Multiplicam-se casos em que informação sigilosa vaza para a imprensa em fitas (áudio ou vídeo) ou dossiês, transcrições de grampos, sendo divulgada sem maiores verificações, atendendo interesses privados não explicitados.
É o jornalismo fiteiro – ver ‘Depois do jornalismo fiteiro, a reportagem dossiêira (argh!)‘, de Alberto Dines.
Tais procedimentos não chegam a ser exclusividade nossa.
Com contornos muito diferentes, dois anos após o ataque às torres principais do World Trade Center, naquele país paradigma vazou para a imprensa o nome da agente secreta Valerie Plame. Provável retaliação belicosa ao seu marido, o ex-embaixador Joe Wilson, que se opunha a mais uma deflagração de guerra na escalada de violência iniciada em 11 de setembro de 2001. O responsável institucional pelo vazamento criminoso teria sido o governo – um tiro no próprio pé. Mas nesta fase conhecida como Guerra ao Terror, liberdade submetida à máxima ‘quem não está a meu favor está contra mim’, o pretexto resultou em paradigmática ameaça à imprensa: o legítimo direito ao sigilo da fonte desmoronava, repórteres investigativos apercebiam-se muito mais vulneráveis, a liberdade de imprensa sofria restrições.
Antigas distorções que careciam de correções ficavam mantidas e eram agravadas.
Há valores, como liberdade, que não conseguem existir em parte, simplesmente existem ou não. Liberdade limitada é ausência de liberdade. Limite pode até parecer imprescindível: a liberdade de um acaba onde começa a liberdade do outro. Semelhantes afirmações de aparência tão precisa acabam servindo de disfarce à inexistência de liberdade.
Ao invés de restrição à quantidade de fontes – no caso, as sigilosas – é necessária sua completa ampliação: todo cidadão deve deter, assegurado na prática, o direito de ser fonte e destino de informação. Sem o direito de informar não há o direito de ser informado: este é conseqüência daquele. Liberdade ou é para todos ou deixa de existir, cessando o direito à liberdade de imprensa.
Limitar a liberdade de um sem proporcionar liberdade ao outro é tão somente manifestação de domínio. Parafraseando Rui Barbosa, ‘a liberdade limitada não é liberdade, senão dominação qualificada e manifesta’ [‘A justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta’ Rui Barbosa, Oração aos Moços].
No pé em que andam as coisas nestes tempos pós-torres-gêmeas, no nosso país ‘compreensão’ de fatos é cada vez mais proporcionada pelos jornalismos gêmeos fiteiro e vazadouro.
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Alguns conceitos foram extraídos de outros artigos do jornalista Alberto Dines.
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Engenheiro, São Paulo, SP