Veja assumiu abertamente a manipulação rasteira, ranheta, rastaqüera. Mas Veja está cansada, já não acredita no que publica. As matérias são encomendadas, enfiadas nos buracos e estamos conversados.
A reportagem sobre a estréia da TV Brasil (edição 2038, págs.146-148) é melancólica: foi colocada na rubrica ‘Ideologia’ porque pretendia denunciar a transformação da antiga TVE num soviet petista e acabou mostrando como a exaltação ideológica no lobby da mídia comercial está liquidando os mais comezinhos princípios da apuração jornalística.
O repórter saiu com a incumbência de entrevistar produtores e editores dos principais programas da rede educativa, certo de que obteria revelações fantásticas sobre malversação de recursos, aparelhamento, controle político etc. Ligou para alguns e só ouviu queixas contra a dupla de diretoras que justamente acabara de ser demitida pela nova direção da TV Brasil. Resultado: as demitidas foram obrigadas a assumir publicamente que foram demitidas porque não se contentaram com os cargos que lhes foram oferecidos pela nova direção.
Nenhuma palavra
A solução foi transformar uma trepidante matéria de denúncia numa aborrecida resenha sobre a burocrática estréia da rede pública na semana anterior. Ao invés de apontar os descalabros dos últimos cinco anos na TVE que, em última análise, foram os responsáveis pelo meio ponto do ibope na estréia da sua sucessora, a matéria deriva para as platitudes habituais dos filósofos privatistas: ‘O Brasil precisa de uma rede pública’; ‘o Brasil já não tem uma TV pública?’
E quando se imagina que o entediado editor da Veja vai finalmente acordar, ele saca a informação de que o país já tem 177 canais que consomem 800 milhões de reais por ano. Nem se dá ao trabalho de oferecer detalhes aos angustiados contribuintes, seus leitores.
Nenhuma palavra sobre a Rede Cultura, da Fundação Padre Anchieta e bancada pelo estado de São Paulo, a mais bem-sucedida experiência de TV pública. Compreensível o esquecimento: lembrar que pode haver uma TV pública qualificada, capaz de funcionar como alternativa à pobreza das redes comerciais, derruba a atual histeria privatista. E nenhuma palavra sobre a desastrosa TV digital que, afinal, está enchendo de anúncios as páginas dos jornais e revistas.