Assinado em 1990, o Acordo Ortográfico foi aprovado há pouco mais de uma semana no Parlamento de Portugal, por 230 votos a 3. Portugal terá prazo de seis anos para adaptar-se. No Brasil, o prazo de adaptação foi fixado em três anos, a contar de 1º de janeiro de 2009.
O deputado português Mota Soares deu o tom: ‘A língua portuguesa é o maior patrimônio que Portugal tem no mundo’. Camões o exemplifica, mas Machado de Assis também.
Um deputado inglês poderia dizer a mesma coisa do inglês. Milton e Shakespeare são os emblemas. Um francês diria o mesmo do francês e ilustraria o dito com Balzac, Proust. Um italiano defenderia o italiano e ao aludir a Dante e Boccaccio deixaria clara a universalidade de sua língua. Um espanhol proclamaria o espanhol. Cervantes lá, García Márquez e Alejo Carpentier, entre tantos outros cá, marcariam as fronteiras.
Um alemão poderia dizer o mesmo da língua de Goethe? Acho que não, mas este é outro problema. Muitos até lêem em alemão, como lêem em latim e em grego, mas falar é outra coisa.
Num debate com Alberto Dines, autor de Morte no Paraíso, livro em que fez seu filme Lost Zweig (afinal, quando será lançado?), o cineasta catarinense Sílvio Back, que fala fluentemente o alemão, saiu-se com esta frase polêmica: ‘O alemão é uma língua morta’.
Submissão ao Brasil
Antes de mais nada, aos números do Acordo Ortográfico – sem perder, entretanto, a sua relatividade. Eis as populações dos países lusófonos (dados de 2007).
Brasil: 190,3 milhões; Portugal: 10,6 milhões; Angola: 16,9 milhões; Moçambique: 20,5 milhões. Outras nações onde o português é língua oficial, como é o caso de São Tomé e Príncipe, com 157 mil, e Cabo Verde com 530 mil, seriam, quando muito, municípios brasileiros.
São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Fortaleza, Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Manaus e Porto Alegre, as nove grandes metrópoles brasileiras, têm mais falantes do que todas as nações lusófonas. São Paulo e o Rio de Janeiro têm o dobro da população de Portugal, que nos deu a língua-mãe.
Outros números – estes da incidência das mudanças que, diga-se, afetarão a escrita, não a fala – revelam que Portugal terá 1,42% de suas palavras mudadas. No Brasil, este índice cairá para 0,43%. Por isso, alguns intelectuais portugueses falam em submissão aos interesses brasileiros.
Como assinalou o Estado de S.Paulo, no primeiro editorial de segunda-feira (26/5), as mudanças são modestas.
Digno e justo
Em vez de regras, o leitor entenderá melhor os exemplos.
Em Portugal, doravante se escreverá ação, adoção, ótimo. Estas palavras já são escritas assim no Brasil. Mas lá ainda mantêm mudas, embora escritas, as consoantes ‘c’ e ‘p’. Os portugueses escrevem ‘acção’, ‘adopção’e ‘óptimo’.
Outra mudança modesta: cai o trema, menos nos nomes próprios derivados. No Brasil há cerca de 20.000 palavras com hífen. O Acordo Ortográfico abole o hífen quando o segundo elemento começar por ‘r’ ou ‘s’. Hoje escrevemos ultra-som e ultra-secreto. Os hífens irão quase todos para as cucuias.
Cai o acento circunflexo em palavras terminadas com hiato. Não escreveremos mais ‘vôo’ e ‘enjôo’, mas, sim, voo e enjoo.
Cai também o acento agudo em palavras terminadas em ‘eia’e ‘oia’. Não escreveremos mais jibóia e idéia, mas, sim, jiboia e ideia.
É verdadeiramente digno e justo e também salutar, parodiando conhecida frase da liturgia cristã, mexer na escrita da língua portuguesa, unificando-a. O árabe fez isso com êxito. Mas tudo indica que se o Acordo ficar nessa mixaria de mudança, diremos depois: a montanha levou duas décadas para parir um rato.
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Escritor, doutor em Letras pela USP, professor e vice-reitor de Pesquisa e Pós-graduação da Univesidade Estácio de Sá (Rio de Janeiro) e autor, entre outros, dos romances Avante, Soldados: Para Trás (1992), Os Guerreiros do Campo (2000) e Goethe e Barrabás (2008)