Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Limites no modelo de gestão da TV Brasil

Com apenas um ano e meio da vida, a rede pública de televisão criada pelo governo federal já se meteu em um bocado de confusões. A cada diretor ou funcionário demitido, farpas são trocadas nos jornais e o modelo de administração da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), que congrega a TV Brasil, é colocado em xeque.


Em entrevista ao colunista Daniel Castro, publicada na terça-feira (28/4) na Folha de S.Paulo, o diretor de programação Leopoldo Nunes, demitido do cargo, ataca de frente a presidente da TV Brasil, Tereza Cruvinel. Nunes acusa Cruvinel de ter ‘rasgado’ 100 milhões de reais, de ser autoritária e não ter compromisso com o projeto da tevê pública.


Para falar sobre o assunto, procurei Diogo Moysés, membro do coletivo Intervozes, um dos mais ativos espaços de discussões sobre a comunicação no Brasil. Leia a seguir a entrevista.


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A TV Brasil, mais uma vez, aparece no noticiário por causa de desavenças internas. Isso não reforça a imagem da emissora como um espaço mais de política que de produção de conteúdo?


Diogo Moysés – Em qualquer projeto dessa natureza, divergências são saudáveis. A EBC, para que seja bem sucedida na tarefa de liderar a construção de um sistema público de comunicação, precisa ser objeto de reflexão permanente. A questão está na forma como essas divergências aparecem e como são, digamos, superadas. Acho que chamar a presidente da empresa de má gestora não adianta muita coisa. Aumenta a tensão, mas politiza pouco o debate. O conselho curador é que deveria funcionar como o locus de discussão sobre essas questões.


Mas o Conselho funciona?


D.M. – Está evidente que a opção por um conselho nomeado pelo Presidente da República foi pra lá de equivocada. O conselho é manso, passivo, somente reativo, exatamente o inverso do que deveria ser. E isso não é culpa dos conselheiros, pois eles não poderiam recusar o convite do Presidente, mas sim do modelo de gestão. Aposto contigo que mais da metade dos conselheiros não assiste a TV Brasil ou acessa a Agência Brasil. O fato de três deles terem pedido ‘demissão’ por falta de ‘tempo’ para ir às reuniões também é bastante simbólico.


O próprio presidente do conselho (o economista Luiz Gonzaga Belluzzo), apesar da respeitabilidade que possui, não parece ter se concentrado realmente nesta função. Agora que é presidente do Palmeiras, certamente tem a EBC como prioridade secundária. Isso não é um julgamento do Belluzzo, mas uma constatação necessária. Se o presidente do conselho não respira a EBC, quem é que vai fazer isso? Há ainda um entendimento equivocado sobre o que deve ser o conselho. Já ouvimos mais de uma vez que ele deve somente zelar por eventuais desvios políticos. O conselho precisa ser muito mais do que isso. Deve ajudar a formular os caminhos a serem trilhados pela EBC.


O Intervozes sempre foi favorável à tevê pública. Mas, quando a TV Brasil surgiu, vocês já tinham algumas críticas ao modelo. O que estava errado, de saída?


D.M. – O erro mais grave foi certamente em relação ao modelo de gestão, no qual tanto a diretoria-executiva quanto o conselho curador são indicados pelo presidente da República. Não foram estabelecidos mecanismos que permitam que a sociedade, de fato, participe da construção da EBC. É preciso que o governo assuma o erro que cometeu em relação a essa questão e reformule o modelo urgentemente, sob o risco de o projeto perder legitimidade. E, sem legitimidade, não há como consolidar um sistema público de comunicação. As experiências internacionais são a maior prova disso. O equívoco, vale dizer, não foi da direção da empresa, apesar da Tereza ter assumido a defesa do atual modelo quando foi preciso aprovar a Medida Provisória que criou a EBC, mas a mesma [a direção da EBC] pode e deve ajudar a reformá-lo.


Depois de um ano e meio, você acha que a TV Brasil teve, de fato, alguma utilidade? Quais são pontos fortes e seus pontos fracos?


D.M. – Um ano e meio é pouco tempo para avaliar se o projeto será ou não bem sucedido. O que é possível dizer é que a EBC não é hoje um projeto de Estado, vigoroso, com potencial para ser uma real alternativa à comunicação comercial. Há certamente pontos positivos, como a instituição de um operador de rede para o conjunto das emissoras públicas e estatais, e a formação de uma rede nacional descentralizada, mas tudo parece tímido em relação ao tamanho dos desafios que temos que enfrentar no campo da comunicação pública.


Te parecem claros os parâmetros editoriais da emissora?


D.M. – Olha, devo ser um dos poucos que assiste o principal jornal da TV Brasil. Faço isso pelo menos três vezes por semana e assumo que ainda não entendi direito que tipo de jornalismo se pretende praticar. Isso não significa que o jornalismo da emissora seja viciado ou chapa-branca. Mas também não adianta fazer um jornalismo ‘correto’. É preciso que o jornalismo público ajude o Brasil a refletir sobre si mesmo, que seja transformador, sem ser panfletário, evidentemente. Em relação ao conjunto da obra, é preciso considerar que a construção de uma grade de programação é um processo difícil, penoso, que leva algum tempo.


Na era da Internet, ainda tem sentido imaginar uma tevê nos moldes da TV Brasil como alternativa à Globo e à Record? Não estariam todas repetindo um modelo esgotado?


D.M. – Sim e não. Sim, se a TV Brasil pautar-se pelos mesmos princípios das emissoras comerciais ou se limitar sua atuação à televisão. Mas, mesmo no século 21, não é possível dizer que a televisão pública é algo dispensável para a construção da democracia brasileira e para a garantia da diversidade cultural. A tevê continua sendo o meio de comunicação mais relevante do país, de longe com a maior penetração. Mas acho que ninguém mais defende que a EBC atue somente na televisão. O grande desafio é construir uma ou mais emissoras de TV e rádio relevantes e, simultaneamente, promover a comunicação pública no mundo digital.


Você acha que, nas próximas eleições, a TV Cultura e TV Brasil serão realmente importantes para PSDB e PT, respectivamente?


D.M. – Acho que não. A TV Cultura está com o jornalismo cada vez mais esvaziado. A tendência é que evite críticas ao Serra, coisa que já é evidente hoje, mas não acho que isso será decisivo nas próximas eleições paulistas. Já a TV Brasil ainda é um projeto em construção e, exatamente por isso, há um cuidado muito maior com a cobertura jornalística. Para afundar o projeto da EBC bastaria que, nas eleições, a cobertura se tornasse chapa-branca. Não acho que isso irá acontecer.