Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Avião atinge prédio, ou loja de colchões, ou de tapetes

Para seguir a mais recente moda no jornalismo, a coluna de hoje será escrita com o revolucionário método do Ctrl + C e Ctrl + V, mais conhecido pelo nome de copia e cola. A começar já pelo título, aí em cima, da ‘notícia’ de 20 de maio de 2008. Ao serviço.

A Globonews, canal pago de notícias da Globo, informou nesta terça-feira que um avião da companhia Pantanal caiu em um prédio comercial da zona sul de São Paulo. A emissora entrou ao vivo com imagens de um incêndio em São Paulo, informando que a causa era a queda de um avião.

‘Interrompemos a transmissão’, entrou o locutor da Globo News. ‘Acaba de chegar a informação de que um avião da empresa aérea Pantanal caiu em cima de um prédio comercial.’ A notícia repercutiu em todos os lugares, inclusive nas agências Reuters e France Presse, despachando para o mundo: ‘Segundo a rede local TV Globo, um avião se chocou com prédio.’ Foi parar no britânico Sky News e na CNN, que cortou sua transmissão para o mundo com Breaking News sobre a queda do avião em São Paulo.

Loja de tapetes

Minutos após a notícia da Globonews, a Pantanal divulgou um comunicado negando o fato, que também foi desmentido pela Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) e pelo Corpo de Bombeiros.

O canal pago, após cerca de cinco minutos de transmissão ao vivo, passou a informar que o incêndio ocorrera em uma fábrica de colchões e que não havia vítimas. A emissora não informou a origem do erro, mas se justificou:

‘A respeito do incêndio ocorrido hoje à tarde em São Paulo, a Globo News, como um canal de noticias 24 horas, pôs no ar imagens do fogo assim que as captou. Como é normal em canais de notícias, apurou as informações simultaneamente à transmissão das imagens. A primeira informação sobre a causa do incêndio recebida pela Globo News foi a de que um avião teria se chocado com um prédio na região do Campo Belo, Zona Sul de São Paulo. Naquele momento, bombeiros e Infraero ainda não tinham informação sobre o ocorrido. As equipes da própria Globo News constataram que não havia ocorrido queda de avião e desde então esclareceram que se tratava de um incêndio em um prédio comercial. Poucos minutos depois o Corpo de Bombeiros confirmou tratar-se de um incêndio em uma loja de colchões. Central Globo de Comunicação.’

Em seguida, a notícia sobre o local do incêndio foi mais uma vez reformulada, para a versão final de que se tratava, de fato, de uma loja de tapetes.

Fim do Ctrl + C e Ctrl + V

Suspendemos agora o Ctrl + C e Ctrl +V, para extrair dos fatos três coisas.

Coisa 1: observem a gradação de tamanho dos fenômenos. Primeiro, era um avião a se chocar com um edifício, um prédio – seria a nossa versão de um choque em torres gêmeas? Depois, não era bem um avião, era algo que deixou de existir. Depois, não era um prédio, era uma casa, uma loja de colchões. Depois, ao fim, continuava a ser uma loja (alguma dúvida?), mas de tapetes. Das mil e uma noites, talvez. Dos que voam.

Coisa 2: notem que a GloboNews apurou as informações simultaneamente à transmissão das imagens. Leram bem: apurou! E como havia bem apurado, o locutor, em seu padrão globo de qualidade, via e narrava um avião entre as chamas. Mas naquele momento, bombeiros e Infraero ainda não tinham informação sobre o ocorrido. Incompetentes, os bombeiros e Infraero. A GloboNews tinha. E furou, a realidade.

Coisa 3: a lembrança de Mark Twain. Diante das manchetes que anunciavam o seu falecimento, ele convocou os repórteres e lhes disse. E faço pela última vez o Ctrl+ C e Ctrl + V.: ‘As suas notícias sobre a minha morte são manifestamente exageradas.’

Fim do Ctrl + C e Ctrl + V. Essa frase é minha.

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Jornalista e escritor, Recife, PE