Foi preciso a ameaça de uma crise mundial de alimentos para a imprensa acordar e entrar em um tema que sempre rende boas matérias: a economia em casa. O tema era recorrente em tempos de inflação: jornais e revistas ensinavam aos leitores a melhor forma de comprar, incentivavam a pesquisa de preços e mostravam as vantagens de fazer estoque, guardar alimentos em casa e evitar desperdício. Com a morte anunciada da inflação, a economia doméstica saiu de pauta. Cedeu espaço à preocupação – justa, aliás – com a ecologia e as iniciativas para ajudar a preservar o planeta, como o uso de sacolas de pano em vez de sacos plásticos nas compras de supermercado.
Veja Mulher (edição especial de maio de 2008), por exemplo, reservou duas páginas à retranca Ambiente, onde ensina a economizar água em casa, da hora de lavar roupas ao banho diário, passando pela lavagem do quintal e do carro.
Mas, enquanto isso, as revistas femininas continuam celebrando – e incentivando – o consumo (de roupas, acessórios e até comida), como se planejar o consumo doméstico e fazer economia fosse preocupação exclusiva das classes menos favorecidas e que, por coincidência, não são assinantes ou leitores de revistas.
De escolher a armazenar
E são justamente os leitores de revistas – que garantem atingir as classes A e B – os maiores responsáveis pelo desperdício no Brasil, conforme mostram as matérias da Folha de S.Paulo na edição de sábado (31/5):
Em ‘Um banquete jogado no lixo’, ficamos sabendo que:
‘A crise mundial na produção de alimentos foi chamada pela ONU de `tsunami silencioso´. No Brasil, ocorre todos os dias outro desastre, também silencioso: o desperdício. Segundo estimativa da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), uma família de classe média joga fora, em média, 182,5 quilos de comida por ano, o suficiente para alimentar uma criança por seis meses.’
Em ‘As famílias encolhem, as embalagens não’, destaca-se:
‘Desperdício de comida é ainda mais comum em casas onde moram duas pessoas ou só uma: muita coisa se estraga antes de ser totalmente consumida. A média anual de compra, no lar onde mora apenas uma pessoa, é de 560 quilos de comida, de acordo com uma pesquisa do IBGE divulgada ano passado. Nos domicílios onde moram casais sem filhos, a compra per capita é de 509 quilos. Já uma família com filhos compra per capita 324 quilos por ano’.
A partir de entrevistas com técnicos, o jornal dá dicas aos leitores sobre a melhor forma de colaborar com a economia de alimentos – da escolha à forma de armazenar. Mas, melhor do que isso, é um bom exemplo de pauta para as revistas de serviço, especialmente as revistas femininas que parecem ter trocado essa função pelo simples incentivo ao consumo.
Programa contra desperdício
Quem sabe se – com a anunciada crise mundial de alimentos – as revistas de serviço resolvam fazer jus à proposta inicial de ajudar as leitoras – e leitores também –, orientando na melhor forma de administrar a casa e o orçamento doméstico. Em vez de incentivar o consumo pelo modismo, bem que as revistas femininas (já que a administração da casa ainda é tratada na imprensa como assunto de mulher) poderiam começar uma campanha dizendo que evitar o desperdício é bom.
O tema faz tanto sucesso fora do Brasil que existe um programa inglês (apresentado pelo canal por assinatura GNT) em que uma especialista em economia doméstica intervém em casas de família e traça um programa de metas para evitar desperdício. Vai do consumo de luz à compra de alimentos e consegue resultados extraordinários. Ao final do programa, faz as contas de quanto foi economizado, mostrando os benefícios que a economia de cada família representa para os recursos naturais do planeta. Fica parecendo uma coisa chique e todos ficam felizes.
E se dá Ibope na TV, certamente vai fazer sucesso também na imprensa.
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Jornalista