O Almanaque Abril está na 34ª edição.
Na livraria Saraiva, no Barra Shoppping, o maior da América Latina, na Barra da Tijuca, no Rio, um jovem se aproxima:
– Para que o senhor está comprando este almanaque? O senhor vai ler?
– Não, vou consultar. Compro todos os anos.
– Vou comprar também, vou fazer o Enade [Exame Nacional de Desempenho de Estudantes]. Ano passado perguntaram coisas que estavam aqui, em nenhum outro lugar.
Levo o exemplar para casa e passo a folheá-lo na tarde de domingo. É triste, mas erros e equívocos de edições anteriores permanecem. Eu queria escrever que, como disse um de seus diretores em 2006, a propósito de meu comentário naquela ocasião, o AA recebeu ‘com humildade e gratidão os apontamentos de seus leitores’. Vamos à carta, enviada à redação do Observatório da Imprensa, em 22/3/2006:
‘O Almanaque Abril recebe com humildade e gratidão os apontamentos de seus leitores com relação às informações nele contidas’.
Começou bonito o então diretor, mas não demorou a macular o estilo com a habitual arrogância:
‘A imprecisão das críticas feitas ao Almanaque Abril pelo Sr. Deonísio da Silva na matéria `Exposição paga´ (14/3/2006), porém, torna impossível tal apuração nesse caso’.
Em 2002, a diretora era outra e escreveu aceitando as correções. Márcia Tonello dizia neste Observatório (edição nº 162, de 6/3/2002):
‘Já ao deixar de citar Adelino Magalhães, o Almanaque Abril, de fato, perde a oportunidade de fazer justiça a esse autor tão peculiar e original. Dessa forma, nossa publicação acaba reproduzindo vários compêndios de história da literatura, com boa valia teórica, que ignoram sua obra. Outro esquecimento, apontado por Deonísio, que merece destaque é o de Dyonélio Machado, pela originalidade do autor no âmbito do modernismo. São inclusões a ser feitas na próxima edição do Almanaque Abril‘.
Pois é. Ainda não foram feitas!
O jovem que encontrei na livraria, ao chegar em casa vai consultar o AA. Como é que pode uma empresa como a Editora Abril entregar a redação de alguns tópicos a jejunos nos assuntos?
Aos fatos
A escritora chilena, nascida no Peru, Isabel Allende, aparece como destaque literário nas décadas de 1960 e 1970. Só se tivesse estreado entre 18 e 28 anos, mas seu primeiro livro, A Casa dos Espíritos, é de 1982, quando ela chegava aos 40 anos.
No Brasil, na década de 1980, ‘os principais nomes são Rubem Fonseca e Nélida Piñon, no romance, e, na poesia, José Paulo Paes e Paulo Leminski’.
Ora, Rubem Fonseca estreou em 1963, com os contos de Os Prisioneiros. Nélida Piñon dois anos antes, em 1961, com o romance Guia-mapa de Gabriel Arcanjo. No alvorecer da década de 1980, ambos já estavam presentes há quase duas décadas na crítica, na imprensa e nas livrarias. Rubem Fonseca tinha sido encontrado inclusive pelo Ministério da Justiça, que em 1976 proibiu seu livro Feliz Ano Novo, objeto de rumoroso caso judicial que só foi concluído em 1989! Nada disso, porém, foi informado pelo AA no meio de tantas desinformações.
A seguir: ‘divulga-se a obra de Manuel de Barros (publicada em 1990)’. É preciso pelo menos acertar o nome do escritor, que é Manoel de Barros. E, meu Deus!, o poeta estreou em 1937!
O site Releituras fez um inventário perfeito deste escritor e sabem o que usou de fontes? Ei-las:
‘Os dados acima foram obtidos em livros do autor, no livro Inventário das Sombras, de José Castello, no site da Fundação Manoel de Barros, na revista Veja, edição de 05/01/94, artigo de Geraldo Mayrink, e em outros sites da Internet’.
É preciso pesquisar, consultar, conferir etc. E procurar os profissionais!
Chatô, um romance?
Sabem o que mais merece registro do Almanaque Abril na seção ‘Literatura’? Ao contrário do que a antiga diretora prometia, que seriam registradas as tradicionais Jornadas de Literatura de Passo Fundo, que dão o maior prêmio literário nacional – já arrebatado por Salim Miguel, Antônio Torres, Plínio Cabral e Chico Buarque – elas continuam ignoradas 27 anos depois da primeira edição, em 1981.
É, porém, registrada a FLIP, Festa Literária Internacional de Paraty, cuja importância não se compara à de Passo Fundo, a menos que utilizemos a profusão de registros na mídia como critério de importância e qualidade para uma obra que, como o AA, quer informar direito e servir de fonte confiável de consulta.
Ia parar o artigo aqui, mas é preciso lembrar que o AA dá a Fernando Morais, ex-secretário de Estado de Cultura de São Paulo e um de nossos melhores biógrafos, o título de romancista! Ele jamais escreveu um, mas eis o trecho ipsis litteris:
‘Década de 1990 – A história como tema: No Brasil, sobressaem romances que analisam a história do país por meio de incursões ficcionais, como Chatô, de Fernando Morais’.
Pouca representatividade
A literatura brasileira é a quarta em importância hoje no mundo, como reconhecem pesquisadores sérios, competentes. Esta classificação, porém, nos diz pouco, embora possa nos orgulhar. Para nós, brasileiros, a literatura brasileira é A MAIS importante do mundo, pois é a única que nos expressa em nossas sutis complexidades de brasileiros.
Infelizmente, poucos dos citados representam algo em nossas letras. É uma irresponsabilidade reduzi-los a tão pequeno número num país onde as letras florescem em todo o seu esplendor em numerosos arquipélagos literários, de Norte a Sul, de Leste a Oeste, sem que obras de referência como o Almanaque Abril reconheçam o quanto teriam a informar – e o quanto o AA se tornaria indispensável como fonte de consulta, principalmente nas regiões mais carentes de dados.
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Escritor, doutor em Letras pela USP, professor e vice-reitor de Pesquisa e Pós-graduação da Univesidade Estácio de Sá (Rio de Janeiro) e autor, entre outros, dos romances Avante, Soldados: Para Trás (1992), Os Guerreiros do Campo (2000) e Goethe e Barrabás (2008)