Desde já há vários anos, venho lendo as páginas amarelas da Veja com atenção. A entrevista de Golbery do Couto e Silva nos anos 1980, fim da ditadura brasileira, a entrevista de Guillermo O’Donnell, lá pelos fins dos 1990, a entrevista de Beatriz Sarlo agora, no número 13 (será coincidência?). Em pleno furor editorial dos Civita contra o regime democrático, governo operário, trabalhadores… Folheando o catálogo publicitário fantasiado de revista de notícias, ou de interesse geral, como está catalogada pelo Yahoo!, a revista semanal da Editora Abril dedicada a… quê?
Verdadeiramente, nesses anos todos, lendo e relendo o catálogo publicitário com as sempre atraentes páginas amarelas iniciais, obrigado, como todo leitor e leitora – eleitor, eleitora –, a minha curiosidade tem aumentado. Semanas atrás, uma entrevista da CartaCapital com o sociólogo Wanderley Guilherme dos Santos chamou-me a atenção, sobre a fúria da chamada ‘grande’ imprensa brasileira, que põe e depõe presidentes. Suicidaram Jango, impuseram os generais de 1964-1985. Hoje festejam o que imaginam ser o fim do regime democrático ou, ao menos, a intromissão desse sócio molesto, o PT, no que era um festim de poucos.
O editorial das páginas amarelas da Veja – ou deveria dizer Páginas Marrons? – diz ter provas, e não apenas estar se somando ao denuncismo que tomou conta da imprensa venal de repente, frente às denúncias de corrupção no alto escalão do governo Lula. Maquiavel sentir-se ia um bebê de colo frente às astúcias lingüísticas usadas pela imprensa marrom para empurrar o presidente Lula ao suicídio, para empurrar o Brasil ao regime autoritário de que tanto se beneficiaram os capitais que pagam a quem se vende, seja jornalista, deputado, cantor, quem for. O catálogo publicitário baba, imaginando tanques e torturas outra vez.
A editora publica – em outra revista do grupo – louvores super-interessantes ao regime nazista, misturados a louvações à cura xamânica, bem ao gosto de uma intelectualidade sem raízes que serviu ontem ao tucano reeleito após compra de votos nunca investigada, intelectualidade que foi socialdemocrata ou autocrata ou democrata ou o que melhor conviesse, e que vê na disputa pluralista e democrática uma ameaça à divisão do bolo delfinescamente adiada para sempre num país que há 500 anos estupra mulheres e operários. Que país é este? Há muitos Brasis, sabemos desde Paulo Freire e Gilberto Freyre. Desde Francisco de Oliveira a Severino Retirante. Mas festejar, como o colunista marrom, que somos todos corruptos e o Brasil é o pior país possível, é ir longe demais.
Libelos nazistas
‘A gente é uma porcaria. A gente é fanático por esporte. A gente é corrupto’, delira o fascista. Se apostam na quebra moral do presidente, se apostam num novo suicídio – parecem gostar da idéia –comecem por casa. Ninguém precisa vender um terço das páginas da revista a bancos, financeiras, grandes empresas – grandes em faturamento – para se achar dono de sujar a vida das pessoas. Querem autoritarismo? Vão para Estados Unidos. Querem terror? Vão para a Casa Branca. Deixem a Nossa América respirar.
Têm saudades dos campos de concentração? Tranquem-se no prédio da editora e taquem fogo em si mesmos, que se os bombeiros souberem cuidar, não haverá vítimas. Apenas limpeza étnica. Ética. Deliro? Revisem os últimos exemplares, um após outro, da revista Páginas Amarelas e digam se vêem algo mais do que saudades do militarismo, saudades do samba de uma nota só. De frente, marche. Os argentinos não temos saudades do militarismo. As leis de impunidade que protegiam os genocidas – que a SuperInteressante nunca descobrirá como herdeiros de Hitler – caíram. E a democracia – como Beatriz Sarlo bem diz, é para nós – com todas as suas falhas – o melhor dos regimes. Sai, Duce, sai! Sai, Satã, sai! Xô, Hitler!
Caso houvesse uma prática ética no jornalismo, quem exibe provas irrefutáveis de corrupção deve se apresentar perante as autoridades judiciais e dizer de onde as obteve, com quem, como. Do contrário, e lendo-se as páginas centrais do catálogo publicitário, curiosamente assinadas por ninguém, pode-se ter a certeza de se estar diante de um dos tantos libelos nazistas que apostam no desespero das pessoas, na descrença, na destruição de todo e qualquer valor moral, social, familiar, religioso, o que bem parece ser o caso do esgoto impresso que já jogo no lixo por feder demais. Se a Sociedade Interamericana de Imprensa souber…
Conquistas em perigo
Se o Tribunal Internacional de Justiça vingar… Se a TV Sul que vai ao ar na América Latina em 24 de julho noticiar… muito banqueiro – qualquer corrupto – vai ter que fazer muito mais do que pagar revistas amorais para cobrir os rombos onde quer que seja, não importa o partido que for. Sou contra a ditadura, da cor que for. Nem nazista nem comunista. Prefiro a democracia mais troncha, mais falha, em que revistas venais possam mentir e pagar por suas calúnias frente a tribunais honestos, decentes, palavra ausente do catálogo marrom que se satisfaz, babão, com as denúncias de corrupção vindas… de um corrupto….. O presidente Lula sairá fortalecido desta crise.
O sistema democrático sairá fortalecido da investigação séria que deverá levar jornalistas vendidos e corruptos, de onde for, ao lugar que lhes cabe. Mas, pelo amor de Deus, deixem o povo trabalhador, deixem a gente decente sonhar com uma democracia de verdade, em que justos e pecadores estejam separados como a água do azeite. Onde o dinheiro não seja o deus de quem não tem pátria outra que o paraíso fiscal, a imunidade, o genocídio, o campo de concentração. Qual é o credo da revista Páginas Marrons? Qual o credo da Editora Abril? É necessário que se distinga com precisão entre a decência e a indecência. E não é manchando a pessoa ou a idoneidade moral de Luiz Inácio Lula da Silva que o banqueiro safado salvará a alma do fogo que o aguarda.
Temos sofrido muito na Nossa América nestes últimos anos, como para deixar que o festim dos corruptos se alastre, levando de roldão as conquistas como o SUS – do qual jamais vi uma linha na latrina das Páginas Marrons – exemplo de construção popular e democrática que, além de partidos e figurões, fez do Brasil um exemplo para o mundo, no qual os países latino-americanos vêm beber a experiência e se contagiar da coragem e persistência, da decência, da fé e da esperança, da solidariedade, que somente após o fim da ditadura brasileira puderam se consolidar e continuarão se consolidando, mal que pese aos nazistas e assemelhados donde forem.
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Sociólogo do Grupo de Estudos e Pesquisas em Saúde e Sociedade da Universidade Federal da Paraíba, autor de Max Weber ciência y valores (Buenos Aires: Homo Sapiens, 2005)