Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Episódio de espionagem não afetou a imagem do Google

Presença frequente nas apresentações de produtos do Google -foi o encarregado de apresentar ao mundo o tablet Nexus 7, por exemplo- o mineiro Hugo Barra, 36, é um dos responsáveis por tornar o Android o sistema móvel mais popular do mundo.

Quando assumiu a diretoria de produtos, em 2010, o sistema tinha 50 milhões de usuários. Desde então, Barra chegou a vice-presidente, e o Android se aproxima de 1 bilhão de usuários.

De formação técnica, Barra, que veio ao Brasil para o evento Infotrends, não esconde a aversão a responder a questões sobre política e dinheiro na tecnologia.

“Oba, vai começar a entrevista”, disse quando, depois de uma sequência de perguntas sobre o episódio da espionagem americana, ouviu uma sobre jogos.

Os usuários depositam uma confiança grande no Google ao guardar dados nos servidores de vocês. Ela foi quebrada com o episódio da espionagem da NSA?

Hugo Barra – Acho que não. Nós temos plena consciência da relação de confiança que temos com todos os usuários de nossos serviços, e isso é a coisa mais valiosa que possuímos.

E é por isso, também, que deixamos bem claro durante todos esses episódios, desde o começo, que não existe a menor possibilidade de que dados dos usuários que estão armazenados pelo Google sejam disponibilizados direta ou indiretamente a qualquer autoridade. O Google só disponibiliza informações em casos extremos, quando existe ordem judicial.

O episódio afetou a imagem do Google? Vocês perderam usuários?

H.B. – Absolutamente não. Não existe nenhum indício de que os episódios tenham afetado a forma como as pessoas usam nossos serviços, ou a frequência, o número de usuários, qualquer outra métrica que você escolha.

Depois que o jornal “O Globo” mostrou que brasileiros foram espionados, o governo disse que quer os servidores das empresas aqui. É viável?

H.B. – Cada empresa tem suas políticas, mas o Google escolhe onde coloca dados do mundo todo pensando em eficiência. Ou seja, nós criamos um datacenter de forma que usuários tenham acesso mais fácil e rápido aos serviços. Nós não temos servidores no Brasil porque ainda não é eficiente -proximidade geográfica não quer dizer proximidade do ponto de vista de rede.

Você já disse que precisa lutar cada vez menos para que o Brasil receba atenção do Google. Onde o país está nas prioridades da empresa?

H.B. – Em uma posição muito alta porque, primeiro, a população brasileira conectada é muito grande. Segundo, porque o brasileiro tem uma cabeça muito aberta para experimentar coisa nova. O tipo de feedback que conseguimos aqui no Brasil não é tão comum no resto do mundo. O Brasil realmente usa, fala a você o que acha, e isso para nós é fantástico.

Você é um brasileiro ocupando um cargo alto de uma grande empresa de tecnologia. Isso tem um valor especial?

H.B. – É especial, mas não surpreendente. Há muitos brasileiros de sucesso no Vale do Silício, em Nova York, em todas as indústrias. Só no Google há pelo menos três vice-presidentes brasileiros. Brasileiros se preparam muito. Universidades brasileiras, principalmente quanto aos cursos de engenharia, são tão boas quanto as do resto do mundo.

Por que então não vemos 'Googles' sendo criados aqui?

H.B. – Eu acho que não há nenhuma razão específica. O Vale do Silício é um ímã gigantesco de talento porque ali se concentram todos os aspectos que facilitam a criação de novas empresas -quando você cria uma companhia, não trabalha sozinho. É uma questão de ecossistema.

O que o Brasil precisa fazer para ter algo como o Vale?

H.B. – Acho que já está acontecendo, várias empresas no Brasil estão se destacando. A [desenvolvedora de jogos] Fun Games For Free, por exemplo, é formada por dois garotos da USP, engenheiros, que são supernovos e inteligentes. Montaram uma equipe de tamanho razoável contratando amigos e entraram em um mercado global. Esse ecossistema está começando a ser criado.

Quais são os requisitos para esse ecossistema ser criado?

H.B. – Primeiro: toda a parte de processos burocráticos e logística necessária para registrar uma empresa. Isso aqui no Brasil sempre foi um problema e continua sendo.

Segundo: você tem que ter massas de escolas e outros veículos de formação de talento técnico. Não só de computação, mas de design, de arte, que são componentes importantes de uma start-up.

Também tem a parte de investimento. Hoje, aqui em São Paulo, boa parte dos VCs [investidores de capital de risco] do Vale do Silício já têm representação, então isso também já se resolveu. As próprias universidades também têm núcleos que incentivam o empreendedorismo. Eu acho que o ecossistema já está sendo formado.

O que acha das discussões do Marco Civil da Internet?

H.B. – Acompanho por alto. Nós [do Google] apoiamos a liberdade de expressão não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Apoiamos fielmente a versão original do Marco Civil.

E a versão alterada [que tramita no Congresso]?

H.B. – A alterada eu desconheço. Mas a filosofia do texto original do Marco Civil está completamente alinhada ao Google.

Você participa do desenvolvimento do Android desde cedo. Onde o vê daqui a alguns anos?

H.B. – O Android foi desenvolvido como uma plataforma para quaisquer dispositivos móveis. Nós gostaríamos que continuasse caminhando na direção em que está, sendo o núcleo de celulares, tablets, relógios, televisores, aparelhos domésticos, sistemas de automação de residências e outros gadgets que serão inventados. Mas nós não temos nenhuma restrição.

Muita gente tem falado sobre sistemas pró-ativos, que adivinham a vontade do usuário. Eles são o futuro?

H.B. – Eu acho que sim. Recentemente, houve uma série muito importante de quebras de paradigma, do ponto de vista computacional, com o desenvolvimento de técnicas maravilhosas de aprendizado artificial.

O [assistente pessoal móvel] Google Now é o primeiro grande exemplo do que achamos que poderá ser possível com essas novas técnicas.

A quantidade de informações que cada usuário individual pode achar útil cresce exponencialmente. Se nós não desenvolvermos ferramentas que permitam que as pessoas encontrem o que for interessante, não vai ser possível lidar com essa massa gigantesca de informações.

E o Google Glass [óculos inteligentes do Google]?

H.B. – Eu uso direto, é fantástico. A oportunidade de colocar na frente de uma pessoa uma tela que está sempre disponível, quase que sem nenhum esforço por parte do usuário, é uma coisa completamente nova.

E esse dispositivo, dentro desta haste, tem praticamente o poder computacional do [celular do Google] Nexus 4.

Acho que o mundo ainda não entendeu o potencial de inovação que o Google Glass como plataforma tem a proporcionar.

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Tecnologia de empresa de Barra foi parar na Apple

Mineiro de Belo Horizonte, Hugo Barra chegou ao Google em 2008 a convite do também brasileiro Mario Queiroz, hoje vice-presidente da Google TV, para gerenciar o desenvolvimento de aplicativos para celulares.

Quase três anos depois, Barra se mudou para a Califórnia para assumir a diretoria de produtos do sistema operacional Android, na época “pequenininho”.

Bem antes do Google, Barra estudou no Colégio Pitágoras, na capital mineira.

Entrou no curso de engenharia elétrica da UFMG, mas abandonou-o no ano seguinte para estudar no MIT, “sonho desde o segundo grau”, diz.

Ao se formar, fundou a Lobby 7, uma start-up que desenvolvia tecnologias de reconhecimento de voz.

A ideia do nome, que deveria ser provisório, veio de um dos salões do MIT. “Nós estávamos tão ocupados que nem mudamos”, conta.

A Lobby 7 foi comprada pela ScanSoft, que depois se fundiria com a Nuance Communications e se tornaria uma das maiores empresas de reconhecimento de voz.

Hoje, a Nuance presta serviços para um dos maiores concorrentes do Google. “Parte do que criamos, pelo que eu já ouvi falar, acabou fazendo parte do produto de reconhecimento de voz da Apple”, afirma Barra. (B.F.)

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Bruno Fávero, para a Folha de S.Paulo