Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Partidos, milícias e a mídia

As relações entre os chefões da imprensa e os partidos PMDB e DEM devem ser muito profícuas. Essa é a única explicação para que essas siglas ainda não tenham ido parar nas manchetes. Há denúncias formalizadas pelo Ministério Público e investigações da Polícia Federal que comprovam a participação vereadores, deputados estaduais, um prefeito e um ex-governador (e presidente do PMDB no Rio de Janeiro) dessas duas siglas em esquemas de lavagem de dinheiro, facilitação de contrabando, evasão de divisas, corrupção ativa e formação de quadrilha armada. Um deles responde até pelo assassinato do inspetor de polícia Félix dos Santos Tostes, acusado de chefiar milícia em Rio das Pedras.


Anthony Garotinho, ex-governador e presidente do PMDB no Rio de Janeiro; Álvaro Lins, deputado estadual (PMDB); Jerônimo Guimarães, o Jerominho (vereador, PMDB); Núbia Cozzolino (prefeita de Magé, RJ, PMDB); Nadinho de Rio das Pedras (vereador, DEM); Natalino Guimarães (deputado estadual, DEM).


Quinta-feira, 29 de maio. O ex-governador do Rio, Anthony Garotinho, é denunciado pelo Ministério Público e o ex-chefe da Polícia Civil, Álvaro Lins, é preso pela Polícia Federal. São acusados de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha armada. Garotinho é presidente do PMDB no estado e Lins é deputado estadual pelo mesmo partido. O Globo dedicou 6 páginas ao tema e destacou 25 repórteres para a cobertura. Entretanto… em nenhum dos 11 títulos nas seis páginas aparece a sigla PMDB. E em apenas um dos 14 subtítulos – o da última página da série de matérias – vemos a legenda. No dia seguinte foram 9 títulos e 12 subtítulos, sem que a sigla PMDB aparecesse em nenhum deles.


Divulgação restrita


Notas esparsas nos jornais de terça-feira (3/6) sinalizam com o aumento desta lista. De acordo com a coluna do Ancelmo Góis, ‘autoridades do Rio identificaram dois políticos cariocas – um vereador e um deputado – que têm ligações com a milícia que domina a Favela do Batan, aquela onde dois repórteres de O Dia foram torturados’. Na coluna de Merval Pereira, é citado o deputado federal Leonardo Picciani (PMDB), que estaria envolvido com o esquema de Álvaro Lins.


Essas duas colunas são publicadas pelo jornal O Globo. No Jornal do Brasil, a coluna da Anna Ramalho anota frase do deputado federal Marcelo Itagiba, também do PMDB fluminense: ‘As milícias são uma boa idéia… que não deram certo’.


Houvesse jornalismo de verdade no Rio de Janeiro, o público já teria sido informado, com o devido destaque, que o partido do prefeito da cidade, César Maia (DEM), e o partido do governador do estado, Sérgio Cabral (PMDB), estão implicados em crimes da maior gravidade. César Maia, vale lembrar, sempre considerou que as ‘milícias’ eram um mal menor. Chegou a chamá-las de ‘autodefesas comunitárias’, num elogio ao modelo de segurança colombiano, que por sua vez é bastante enaltecido pela imprensa brasileira.


Os telejornais têm evitado mencionar esses partidos e os jornais não os levam para as manchetes. Quem estudou comunicação sabe que a maioria dos leitores de jornal só lê os títulos e os subtítulos e, quando muito, o primeiro parágrafo. É importante registrar que, em 2005, por muito menos o PT foi esculhambado em manchetes de jornal e em fartas reportagens de rádio e televisão. As corporações de mídia destacaram seus melhores repórteres para investigar cada detalhe do partido, que foi rotulado de ‘mensaleiro’ pra baixo. O mesmo PT que ainda não teve coragem de enfrentar o oligopólio que controla os meios de comunicação no país.


Com esse tipo de divulgação restrita, as corporações de mídia matam dois coelhos com uma canetada só: preservam seus interesses político-financeiros (incluindo a verba publicitária), e agridem a imagem do setor público como um todo, ao fazer parecer que todos os políticos são iguais. Assim, reforçam a falsa idéia de que ‘público é ruim, atrasado, corrupto’ e ‘privado é bom, moderno, dinâmico’.


Realinhamento da cobertura


O Jornal Nacional de segunda-feira (2/6) divulgou com entusiasmo a operação cinematográfica da polícia na favela da Rocinha. Segundo a Secretaria de Segurança, foram apreendidas 2,5 toneladas de maconha, retiradas por um helicóptero, ‘que fez várias viagens’ até remover toda a erva. Ao tratar do crime cometido contra a equipe do jornal O Dia, o telejornal evitou o termo ‘tortura’, substituído por ‘agressão’, e preferiu creditar os espancamentos, choques elétricos e sufocamentos com saco plástico a ‘milicianos’, embora a própria Secretaria de Segurança tenha admitido que policiais participaram da ação criminosa. Só no final da matéria um texto explicativo surgia explicando que as ‘milícias’ são compostas por policiais e ex-policiais.


Desse modo, nota-se um realinhamento gradual da cobertura segundo os parâmetros do governo estadual. Embora nunca tenha abandonado completamente este eixo, a cobertura da TV Globo, assim como a dos demais veículos da mídia hegemônica, adotaram por 48 horas uma incomum postura crítica em relação à violência policial. Os jornais de terça-feira (3) mostram que apenas O Dia mantém essa posição firme, enquanto os demais a atenuam bastante.


Dimensão correta


É fundamental registrar que geralmente as denúncias de violência policial são ignoradas pelas corporações de mídia, que parecem só ter despertado para sua existência após a sessão de tortura contra uma repórter, um fotógrafo e um motorista do diário carioca.


Quando o repórter alternativo Brad Will foi assassinado pela polícia mexicana, em Oaxaca, 2006, a imprensa não registrou, o que denota a existência de duas categorias de jornalista na avaliação das corporações. Quando brasileiros pobres, moradores de favelas, denunciam tapas na cara, espancamentos e execuções sumárias cometidas por policiais, os diretores dos jornais não levam a sério e oferecem apenas notinhas de rodapé, quando muito, pois a regra é a omissão – o que revela a existência de duas categorias de seres humanos, novamente na avaliação das empresas capitalistas.


Lembro quando dezenas de entidades e duas centenas de pessoas assinaram, em novembro passado, o manifesto contra as políticas de extermínio do governador Sérgio Cabral. O Globo deu a notícia no final do primeiro caderno, escondida entre os obituários, sem nenhuma chamada na primeira página.


Se a cobertura jornalística desse conta da verdadeira dimensão do envolvimento de policiais com a criminalidade no Rio, talvez os índices de violência no estado não fossem tão assustadoramente elevados.

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Jornalista, editor do Fazendo Media