Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Último Segundo




ELEIÇÕES 2006
Alberto Dines


Herança a ser preservada, 13/01


‘A decisão é complicada, as manobras são necessariamente demoradas, dependem
de uma série de fatores externos, inclusive dos resultados da CPI dos Correios.
Justifica-se a indefinição, mas enquanto o presidente Lula não desencarna do
espectro de Hamlet e resolve se será candidato à reeleição, é preciso apressar o
processo de conscientização de que ele presidirá o processo eleitoral.


Candidato ou não, o árbitro da sucessão presidencial será o atual Chefe da
Nação. Juiz lato sensu, magistrado moral. No palanque ou em palácio, no horário
eleitoral ou no comando da distribuição das verbas de propaganda do governo e
das empresas públicas, o presidente Lula não assinará sentenças mas pautará a
disputa.


O Caixa Dois na campanha do candidato oficial exigirá uma vigilância
redobrada agora que foram escancaradas as ilimitadas possibilidades dos
valeriodutos. A questão do financiamento é grave mas não é a única. A
normalidade, a lisura e, sobretudo, o compromisso democrático precisarão estar
presentes em todas as estratégias, decisões, atos, eventos e mensagens do
governo.


E se este respeito à letra e ao espírito das leis não se manifestar de cima
para baixo de forma ostensiva e inequívoca corremos o perigo de transferir para
o próximo pleito a pesada carga de suspeitas acumulada no último semestre. Esta
pode ser a pior notícia das duas últimas décadas.


Logo depois da posse do presidente Lula começaram a aparecer as menções à
‘herança maldita’ acumulada ao longo dos dois governos de FHC. Poucos se
lembraram da outra herança — esta indiscutível — relativa à lhaneza com que o
presidente anterior conduziu os dois turnos do pleito. Cumpriu a sua obrigação.
Mas o presidente Lula foi multado pela Justiça Eleitoral em 2004 pelo uso
indevido da maquina governamental. É um precedente que não pode ser descartado.


Mesmo no pleito anterior, o de 1998, o primeiro em que um presidente tentou a
reeleição, não se registraram infrações significativas. O governo FHC conseguiu
manter um grau razoável de isenção e equilíbrio (considerando a falta de
tradição e experiência nesta matéria).


Não há evidências de que o paradigma esteja sendo seriamente ameaçado. Mas é
preocupante o testemunho de d. Tomás Balduíno nesta sexta (‘Folha de S.Paulo’,
13/1, p. 3) sobre o encontro do presidente, o ministro Ciro Gomes e o bispo d.
Luis Cáppio, em meados de dezembro, a respeito da transposição do rio S.
Francisco.


‘D. Luís falou com a energia e a virulência dos profetas e isso ensejou no
presidente [da República] uma viva reação e, no ministro Ciro Gomes, um desabafo
pouco sereno’ relata d. Balduíno (da Comissão Pastoral da Terra, vinculada à
CNBB). ‘Não posso tirar a transposição’ declarou o presidente Lula ao mesmo em
que cobrava reiteradamente a legitimidade do pleito do bispo: ‘Qual é o seu
fórum?’


A atual operação tapa-buraco nas estradas federais é emergencial, declara o
governo, alguma coisa precisava ser feita mesmo que logo em seguida seja
refeita. Pode ser coincidência o fato da empreiteira que lidera os contratos
para tapar buracos federais ter sido uma das grandes financiadoras do PT nas
últimas eleições (o PSDB ganhou da Delta um terço do que ela ofereceu aos
petistas).


Mas a transposição das águas do S. Francisco foi longamente maturada, é
peça-chave do projeto JK-2 que, junto com o anúncio da auto-suficiência
petrolífera, deverá alavancar a campanha desenvolvimentista do candidato do
governo. ‘Não posso tirar a transposição’ disse o presidente aos dois
religiosos. Poderia adiá-la, reexaminá-la, transformá-la num projeto consensual
e verdadeiramente nacional como foi a transferência da capital para o Planalto
Central no fim dos anos 50.


A reeleição do presidente da República embora aprovada pelo Congresso ainda
suscita dúvidas em certos setores da sociedade. Mas está em vigor, não pode ser
atropelada pelo trator chapa-branca. O espólio a ser lembrado neste momento de
euforia com os sucessos na área econômica é a postura de isenção do supremo
magistrado que sobrou das duas últimas eleições presidenciais.


Uma dose excessiva de vibração eleitoral pode transformar esta herança em
maldição difícil de ser reparada.’




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