Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Brasil derrapa na sociedade da informação

Numa época em que dominar a informação é sinônimo de poder, a capacidade de distribui-la com eqüidade está se tornando um parâmetro internacional para a avaliação do desenvolvimento das nações. Se o Brasil estivesse em um rinque, por exemplo, seria o que os pesquisadores chamam de um patinador sprinter.

Ou seja, apesar de o país formar e manter uma sociedade da informação sólida, o processo costuma estancar periodicamente em virtude de obstáculos econômicos e sociais.

Para medir a capacidade de os países acessarem e absorverem informação e tecnologia, a International Data Corporation (IDC), dos EUA, criou o Índice da Sociedade da Informação (ISI). A instituição emprestou da patinação no gelo os termos que medem as competências de 55 nações, responsáveis pela produção de 98% do total de tecnologia de informação disponível em 150 países.

O ISI pode ser comparado ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), proposto pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) para avaliar o nível de atendimento das necessidades básicas das populações.

Assim, enquanto os skaters estão no topo da pirâmide, com países com sólidas infra-estruturas sociais e de informação – entre eles Noruega, Suíça e EUA –, os striders têm infra-estrutura pronta e caminham a passos largos em direção à sociedade da informação – casos da Alemanha, Áustria e Portugal. Já os sprinters avançam em explosões e invertem as prioridades em virtude de sua situação econômica, social e política – República Tcheca, África do Sul e Brasil são exemplos.

Na base da pirâmide, os strollers têm muitas limitações, como falta de recursos financeiros e o grande número de habitantes vivendo à margem da sociedade – como na Colômbia, Rússia e Paquistão.

Estudando os ‘Livros Verdes’ do Brasil e de Portugal – obras que organizam a discussão sobre o planejamento da ciência, tecnologia e inovação –, pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) compararam as ações, os esforços e as dificuldades dos dois países no sentido de desenvolver a sociedade da informação.

A pesquisa resultou no livro Sociedade da Informação no Brasil e em Portugal: um panorama dos Livros Verdes, que foi publicado na edição de setembro/dezembro de 2003 da revista Ciência da Informação, do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, e está disponível na biblioteca eletrônica SciELO (Bireme/Fapesp)

Georgete Medleg Rodrigues, uma das autoras do trabalho, acredita que a participação na União Européia ajuda Portugal na tarefa de fortalecer sua sociedade de informação.

Em entrevista à Agência Fapesp, a professora do Departamento de Ciência da Informação e Documentação da Universidade de Brasília (UnB) traça as perspectivas de o Brasil galgar postos entre os ‘patinadores’.

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Quais as principais diferenças políticas do desenvolvimento da sociedade da informação entre Brasil e Portugal?

Georgete Medleg Rodrigues – Como Portugal precisa se adequar aos padrões de desenvolvimento da União Européia, as suas metas para uma sociedade da informação são muito mais completas que as do Brasil. O programa aqui é mais isolado, ele não se insere no contexto mais amplo da América Latina, por exemplo. Percebe-se claramente uma ênfase maior no programa português em relação à inclusão social. Da mesma forma, apesar de Portugal ser herdeiro de uma longa tradição política autoritária – depois do golpe de 1926, a democracia só foi restaurada em 1974 –, o seu programa destaca a importância da democracia e de o programa estar afinado com os preceitos constitucionais. Não se vê essa ênfase no programa brasileiro. No exemplo português há uma ênfase maior no papel do Estado. Outra especificidade é a preocupação com os arquivos, o que é, também, um reflexo da longa tradição cultural portuguesa. O programa brasileiro só contempla as bibliotecas.

O que essas diferenças acarretam para os dois países?

G.M.R. – O fato de o programa português fazer parte do contexto europeu – e de seus projetos para uma sociedade da informação – faz uma diferença significativa. Apesar da presença de certas medidas na perspectiva neoliberal – privatização das telecomunicações, por exemplo – a União Européia, diferentemente dos EUA, o outro pólo do modelo, ainda se preocupa mais com o social e com as questões políticas. É evidente que a inserção portuguesa na União Européia implica também em mais recursos financeiros.

Existem semelhanças entre as políticas dos dois países?

G.M.R. – As semelhanças entre os dois programas estão, principalmente, no estabelecimento de metas relacionadas à infra-estrutura de informação e na constatação do papel fundamental a ser desempenhado pela educação.

Como a senhora avalia a posição do Brasil no grupo dos sprinters?

G.M.R. – Essa classificação não faz mais do que evidenciar o desnível do Brasil em relação aos indicadores sociais. A originalidade do índice consiste em mostrar que a evolução para uma sociedade da informação não pode descuidar dos fatores que melhoram a distribuição de renda, por exemplo.

Quais as chances e o que precisaria ser feito para que o Brasil conquistasse posições?

G.M.R. – A metáfora dos patinadores no gelo, e sua comparação com os indicadores de desenvolvimento social, é interessante por várias razões. Primeiro, ela mostra que os ‘patinadores’ – os países avaliados – precisam ter certas habilidades que lhes permitam realizar determinados movimentos. O segundo item é a aquisição dessas habilidades. Isso vai sempre exigir certos investimentos. O terceiro ponto é que não se pode aplicar recursos apenas na infra-estrutura de informação, nas tecnologias de informação e comunicação. O ideal é investir em todos os setores que envolvam o social. Assim, parece que o Brasil ainda vai permanecer por muito tempo nessa posição. Se não regredir: afinal, o país acaba de passar da oitava economia mundial para a décima quinta. Não há nada que indique sensíveis melhoras no seu Índice de Desenvolvimento Humano.

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Da Agência Fapesp