Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As ‘vocações’ da imprensa

Parece que atualmente um grande setor da nossa imprensa, justamente quando esta comemora dois séculos de existência, descobriu uma grande ‘vocação’, que é ser bem-comportada e não criar problemas para os representantes do poder executivo, sejam eles estaduais ou federais. Criticar os vetustos meios judiciais, jamais! Em compensação, para o poder legislativo valem quaisquer críticas. Afinal de contas, estão bem protegidos pelo foro privilegiado e já é aceito pelo folclore popular que falcatruas vindas de parlamentares não chocam mais, já que uma grande maioria é processada por crimes previstos no Código Penal em seus parágrafos, itens e alíneas que vão de A a Z.

Hoje, quando fazem seis anos do trágico assassinato do jornalista Tim Lopes, devemos lembrar que no curso das investigações que se seguiram à sua morte afloraram cerca de 200 ossadas em uma gruta, chamada pelos criminosos de ‘crematório’. Mas, com a apresentação dos assassinos do jornalista, tudo foi esquecido pela imprensa, que além de tudo promoveu os ‘Garotinhos’ dando grande destaque à operação de marketing político quando foi dinamitada esta gruta, soterrando centenas de crimes para sempre.

E agora, quando jornalistas são torturados no exercício de suas funções? A imprensa reage como se fosse um mero problema policial isolado, poupando o governador Sérgio Cabral dos aborrecimentos de dar explicações públicas a perguntas indiscretas.

Destruição na Amazônia

O Sindicato dos Jornalistas critica a direção dos meios de comunicação por expor seus funcionários a riscos, o secretário de Segurança, como sempre, promete ‘uma rigorosa apuração’ e blablablá. Mas será que um fotógrafo profissional ou amador pode sair por aí, mesmo em áreas ‘nobres’ como o centro do Rio de Janeiro, fotografando sem maiores preocupações? Certamente será agredido por uma das máfias criminosas que agem impunemente pelas ruas.

E o relatório da ONU, com pesadas acusações ao governo do estado do Rio de Janeiro pela atuação de milícias, corrupção e violência policial? Será que não merece uma entrevista com o chefe do executivo estadual ou é um problema restrito a autoridades menores? Devemos lembrar que no passado estes documentos eram usados para mostrar a violência ditatorial em nosso país. Será que agora perderam a credibilidade?

Outro grande pecado da imprensa é comer a isca governamental quando o assunto é desmatamento. Na administração de Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente, os mais de 100 mil quilômetros quadrados de florestas destruídos em apenas seis anos sempre ficaram meio escondidos, já que a mídia preferia dar destaque ao ‘carisma’ da ministra e ao marketing com a morte de Chico Mendes, sempre explorado para desviar a atenção deste rosário de crimes ambientais.

Becas negras e os aiatolás

Hoje, com o novo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, a história já começa a se repetir. Com as notícias alarmantes do crescimento desenfreado do desmatamento, a mídia prefere dar destaque às promessas de Minc de caçar bois em pastos ilegais, repetindo aquela história da caça ao boi gordo no governo Sarney e contribuindo mais uma vez para ‘proteger’ o governo federal dos incômodos de dar explicações mais sérias.

O fundamental nesta tragicomédia do desmatamento é que tanto o presidente da República quanto outras autoridades cometem crimes de responsabilidade, não garantindo o cumprimento das leis brasileiras e ainda dando financiamentos para criminosos ambientais. Mas isto nunca é lembrado.

Muitos associaram as negras becas usadas pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, por ocasião dos últimos julgamentos nessa corte, aos aiatolás em tribunais de defesa da fé. Mas a idéia destas becas é mostrar visualmente um diferencial para estes magistrados, que devem se pautar pela impessoalidade, prudência, grande saber jurídico e um senso absoluto de justiça. Entretanto, parece que os nossos representantes da imprensa não têm este sentimento, já que temem a justiça como um infiel teme os aiatolás.

O revólver dos juízes

Nos atuais escândalos envolvendo deputados estaduais, policiais e criminosos, existem também sérias acusações contra uma ex-procuradora e atualmente desembargadora do Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro. Só que isso tem sido ‘esquecido’ pela imprensa, que parece não considerar tão graves as mesmas acusações contra um membro das altas esferas do Poder Judiciário, quando comparada às mesmas acusações contra membros do Poder Legislativo que explodem nas páginas da imprensa.

O Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro acabou de recusar uma lista sêxtupla de indicações para o cargo de desembargador, enviada pelo Ministério Público estadual. Esta seria uma boa oportunidade para a imprensa se redimir, esmiuçando esta recusa, de modo a esclarecer o público, inclusive fazendo comparações com a aceitação de listas anteriores.

Não poderíamos terminar este artigo, sem falar do prêmio recebido por uma das armas fabricadas pela empresa brasileira Forjas Taurus.

No dia 16 de maio último, o modelo de revólver ‘Taurus Judge’ recebeu o prêmio ‘Handgun of the Year 2008’, patrocinado pela National Rifleman Association, em Louisville, estado de Kentucky, nos Estados Unidos. Esta arma foi batizada com o nome de judge (juiz) devido ao grande número de juízes que portam este modelo da Taurus nas salas dos tribunais norte-americanos – por ser um revólver poderoso para tiros de defesa a curta distância. Como 10% das armas exportadas legalmente para os Estados Unidos voltam ilegalmente para o Brasil, fica aqui uma sugestão final para uma ‘matéria’ jornalística, envolvendo temas como contrabando, governo norte-americano, magistrados e violência.

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Físico e escritor