No exercício da função de jornalista, estamos sujeitos a várias tentações. Uma delas é a ‘espetacularização’ da notícia e a edição dos fatos para que fiquem de acordo com a versão que acreditamos ser a melhor. Entretanto, em nome da responsabilidade e da ética profissional, temos que diariamente lutar contra as tentações que sempre existirão em qualquer profissão.
Em relação à ‘espetacularização’ da notícia e edição dos fatos, pude comprovar na pele os resultados provocados por uma edição tendenciosa e mentirosa, com a finalidade de tornar a notícia mais interessante. Vamos aos fatos.
Na terça-feira, 05 de maio, como assessora de imprensa da Sedumah – Secretaria de Desenvolvimento Urbano, Meio Ambiente e Habitação de Palmas, fui procurada pela produção da TV Anhanguera para marcar uma entrevista sobre uma desocupação de área pública. A entrevista foi solicitada às 14h e marcada, imediatamente, para 14h30, sem qualquer dificuldade ou restrição.
Ao chegar para entrevista, o repórter Geraldo Neto, enquanto aguardava o diretor, Dirceu Carvalho, recebeu informações sobre a situação em questão e foi esclarecido sobre o fato de haver uma lei que não permite a venda de área pública. Pareceu satisfeito e não solicitou outras informações. Também não informou que possuía uma cópia de documento que supostamente provava o contrário. Ressalto aqui: o repórter escondeu do entrevistado que possuía um documento que seria mostrado durante a entrevista e não deu a chance do entrevistado conhecer este documento, sobre o qual teria que responder.
Ética questionada
Somente no meio da entrevista, quando o entrevistado explicava a existência da legislação, o repórter pegou o papel e disse que possuía uma cópia de documento que supostamente comprovava que a Prefeitura já havia realizado ação contrária ao que Dirceu Carvalho afirmava, sendo, portanto, uma ação ilegal. Detalhe: o repórter queria que o entrevistado respondesse sobre um documento de três páginas, sem que houvesse a possibilidade de lê-lo. Neste momento, como era uma entrevista gravada, eu pedi para que ele parasse a entrevista, para que o diretor pudesse ler o documento. Em nenhum momento quis impedir o diretor de falar sobre o assunto; apenas falei para o repórter que era ‘sacanagem’ ele não deixar que o diretor conhecesse o documento sobre o qual estava sendo questionado.
Ora, em entrevista anterior, o repórter havia parado a gravação três vezes por ter errado o nome do entrevistado. Por que não fez o mesmo na entrevista em questão? Não pôde parar por que estava intimidando o entrevistado com um documento que não era de seu conhecimento?
Outro detalhe importante: o documento apresentado sequer se referia ao assunto em questão e, apesar de eu ter pedido ao diretor que parasse a entrevista, ele preferiu continuar e questionou o repórter sobre a autenticidade do documento. Palavras do diretor: ‘Como você me apresenta um documento que é uma cópia rasurada, que eu nem tenho condições de ler?’, além de ter feito outros questionamentos ao repórter. Tudo isso foi gravado!
Após o término da entrevista, questionei o procedimento ético do repórter e pedi que ele analisasse a sua postura profissional naquela situação. O mesmo admitiu que ‘poderia estar errado’. Apesar de indignada com todo o ocorrido, imaginei que o caso estava ‘encerrado’.
Facilitador da informação pública
Porém, o espetáculo estava apenas no início. A gravação foi editada e a matéria foi ao ar com cortes da parte em que o repórter pedia a explicação sobre o documento desconhecido e o diretor questionava a autenticidade do documento. Foi mostrado ao público apenas a parte em que eu pedia para o diretor parar a entrevista. Um detalhe que chama a atenção nessa parte: a edição cortou o áudio da minha voz e colocou o off afirmando que a assessora tentou desautorizar o diretor a falar. Para complementar, a âncora do jornal ressaltou que lamentava a posição da assessora, Samara Martins, que tentou coibir o direito de informação da população, sem explicar os motivos pelo qual solicitei que a entrevista fosse interrompida.
O espetáculo estava pronto. Uma assessora de imprensa tentando impedir que a informação pública chegasse à sociedade. Para quem quer fazer do jornalismo um show, o prato foi preparado e servido na emissora de maior audiência local. ‘A imprensa como vítima’, sendo cerceada em sua função de levar informação para a sociedade. Entretanto, o mesmo telejornal que questionou a minha posição, sem mostrar o motivo pelo qual eu pedi para que a entrevista fosse interrompida, acha natural que alguém tenha que responder sobre um documento que desconhece. Na verdade, não acho que eles considerem isso natural, por isso cortaram essa parte da matéria. A atitude questionável do repórter foi cortada. E eu pergunto: por quê?
Em três anos de assessoria, em nenhum momento tentei coibir o acesso à informação por parte da imprensa. Pelo contrário, acho que o papel do assessor é o de facilitador para que a informação pública chegue até a sociedade da forma mais clara e verdadeira possível. Nesse caso específico, fiz questão de marcar a entrevista, interrompendo a agenda do diretor para que ele recebesse a imprensa. Se não quisesse que ele falasse, apenas enviaria uma nota.
Estratégias de intimidação
Sempre procurei pautar o meu trabalho pela democratização do acesso à informação pública, respeitando sempre os direitos individuais. No caso específico aqui abordado, defendi o direito do diretor de conhecer o conteúdo do documento sobre o qual iria responder, principalmente porque não era uma entrevista ao vivo. O entrevistado não estava se recusando a falar sobre o assunto e, ainda assim, o repórter preferiu optar em montar uma ‘armadilha’ para que o entrevistado ficasse como mentiroso. Afinal de contas, uma matéria assim chama mais atenção, é mais ‘espetacular’.
Sendo assim, apesar de não possuir em mãos a maior emissora de TV da região, que transmite o sinal da maior emissora do país, lamento a posição dos colegas jornalistas que fizeram a matéria e levaram ao ar apenas uma versão incompleta dos fatos. Lamento profundamente a posição de uma emissora que diz que pratica jornalismo sério, mas que edita suas matérias de forma a atingir a imagem de profissionais que procuram fazer o seu trabalho de forma séria e ética, enquanto a emissora utiliza estratégias de intimidação com seus entrevistados.
Repito: defendi e defendo o direito de qualquer entrevistado conhecer o teor de documentos ou outras informações sobre os quais serão questionados. Isto é o mínimo que podemos esperar de um jornalismo sério.
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Jornalista, pós-graduada em Comunicação Educação e Novas Tecnologias e Assessora de Imprensa da Prefeitura Municipal de Palmas, TO