Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

A imprensa abre um olho

A mídia tradicional do Brasil, ou parte dela, surpreende o leitor atento na terça-feira (30/7), ao dar alguma atenção ao caso de pagamento de propinas em processos de licitação nos sistemas de transporte público de São Paulo e de Brasília. Ainda que discretamente, os jornais vão pontuando, aqui e ali, aspectos ainda periféricos da denúncia, mas evitam apontar diretamente as evidências de um esquema oficial, envolvendo autoridades de peso.

No caderno “Metrópole”, portanto longe da seção de política, que abrigou outros escândalos com muito mais destaque, o Estado de S.Paulo informa que o Ministério Público paulista vai pedir à Justiça da Alemanha e da Suíça cópias de depoimentos e de documentos obtidos com dirigentes da empresa alemã Siemens, que confessaram o pagamento de propina a “agentes públicos” do governo paulista. Com uma delicadeza de homilia papal, o jornal fala de “indícios de supostos pagamentos de propina”. Acrescenta que “os promotores também suspeitam de lavagem de dinheiro”. Não é nada, não é nada, mas já é alguma coisa.

A existência de uma conta na Suíça e de depoimentos de executivos da empresa alemã relatando pagamentos feitos a dirigentes da Companhia do Metrô e da Companhia Metropolitana de Trens Urbanos são de conhecimento dos promotores. Trata-se agora de fazer a ligação entre esses depósitos e a continuidade do crime, que teria começado no governo de Mario Covas (1995-2001) e evoluído nos mandatos de Geraldo Alckmin (2001-2006) e de José Serra (2007 a 2010).

Além dos sinais de que os promotores paulistas estão levando a sério a denúncia, o caso é investigado também pela Procuradoria da República.

Há muito mais do que indícios de formação de cartel, como descrevem cautelosamente os jornais. Há rastros de um esquema criminoso, que atravessou quase vinte anos de governos do PSDB, o que torna irrelevante a declaração do atual governador, Geraldo Alckmin, registrada pelo Estado, de que ele é “o principal interessado em elucidar o caso e ressarcir os cofres públicos”.

Se, em quase duas décadas, os governadores que se revezaram no poder não foram capazes de sequer suspeitar do esquema, ou foram cúmplices ou foram negligentes. Não há recurso na linguagem jornalística para dissimular essa evidência.

Qualidade de vida

Outro assunto que surpreende na leitura dos jornais de terça-feira é o tratamento dado aos números do Índice de Desenvolvimento Humano dos Municípios, levantamento com base no Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013, feito pela ONU. O estudo mostra que, nos últimos vinte anos, a qualidade de vida nos municípios brasileiros melhorou em média 47,5%, saltando da classificação de “muito baixo” para “alto”.

Em 1991, as cidades brasileiras que viviam em estado de pobreza eram 85,8% do total. Em 2010, essa porcentagem havia caído para 0,6% dos municípios.

Os números também permitem observar que houve uma forte redução das desigualdades regionais. O avanço foi maior no Norte e Nordeste, comprovando mais uma vez que os programas de transferência direta de renda trazem resultados concretos de desenvolvimento econômico e social.

A maior carência continua sendo a má qualidade da educação, que é considerado o principal entrave para a melhoria de outros indicadores, como a renda, a saúde e o índice de mortalidade nos lugares onde a pobreza persiste. No entanto, o estudo mostra que houve um avanço de 128% no Índice de Desenvolvimento Humano de Educação nos municípios, com o aumento da escolaridade e da universalização das oportunidades. Portanto, mesmo com o avanço, não há dúvida de que esse ainda é o “calcanhar-de-Aquiles” do Brasil contemporâneo.

Os jornais são obrigados a tratar esses indicadores com uma abordagem que costumam evitar quando analisam o cenário econômico, por exemplo. Indicadores sociais só fazem sentido em prazos longos, quando se pode observar erros e acertos das políticas públicas. A novidade nas edições de terça-feira (30) é que alguns colunistas, que garantiram seus espaços na mídia com a negação do valor das políticas sociais de transferência de renda, se veem obrigados a admitir que está ocorrendo um processo inédito de inclusão social no Brasil.

Interessante observar que a geração mais beneficiada pelo fenômeno é a que promove os protestos massivos que paralisam as grandes cidades brasileiras. É preciso saber se os manifestantes ignoram o que era o Brasil quando eles nasceram, ou se têm consciência do que conquistaram e exigem mais.

Essa é uma questão que ainda foge da percepção da imprensa.