Nos últimos dias, deparei com uma entrevista que tem como título ‘O ato de ler evolui’, concedida em 2001 à revista Nova Escola (ed. 143) pela psicolinguista argentina Emília Ferreiro (pode ser acessada no site do referido periódico). A conversa que Ferreiro teve com a repórter Pellegrini a respeito do que se espera de um leitor em cada época me aguçou à reflexão a respeito do que se espera de um leitor na era das novas tecnologias da informação e da comunicação; a época das novas mídias. A discussão ali apresentada me possibilitou, hoje na posição de linguista, ‘matutar’ mais sobre o significado dos processos de ler e escrever neste outro tempo.
Alguns pontos da entrevista me chamaram a atenção. De acordo com Ferreiro, o que se espera de um leitor muda com o tempo. Para ela, ‘o que se espera de um leitor é determinado socialmente, numa certa época ou cultura’. Sendo assim, no tempo agora, que é outra era, a da internet, surgem novos modos de comunicação e outros estilos, os quais possuem diferentes propriedades que provocam outros funcionamentos dos sistemas e das tecnologias da escrita, dentre elas as interfaces entre letras, números e marcas visuais. A pesquisadora afirma também que o leitor da atual sociedade necessita de eficiência leitora, que lhe garanta rapidez e seletividade.
Modos semióticos
Para pensar mais acerca deste tema, recorri aos estudos de Roger Chartier, historiador francês que tem se dedicado à história da leitura e que compreende a escrita e a leitura como práticas sociais. Para ele, a significação dos textos é sempre social. Ou seja, o(s) sentido(s) de um texto não é(são) dado(s) unicamente pelo autor; ao contrário, é/são construído(s) na relação do outro (o leitor, o espectador, o telespectador, o internauta) com o texto. Deste modo, devemos entender, segundo esse pesquisador, que os sentidos de um texto dependem da época, do suporte e de sua comunidade de circulação, dentre outras coisas. Para Chartier, os textos em nossa época são produzidos com forte influência das novas tecnologias, as quais alteram o modo de significação. Outra característica em grande parte destes textos é que eles solicitam uma leitura, prioritariamente, informativa.
Com base nas idéias desses dois estudiosos preocupados com a leitura e com a escrita, podemos depreender que, de fato, o processo de leitura se diferencia de uma época para outra, pois a leitura é sempre determinada socialmente, a partir de suas condições culturais. Logo, na era das novas mídias, alguns aspectos do processo de leitura necessitam ser (re)pensados: a eficiência leitora, a rapidez e a seletividade. Se necessitamos fortemente de leituras informativas, ser seletivo e rápido tornam-se atributos fundamentais para o leitor nos dias atuais. Todavia, quais os procedimentos de leitura para ser esse leitor eficiente?
Vejo como prioridade para a eficiência leitora a compreensão de que os textos que circulam em nossa sociedade se dão em muitos outros gêneros textuais advindos das novas condições sociais e, nestas, da potencialidade das novas tecnologias. Isto acarreta novos textos fortemente multimodais, os quais são construídos com o imbricamento de diversos modos semióticos (letras, números, marcas visuais, vídeos, áudio etc.). Por isso, outros conhecimentos/procedimentos de leitura são necessários para uma tal eficiência leitora. Apenas para citarmos um mínimo exemplo, atentemos para a construção de uma reportagem impressa e os modos semióticos usados para sua construção, considerando que ler é entender o texto enquanto enunciação (falar, escrever, filmar, editar etc.), que sempre é um agir sobre o mundo através da manipulação de semioses.
Os sistemas na construção dos textos
Imaginemos que os textos midiáticos nos ‘obrigam’ a considerar para a sua leitura, além do texto verbal, alguns aspectos visuais, tais como a marcação da letra inicial como ‘letra capitular’, o tipo de fonte, a opção pelo texto justificado ou não-justificado, a opção pela paragrafação, ou não, o tamanho e a opção pelas letras maiúsculas e pelas cores usadas nos títulos, os sub-tópicos negritados e ás vezes como parte do parágrafo, o marcador indicativo da continuação ou finalização, a inserção e localização de fotografia(s) na disposição/organização do texto, a opção pelo texto em colunas etc. Pela descrição, os textos atuais pedem uma postura de leitura diferente daquela para com um texto jornalístico de épocas passadas, o qual certamente não era tão visual quanto os dos dias atuais. Assim, entendemos que o ato de ler evolui; torna-se diferente, talvez mais complexo.
Pelo exposto, respondemos afirmativamente à questão proposta no título deste artigo: sim, nos tempos das novas mídias o leitor é outro. Isto é, o sujeito leitor nos dias atuais necessita ser aquele que conhece e lê os diversos sistemas semióticos usados na construção dos textos, compreendendo que os sentidos são construídos nas interações e no suporte e, neste, a multimodalidade, devem ser considerados.
******
Mestre em Estudos de Linguagem (UFMT), doutorando em Linguística (UFPE) e bolsista CNPq-Brasil