Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Liberdade para a imprensa e censura para o público

Na edição nº 134 deste mês, a revista Caros Amigos traz uma matéria com um olhar diferente sobre o ‘caso que abalou o país’, como a grande imprensa incansavelmente se refere ao caso Isabella. Na reportagem, o jornalista Marcos Zibordi narra um assalto com reféns ocorrido na mesma rua da 89ª DP, local em São Paulo onde, em várias ocasiões, o casal Nardoni fora levado para depor.

Uma criança de dez anos viveu momentos que, certamente, abalarão sua infância, ao ser colocada cara-a-cara com uma arma, enquanto seus avós eram igualmente torturados moralmente, vendo os assaltantes levarem seus pertences, sem nada poderem fazer. Enquanto isso, jornalistas e policiais davam atenção somente a um caso. Os policiais desta mesma delegacia só foram dar atenção devida ao assalto duas semanas após o ocorrido. Este é apenas um caso concomitante que nem sequer recebeu atenção das autoridades cabíveis. Além deles, poder-se-iam enumerar outros tantos, em outros lugares deste país, que não receberam a mesma atenção.

Sensacionalismo barato

Em nota de Luiz Gonzaga Saraiva, divulgada no em 16 de maio no site Blue Bus, mais um dado importante relativo ao tema, citado abaixo:

‘Só para registrar como é importante selecionar o que as crianças podem e não podem ver de acordo com a sua idade. O caso Isabella, que não tem nem dia nem hora para entrar nas nossas casas, provocou uma reação em um dos filhos da minha empregada, segundo relato da mesma, que faz a gente parar para pensar. O garoto, de oito anos, perguntou para a mãe: ‘Agora, eu não posso mais ficar sozinho com o meu pai, né, mãe?’ Bem, a resposta dela foi adequada e não vem ao caso, mas a resposta que os meios de comunicação precisam dar à sociedade me parece que já passou da hora.’

Outro ápice ‘importante’ da narrativa ocorreu no dia 07 deste mês. Enquanto o fatídico jogo entre América do México e Flamengo rolava na Rede Globo, a transmissão começou a ser interrompida devido à prisão dos suspeitos do assassinato da menina Isabella. No dia seguinte, por volta das 08h30, o assunto continuava a ser debatido em todos os canais de TV aberta, mesmo durante a programação infantil.

Infelizmente, isso é possível porque nós deixamos. Como podemos ser escravos do que a imprensa deseja nos impor? Não temos mais o direito de ver outro assunto senão o que ela determina. O impossível acontece. Nós, aqueles que, por algum senso da vida, não se deixam levar pelo sensacionalismo barato da imprensa aberta, temos que ficar com as mãos atadas. Só nos resta desligar o televisor.

‘Alguém da classe média’

A prisão ou qualquer outro ponto que não foi esclarecido do caso se tornou informação ‘vital’ para muitos. Enquanto a imprensa faz ‘o seu papel de informar’ só sobre este caso, pessoas no Nordeste continuam sofrendo, desabrigadas pelas chuvas; outras são mortas no Pará por causa de madeira e terras; outros também sofrem com falta de abrigo e frio no sul e outros ainda sofrem com o surto de dengue no RJ. Será que essas pessoas unidas são menos importantes?

Até o momento este caso serviu para uma questão: a imprensa investigar outros crimes bárbaros cometidos contra crianças pelo Brasil afora. Mas, mesmo assim, não o fazem com o mesmo afinco quanto no caso Isabella. Em levantamento apresentado pela revista Imprensa de maio, divulgado pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância – ANDI, mais de 159 mil crianças foram agredidas nos últimos oito anos.

Na matéria de Thaís Naldoni, intitulada ‘3.999 Isabellas Anônimas’ e também publicada na revista, jornalistas foram entrevistados e apresentaram seus pontos de vista. Entre eles, o âncora do Jornal da Noite da Band, Boris Casoy: ‘Quando acontecem nas camadas menos favorecidas da população, tragédias como essa merecem apenas um pequeno registro da imprensa. Na verdade, há muitos ‘casos Isabella’ pelo Brasil afora, mas o que mais sensibiliza a imprensa é o fato do caso atingir alguém da classe média, já que a maior parte dos jornalistas pertence a esse grupo sócio-econômico.’

Um ponto indiscutível

São estereótipos existentes na classe jornalística e fora dela. Classes sociais, além das capitais mais famosas do país, se tornam nicho para grandes reportagens. Parece que as notícias relativas às enchentes no Ceará, Rio Grande do Norte, Maranhão e companhia não são informadas porque os coronéis de lá, donos dos meios de comunicação, não deixam a informação fluir ou são menos interessantes. O que importa é que o momento é propício para uma reflexão acerca do que realmente é notícia: para os jornalistas ou para nós, público.

Mas um ponto é indiscutível – pelo que parece: A imprensa impõe o que deseja e nós somos censurados.

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Estudante de Jornalismo, Faculdade Estácio de Sá, Florianópolis, SC