O acesso a informações e a oportunidade de produção de conteúdos, além da garantia de difusão e distribuição são princípios fundamentais no debate sobre a democratização da comunicação. O Brasil está longe de ter uma mídia independente e democrática. O mercado de TV é controlado por seis grandes grupos, que movimentam anualmente cerca de US$ 3 bilhões, sendo que quase metade desse total (US$ 1,59 bilhão) está concentrada nas mãos da Rede Globo. Segundo relatório da Article 19, que atua na promoção e proteção ao direito à liberdade de expressão, são essas seis empresas que controlam a informação ‘em conjunto com seus 138 grupos afiliados, um total de 668 veículos midiáticos (TVs, rádios e jornais) e 92% da audiência televisiva – a Globo, sozinha, detém 54% da audiência da TV (em um país em que 81% da população assiste TV todos os dias, numa média de 3,5 horas por dia)’.
Esta concentração do mercado de informação dá a medida de quanto a sociedade é excluída de todo o processo de elaboração da comunicação. A seleção de conteúdos privilegia os interesses privados, sobretudo os que interessam às grandes empresas nacionais e transnacionais, e segregam as demandas sociais. Não é necessário ser especialista para constatar a pasteurização das notícias. Raros são os veículos que conseguem fugir do noticiário ‘consensual’ das redes, numa cartelização dissimulada da comunicação.
A Article 19 considerou preocupante o monopólio da informação no país e lembrou que o item 12 da Declaração Interamericana de Princípios sobre Liberdade de Expressão, coloca a necessidade de um marco legal para a efetiva democratização da comunicação:
‘Os monopólios ou oligopólios na propriedade e no controle dos meios de comunicação devem estar sujeitos a leis sobre concorrência desleal, pois conspiram contra a democracia ao restringir a pluralidade e a diversidade que asseguram o pleno exercício do direito à informação pelos cidadãos. Em nenhum caso estas leis devem aplicar-se exclusivamente aos meios de comunicação. As concessões de rádio e televisão devem observar critérios democráticos que garantam a igualdade de oportunidades de acesso para todos os indivíduos’.
Bem público
O tema é de extrema importância para o país, sobretudo num momento em que se discutem questões como a digitalização e a convergência de mídias. Temos uma legislação frágil e antiga (basta lembrar que a regulação da TV aberta e rádio foi definida pelo Código Brasileiro de Telecomunicações em 1962, que a Lei Geral de Telecomunicações surgiu em 1997, e TVs pagas têm uma série de decretos, leis, portarias e normas para sua regulamentação e, não raramente, contraditórias entre si).
Mesmo com a previsão da proibição de monopólios e oligopólios de meios de comunicação social; a regionalização da produção cultural, artística e jornalística e a criação do Conselho de Comunicação Social, ligado ao Congresso Nacional, com participação da sociedade civil, constantes na Constituição de 1988, estamos muito longe de considerar que está sendo cumprido o direito humano, o direito do cidadão à informação.
O conceito de comunicação como um direito foi expresso há mais de 26 anos, quando um grupo de ativistas, intelectuais e técnicos se reuniu para elaborar para a Unesco um documento, que foi chamado de Relatório McBride, em referência ao coordenador desse estudo, o escocês Sean McBride.
O conteúdo deste relatório foi considerado explosivo e provocou uma reação à Unesco por parte dos Estados Unidos e da Inglaterra, que resultou num abandono das idéias contidas no documento. Em 2005, a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara recolocou o tema em pauta, em um seminário e desde então têm atuado ativamente na promoção deste debate com a sociedade civil.
Como é possível falar em democratização no Brasil, se apenas cerca de nove famílias controlam as principais empresas do setor? Controlam segmentos inteiros, regiões inteiras, mantêm propriedade cruzada sobre veículos distintos, assegurando o seu controle sobre tudo o que chega de informação e entretenimento nas regiões?
Com tamanha concentração não é viável contemplar a diversidade (cultural, política, ideológica, regional) e as premissas da comunicação como um direito do cidadão e a informação como um bem público.
Caso a caso
Os especialistas são unânimes no diagnóstico sobre essa concentração. James Görgen, jornalista e pesquisador do Epcom, chama a atenção para o ‘caos regulatório’, causado principalmente pela concentração do controle dos meios de comunicação, exercido por poucos grupos.
O professor Venício Lima, colunista do Observatório da Imprensa, acrescenta ainda que essa ‘concentração de propriedade na mídia é conseqüência da ausência de legislação que regule a propriedade cruzada’. Ele lembra que ‘em vários países não é permitido que um mesmo concessionário detenha o controle de mais de um veículo de comunicação. Isso também não é permitido legalmente no Brasil. Mas o que se vê na prática é a lei burlada com o uso dos laranjas’. Portanto, ao pensarmos em nova regulamentação para o setor, temos que tratar dessa questão com a seriedade que exige, traçando mecanismos para coibir a chamada ‘propriedade cruzada’ – sinônimo de concentração.
Para além da concentração de mercado, em si um atentado à liberdade de expressão, a legislação de controle de concessões de rádios e TVs também se transforma em outro entrave ao direito à comunicação. As concessões são aprovadas pelo Poder Legislativo e são justamente os políticos que mais se beneficiam das outorgas. Levantamentos da legislatura 2006-2009 indicam que 30% dos senadores e dezenas de deputados federais mantêm concessão de rádio e TV, usando para tanto parentes ou laranjas. Objetivamente, constata-se que interesses privados e políticos controlam a influente mídia do país, e a população não tem vez nem voz.
A velocidade com que parlamentares conseguem aprovar concessões para seus pares contrasta com a lentidão do Ministério das Comunicações nos processos de avaliação para rádios e TVs comunitárias. São anos de espera e uma burocracia kafkiana, quase impeditiva, somada a uma criminalização desses grupos da sociedade, vítimas constantes de violentas operações da Polícia Federal e Anatel, que agem também sob uma injustificável ótica privatista.
A desigualdade de tratamento na produção de notícias é um reflexo de uma legislação que não atribui responsabilidades nem fiscaliza conteúdos discriminatórios, que vão desde as ofensas a grupos sociais menos favorecidos, à falta do contraditório e ao desequilíbrio na cobertura dos fatos, disseminando opiniões como se fossem informações. Desta forma, essa mídia é instrumentalizada para interesses particulares, deixando de cumprir a função que a Constituição e as leis atribuem às concessionárias.
Os processos de novas concessões e de renovação são feitos de forma automática, como se não fosse prerrogativa do Legislativo estudar caso a caso e fiscalizar se as empresas beneficiadas cumpriram o exigido na legislação. Ao contrário do que ocorre em quase todos os países, as concessões no Brasil são sacralizadas, não se tendo notícia de que uma única delas tenha sido cassada por descumprimento das normas legais.
Distribuição e mídia digital
A distribuição de mídias impressas, configurada como monopólio, já que 70% do mercado atual está com a Dinap S/A Distribuidora Nacional de Publicações, empresa do Grupo Abril, e outros 30% com a Fernando Chinaglia Dsitribuidores, é outro ponto de preocupação. Em 2006, somente a Dinap faturou R$ 608 milhões, com atendimento a 300 editoras e 32 mil pontos de vendas no país. A Fernando Chinaglia atende a 250 editoras e conta com 27 mil pontos.
A compra da Fernando Chinaglia pela Dinap configura-se o aprofundamento da concentração, com riscos para a própria democracia. A situação agora é de grande vulnerabilidade das publicações alternativas às do grupo Abril, como Carta Capital, Fórum e outras, que criticaram a cobertura da revista Veja, pela forma preconceituosa e intolerante com que ataca sistematicamente o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Partido dos Trabalhadores.
Assistimos ainda perplexos a forma como o ministro das Comunicações Hélio Costa vem conduzindo a discussão sobre a implantação da TV e rádios digitais. Há, nas decisões tomadas por ele (e sem considerar as reivindicações da sociedade civil) claros indícios de que pretende privilegiar novamente grandes grupos empresariais, inviabilizando, por exemplo, na questão das freqüências de rádio, as transmissoras comunitárias.
Para nós que lutamos pelos direitos humanos e iniciamos esse debate sobre a democratização da informação em 2005, na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, interessa superar essa lógica econômica que existe na sociedade brasileira, em que 20 mil famílias concentram 40% das riquezas nacionais, e que se estende para o setor de comunicação.
Não é coerente com o princípio da diversidade que se admita que somente seis empresas controlem a informação no País. A ausência de canais de expressão da pluralidade afeta a sociedade como um todo, sobretudo mulheres, negros, jovens, índios, quilombolas, GLBTs e comunidades populares. São eles que têm sido frequentemente afetados pela cobertura distorcida e parcial da mídia, defensora apenas do direito do grande capital, tratando a informação como mercadoria privilegiada e onde somente a elite tem espaço.
Direito garantido
O PT deu uma grande contribuição ao discutir o tema em conferências estaduais e na 1ª Conferência Nacional de Comunicação do partido, realizada entre 24 e 26 de abril em Brasília.
A informação é um direito humano que deve ser respeitado como tal. A necessidade da realização de uma Conferência Nacional de Comunicação em 2008, que está sendo estudada na Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados, se insere nessa perspectiva e deve ser precedida por debates estaduais, que levantem as especificidades das regiões. Aos jornalistas se juntam movimentos sociais, protagonistas dos fatos, mas relegados a um papel de consumidor e ignorados em seu direito à expressão.
Sem informação não conseguimos elaborar, nem analisar o universo ao nosso redor. Ficamos à mercê do desconhecido. Por outro lado, noticiário direcionado retrata apenas a visão, a opinião de grupos privados e atende a interesses diversos que não o bem público, distorce a realidade, sufoca a pluralidade e os direitos humanos, desrespeita os princípios fundamentais previstos na Constituição brasileira.
A diminuição das desigualdades sociais não se dará sem que se considere a comunicação como elemento de inclusão. As elites sabem da importância da informação. Por isso mesmo, relutam em abrir o mercado, de serem fiscalizadas, de terem o controle externo que tanto pregam para o Legislativo e o Executivo, usando o falso e precário argumento de que estão sendo cerceadas na liberdade de expressão. A democratização prevê a universalização de vozes, pensamentos, culturas e respeito à diversidade, algo que não cabe no restrito mercado atual controlado por grandes empresas de comunicação.
Esta é uma notícia tão antiga e, paradoxalmente, tão atual, que precisa ser sucedida por outra, pautada pela sociedade, em que a comunicação seja direito garantido não só no verbo, mas na lei e de fato.
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Deputada federal pelo Espírito Santo, vice-presidente do PT nacional, suplente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara e autora do requerimento na CDHM, no final de 2006, determinando o envolvimento da comissão na construção da Conferência Nacional de Comunicação