Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Quem pergunta é a fonte

Numa conjuntura em que segmentos da universidade torcem o nariz para as evidências empíricas, privilegiando a reflexão abstrata sobre temas e problemas de exclusivo interesse dos guetos acadêmicos, saudamos com alegria e esperança este livro escrito por três competentes profissionais, cuja intenção é deslindar o cenário jornalístico brasileiro, contribuindo para a melhoria da produção noticiosa como alavanca de fortalecimento da democracia.

Durante muito tempo a pesquisa sobre os fenômenos jornalísticos teve caráter eminentemente histórico, sendo realizada a posteriori, ou seja, documentando e interpretando fatos ocorridos no passado, com a finalidade de iluminar o presente. Mais recentemente ela enveredou por novos caminhos, tornando-se factual, seletiva e acurada, tratando de registrar criticamente os acontecimentos durante a sua própria evolução, pensando no futuro. Dessa maneira, converteu-se em instrumento indispensável para a formação das novas gerações que pretendem se lançar na arena informativa, oferecendo análises e perspectivas sincrônicas das rotinas profissionais, o que tem contribuído para aperfeiçoá-las ética e tecnicamente.

No entanto, a preferência dos estudiosos da área tem recaído sobre eixos temáticos como a linguagem, o conteúdo, as mutações tecnológicas ou o impacto social das notícias. São raras as pesquisas que focalizam os sujeitos noticiosos, mesmo assim concentradas na figura do próprio jornalista, ora celebrado como herói, ora punido como vilão da cena contemporânea.

A originalidade do inventário contido nesta obra reside na interlocução provocada pelos autores entre os jornalistas e suas fontes. Ela retira da sombra os provedores usuais das informações que geram ou dão substância às notícias. Mas ao mesmo tempo expõe abertamente os produtores jornalísticos, nem sempre disponíveis para o diálogo ou inapetentes para revelar métodos de trabalho e pontos de vista sobre a profissão.

Retaguarda midiática

Trata-se de um livro duplamente valioso. Os cidadãos que consomem notícias encontrarão aqui explicações suficientes para enigmas que cultivam ou para curiosidades que nutrem, tendo em vista a amplitude dos questionamentos feitos pelas fontes aos jornalistas. Por sua vez, os jovens aspirantes ao estrelato jornalístico poderão dimensionar facetas profissionais que dificilmente estão escancaradas nos textos didáticos ou transparentes nos manuais de redação.

Resulta deste caleidoscópio, estrategicamente tecido por Norma Alcântara, metodologicamente engendrado por Wilson Garcia e teoricamente embasado por Manuel Carlos Chaparro, um manancial de hipóteses a serem testadas no campo pela legião de jovens que se engajam nos projetos de iniciação científica dos nossos cursos de jornalismo ou nos programas de mestrado e doutorado que abrigam estudos midiáticos.

Inúmeras perguntas feitas pelas fontes são respondidas laconicamente pelos jornalistas ou tangenciadas de forma sutil pela simples e cristalina razão de que o conhecimento sistematizado sobre as práticas jornalísticas brasileiras é residual, conjuntural, descontínuo. Fazer generalizações sobre as rotinas profissionais torna-se temerário, para não dizer perigoso.

Avultam, contudo, neste celeiro de idéias e depoimentos, algumas anotações pontuais feitas por figuras emblemáticas como Hélio Fernandes, Boris Casoy, Fernando Mitre, Clóvis Rossi, Dora Kramer ou Heródoto Barbeiro, que demandariam explorações investigativas ou reflexões éticas capazes de explicitar as encruzilhadas que estão angustiando profissionais, empresários, educadores e cidadãos comuns neste início de milênio.

Independentemente da sua utilidade como estímulo para fazer avançar o conhecimento crítico sobre o jornalismo brasileiro, este volume representa sem dúvida alguma uma fonte de prazer intelectual para os leitores de jornais, radiouvintes, telespectadores ou internautas. Eles terão oportunidade de ler respostas para questões que todos nós nos fazemos cotidianamente como usuários da mídia. E conhecerão também a ótica daqueles que atuam na retaguarda midiática, ‘plantando’ notícias ou ‘colhendo’ frutos, ora amargos (quando se consideram filtrados pelos repórteres), ora saborosos (quando emplacam versões assimiladas pelos editores).

Alguns ficarão surpresos ao perceber declarações telegráficas, em estilo típico dos que fogem pela tangente ou sintonizadas com o bloco dos ‘nem sim, nem não, antes pelo contrário’. Felizmente estas são exceções. A maioria mostrou-se objetiva, direta, coloquial, convincente. Vale a pena conferir!

******

Professor emérito da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e titular da cátedra Unesco de comunicação da Universidade Metodista de Comunicação (Umesp); autor dos livros Jornalismo brasileiro (Porto Alegre, Sulina, 2003) e A esfinge midiática (São Paulo, Paulus, 2004)