Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

A cobertura gentil do rombo comercial

 A imprensa foi boazinha ao noticiar o buraco de US$ 4,99 bilhões, segundo a conta oficial, acumulado no comércio exterior de janeiro a julho deste ano. Na cobertura imediata, grandes jornais compraram facilmente a versão do governo: o grande problema foi a importação de combustíveis. Na sexta-feira (2/8), o noticiário apontou o déficit como o pior de todos os tempos, mas ficou bem na superfície. Para ir mais fundo bastaria uma rápida leitura do relatório divulgado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. A história contada nas tabelas era muito mais feia que a explicação vendida na entrevista coletiva de quinta-feira (1).

Com um mínimo de atenção, qualquer repórter poderia ter apresentado uma narrativa bem mais interessante que a do ministério. Para começar, o déficit é explicável apenas em parte pelo aumento das compras. O valor exportado em sete meses, US$ 135,32 bilhões na conta oficial, foi 1,5% menor que o de igual período do ano anterior. A despesa, US$ 140,22 bilhões, foi 10% maior que a de janeiro a julho de 2012.

Essa elevação é atribuível apenas em parte ao aumento das compras de combustíveis e lubrificantes –uma variação de US$ 4,13 bilhões. A importação de bens de capital custou US$ 2,27 bilhões a mais que no ano anterior. A de matérias-primas e bens intermediários aumentou US$ 4,52 bilhões de um ano para outro. E ainda seria preciso contar a elevação de US$ 1,01 bilhão nas compras de bens de consumo.

Saldo acumulado

Mas é preciso reexaminar a conta da exportação, onde se encontra um detalhe especialmente importante. Automóveis de passageiros aparecem no topo da lista dos manufaturados, com receita de US$ 2,99 bilhões em sete meses. Até aí, nada muito especial. Carros, autopeças e aviões são enumerados com frequência entre os itens mais importantes da exportação industrial. O detalhe notável é outro. Em segundo lugar, com faturamento de US$ 2,81 bilhões, aparecem as vendas de plataformas para exploração de petróleo. Mas essas exportações, como já foi amplamente divulgado, são fictícias. São parte de um esquema legal, em vigor há mais de dez anos, para reduzir a tributação dos equipamentos destinados ao setor petrolífero.

No mês anterior, o peso dessas exportações – nunca realizadas, de fato – havia sido mencionado na entrevista coletiva de apresentação da balança comercial. Desta vez, a conversa passou longe do assunto e o detalhe foi menosprezado, ou ignorado, na maior parte da cobertura. Mas as matérias teriam sido bem diferentes se mencionassem esse ponto.

Sem os US$ 2,81 bilhões das plataformas nunca embarcadas, a exportação total teria ficado em US$ 132,42 bilhões. A receita comercial teria sido 3,91% menor que a de janeiro a julho de 2012 (descontando-se também US$ 405 milhões de plataformas “exportadas” naquele período). A conta oficial mostraria um resultado bem pior neste ano, com um déficit de US$ 7,8 bilhões. A exportação fictícia de plataformas é legal, mas a sua inclusão na conta de comércio, sem ressalva, distorce os dados e prejudica a informação.

Mesmo a cobertura imediata, preparada em poucas horas para o fechamento dos jornais, poderia ser mais completa no exame dos dados. O déficit nas operações com petróleo e derivados, US$ 15,44 bilhões, foi 270,31% maior que o de janeiro a julho do ano anterior – e isso parece excepcional. Mas terá sido mesmo? Ou terá apenas ocorrido a intensificação de uma tendência?

Afinal, o saldo negativo acumulado nessa conta nos meses correspondentes de 2012 já havia sido 164,26% maior que o de um ano antes. Tem havido um descompasso importante entre a demanda e a oferta interna de combustíveis e lubrificantes. Seria necessária outra reportagem para esmiuçar o assunto, mas a mera referência ao fato já enriqueceria o material sobre a conta de comércio.

Ferrovia bichada

Os jornais mostraram muito mais eficiência, na mesma semana, em outras coberturas. O Estado de S.Paulo noticiou com exclusividade a decisão da presidente Dilma Rousseff de mudar o cálculo das dívidas de estados e municípios para facilitar os investimentos em mobilidade urbana. O dinheiro tomado para essa finalidade ficaria fora do endividamento. Publicada a informação, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, declarou-se contrário à mudança, mas a presidente, segundo o jornal, continuava cobrando medidas para a execução de sua ideia.

O noticiário da semana foi rico, em todos os grandes jornais, de informações sobre o vai-e-vem na área fiscal, com o governo anunciando cortes de gastos e prometendo, ao mesmo tempo, liberar R$ 6 bilhões para emendas orçamentárias de parlamentares aliados. A cobertura avançou, também, na estimativa de quanto o Tesouro gastará para cobrir as mudanças no setor elétrico, anunciadas em setembro do ano passado, quando a presidente Dilma Rousseff prometeu a redução das contas de luz. Sem a antecipação de recebíveis de Itaipu, a conta poderá chegar a R$ 9 bilhões, segundo o Valor. No começo da semana, o Estadão havia mencionado R$ 6,7 bilhões.

Outra boa leitura da semana foi a reportagem do Valor sobre a inauguração frustrada Ferrovia de Integração Oeste-Leste, na Bahia. A cerimônia deveria ter ocorrido em 30 de julho, mas nenhum metro de trilho havia sido assentado até aquela data. Foi mais uma revisão de prazo no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Outros levantamentos, um deles do Globo, já haviam indicado atraso médio de quatro anos nas principais obras rodoviárias do programa. Apesar de alguns cochilos, há sinais de camisa suada na cobertura econômica. 

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Rolf Kuntz é jornalista