Exmºs Srs.
Luiz Inácio Lula da Silva, Presidente da República Federativa do Brasil
Tarso Genro, Ministro da Justiça
Sérgio Cabral, Governador do estado do Rio de Janeiro
Chegaram certamente ao vosso conhecimento as revelações sobre o sequestro e os atos de crueldade de que foram vítimas, no dia 14 de maio de 2008, uma jornalista, um fotógrafo e um motorista do diário O Dia.
Repórteres sem Fronteiras ficou perplexa ao saber que tais ações foram cometidos por agentes da ordem pública, supostamente encarregues de lutar contra a insegurança e o tráfico de droga nos bairros mais problemáticos. No comportamento destes funcionários do Estado – policiais, agentes penitenciários, bombeiros, empregados das forças de autoridade – organizados em milícias, não se vislumbra nenhuma diferença em relação aos indivíduos que têm como missão combater.
Este caso, de uma extrema gravidade, vem-se juntar a outros recentes ataques contra a mídia envolvendo agentes de polícia, em especial nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo. Estes abusos de poder exigem, a nosso ver, a criação de uma comissão de investigação federal, em conexão com as autoridades estaduais, encarregue de esclarecer e castigar as ações deste tipo de milícias.
Os jornalistas, acompanhados pelo seu motorista, realizavam uma reportagem sobre o tema. Desde o início do mês de maio, viviam na Favela do Batan, em Realengo, na zona oeste do Rio. No dia 14 de maio, o fotógrafo e o motorista se dirigiam a uma suposta festa quando foram raptados por uma dezena de homens armados. Segundo a redação de O Dia, estes tentaram incitar os moradores do bairro a linchar os dois homens, antes de os introduzirem num veículo de modelo Polo, de cor vermelha e com a placa KPB 4592. Mais tarde, por volta das 21 horas, os milicianos capturaram a jornalista no seu domicílio na favela e a levaram no mesmo automóvel que seus companheiros. Nesse momento, um dos milicianos a avisou: ‘Você é do jornal O Dia e está presa por `falsidade ideológica´’.
Ameaça à Constituição
Durante sete horas, os jornalistas – privados de seu material – e seu motorista estiveram à mercê de cerca de vinte milicianos numa prisão secreta: sufocamento com sacos plásticos, choques elétricos, roleta russa, mutilações. Ameaçados de morte pelos seus verdugos, as vítimas foram finalmente libertadas por volta das 4 da manhã. Encontram-se atualmente num local seguro e sob assistência médica e psicológica. De forma a não perturbar a investigação aberta pela Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, o caso só foi divulgado a 31 de maio. O Sindicato dos Jornalistas do Município do Rio de Janeiro qualificou o episódio como ‘um dos mais graves atentados à liberdade de informação no País desde o fim da ditadura’.
As milícias deste tipo – um fenômeno relativamente recente, segundo a imprensa carioca – dominam 78 localidades como uma verdadeira máfia. De acordo com O Dia, estariam por detrás de cerca de 200 assassinatos cometidos ao longo dos três últimos anos. A sua presença ameaça diretamente as garantias do Estado de direito estabelecidas pela Constituição Federal de 1988: é por esta razão que Repórteres sem Fronteiras solicita uma ação de grande envergadura contra estas organizações criminosas.
Agradecendo a atenção concedida à presente carta, queiram, Exmº Srs., receber os nossos votos da mais alta estima e consideração. [2 de junho de 2008]
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Secretário-geral de Repórteres sem Fronteiras; www.rsf.org