética
Desde 2005, quando o IVC apontou a informação falsa do editor, O Liberal não pode mais se proclamar ‘o maior jornal do Norte-Nordeste’, como ainda vem fazendo. Durante anos a propaganda da ‘casa’ apregoou aos quatro ventos sua esmagadora liderança, que girava entre 80% e 90% do mercado de jornais em Belém. Mas agora todos sabem que a circulação de O Liberal sofre do mesmo mal da sua numeração: é, na melhor das hipóteses, 50% menor do que é declarado.
Se não é o maior, porém, o jornal é o melhor, embora insista, patologicamente, em reivindicar os dois títulos. Quem lhe conferiu o título de ‘o melhor’? Se simplesmente dissesse que é o mais bem impresso do Pará, ninguém lhe poderia contestar a primazia. A qualidade industrial, no entanto, contrasta com o conteúdo. Todos os anos o ‘cap’ do grupo Liberal assina editoriais, sueltos e saudações listando as melhorias materiais dos veículos de comunicação do seu grupo, como fez no dia 30. Mas onde estão as provas da prioridade dada ao ‘elemento humano’? Os anúncios são sempre de novas máquinas, novos equipamentos, novos veículos, mas nada que assinale inventivos e recompensas ao ‘elemento humano’, que utiliza computadores de ‘último grito’ ganhando mal, sem cursos de qualificação, sem estágios em redações melhores, sem boas condições de trabalho.
Um jornal que não respeita o direito de resposta, que não corrige seus erros, que raramente é pluralista, que veta os desafetos, que muda de postura editorial conforme as conveniências comerciais, pelo mesmo critério trocando de alianças políticas, pode se apresentar à sociedade como parâmetro de ética, honestidade, dignidade e caráter? Só no mundo da fantasia de Romulo Maiorana Júnior.
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Jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)