Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Contradição e fantasia do Estadão

O editorial do Estado de S. Paulo ‘A Amazônia tem dono’ de domingo (25/5) é uma lição de cinismo contraditório amazônico da grande mídia conservadora nacional. Aparentemente, revela-se indignado com as opiniões externas sobre a Amazônia. Consideram as mesmas o continente amazônico alvo de interesse global, o que, conseqüentemente, exclui o caráter nacionalista sobre o mesmo alimentado pelo pensamento brasileiro e sul-americano. As ingerências externas devem ser afastadas, destaca do Estadão.

Essa, entretanto, não é a postura do velho jornal, quando o assunto diz respeito à ingerência externa sobre a política econômica, cujos conceitos, externos – meta inflacionária, câmbio flutuante, superávit primário – a conduzem, impondo ortodoxia, destacando categoria de interesses vendida como se fosse de caráter geral, e não apenas, parcial, ideológico.

Ora, os interesses externos ingerirem sobre assuntos internos, relativamente, à política industrial, cambial, energética etc. pode; sobre os assuntos ambientais, amazônicos, não pode. Por que um, e não outro?

Bens duráveis de luxo

A fantasia midiática estadosãopaulina evidencia-se na sua alienação mecanicista. Não há política ambiental, naturalmente, porque não há política econômica capaz de manter o equilíbrio do meio ambiente. Trata-se de problema orgânico que o Estadão manipula como se fosse mecânico.

Os investimentos na estrutura produtiva e ocupacional, que levam o caos aos grandes centros urbanos, demonstram a irracionalidade do desenvolvimentismo, impulsionado, desde os anos de 1950, pelo capital externo, o mesmo que, agora, quer curar sua irracionalidade colocando freio à exploração ambiental da Amazônia sob protestos do Estado de S. Paulo.

Curiosamente, os países cujos governos estimularam os investimentos em tal estrutura produtiva e ocupacional suicida penitenciam-se pelos desastres ecológicos que suas ações produziram, ameaçando, neste momento, a Amazônia. Querem um freio na destruição que eles mesmos estimularam.

O Estadão aceita uma ingerência e repudia a outra sem perceber que ambas são frutos de um mesmo processo que conduz à insustentabilidade ambiental.

A estrutura produtiva e ocupacional, ecologicamente desequilibrante, foi erguida pelos interesses externos que, no pós-guerra, trouxeram para o Brasil as bases da industrialização apoiada na dinamização dos bens duráveis de luxo, que haviam entrado em crise em 1929, tanto nos Estados Unidos como na Europa.

Sustentabilidade ameaçada

Transplantaram o problema para o terceiro mundo porque se tornara insolúvel no primeiro mundo. Jamais o Estadão reclamou ou alertou para que o governo evitasse a ingerência desse interesse externo que trouxe o caos desenvolvimentista insustentável, quando ele estava produzindo frutos positivos, enquanto os negativos eram escondidos debaixo do tapete.

A insustentabilidade é uma extensão da crise ecológica urbana que, por sua vez, compromete e intensifica a crise ecológica amazônica, algo de interesses externos preservacionistas em confronto com os interesses nacionais e internacionais anti-preservacionistas. A expansão da agricultura exige a destruição ambiental, destacou o governador Blairo Magi, do Mato Grosso.

A renda que está sendo produzida na destruição ambiental é a que garante o consumo dos bens duráveis de luxo que inviabilizam a vida nos grandes centros. Negação da negação. O editorial do Estadão se mostrou prisioneiro de suas próprias contradições.

A sustentabilidade ambiental rompida nos grandes centros pela industrialização desenvolvimentista, apoiada amplamente pela grande mídia, ameaça agora a sustentabilidade ecológica do bioma amazônico. Uma coisa está embricada na outra.

Cinismo mecanicista

Condenar a intrusão do interesse externo na Amazônia em nome da sustentabilidade ambiental global sob soberania nacional e deixar incondenável o interesse externo que destrói a sustentabilidade ecológica nos centros urbanos e, conseqüentemente, a própria soberania nacional, é desconhecer que um assunto penetra no outro, interativando-se mutuamente para o bem e para o mal.

Por que não questionar o modelo de desenvolvimento autodestrutivo que a sociedade está bancando, através da taxa de impostos e da taxa de juro mais altas do mundo?

O Estadão não liga os fatos. No mesmo dia em que edita ‘A Amazônia tem dono’, condenando a ingerência do capital externo na região, vocifera, em outro editorial, ‘À espera do grande caos’, no qual focaliza o caos urbano, sem, no entanto, considerar que tal caos também é fruto da ingerência do capital externo, o qual, nesse caso, contraditoriamente, não condena. Dois pesos, duas medidas.

Não relaciona o caos urbano ao caos amazônico, embora ambos sejam frutos de um mesmo modelo audestrutivo. O vício do mecanicismo deixa a mente parcializada dentro de uma mesma página editorial. Predomínio do cinismo midiático mecanicista.

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Jornalista, Brasília, DF