De acordo com Dominique Wolton (1996), se o objetivo da Rede Globo “não é modificar as estruturas sociais é, pelo menos, saber apreendê-las e acompanhá-las”. (p. 159-160). Os capítulos da telenovela Amor à Vida levados ao ar nos dias dia 1º e 2 de agosto atestam muito bem essa afirmação do teórico francês. Ao discutir a homossexualidade do personagem Félix (interpretado pelo ator Mateus Solano), a TV Globo deu uma demonstração de que pode, quando quer, ser um importante instrumento de debate sobre diversos temas que permeiam o processo societário, ainda que através de um produto cujo objetivo principal é entreter, como as telenovelas.
Considerando a diversidade, os meios de comunicação, e em particular a TV – principalmente por sua hegemonia na vida social latino-americana (no Brasil este meio atinge 97% da população) –, precisam ser compreendidos como um ponto de cruzamento entre diferentes realidades, pois, conforme advoga Milton Santos (2006), as ideias de mundo podem frutificar proporcionalmente às diferenças existentes entre as pessoas. Neste sentido, é interessante encarar a comunicação enquanto linguagem, enquanto construção dos sujeitos históricos nas variadas direções, ou seja, na política, na cultura etc.
Tomando como base essa forma de apreender a comunicação, tornam-se relevantes as considerações que Wolton (1996) faz acerca do papel da televisão, quais sejam a de interação social e de negociação de modelos e de influências, em detrimento da visão que a coloca como instrumento de dominação imperialista e cultural.
Discussão madura
Talvez a televisão possa ser vistas a partir de ambas as perspectivas. Afinal, conforme advoga Llul (2009, p 219) – com quem concordamos – “qualquer teoria que defenda que os meios de comunicação funcionam como libertadores ou opressores universais deforma grosseiramente o processo de comunicação”.
Do ponto de vista das influências, os capítulos da novela Amor à Vida levados ao ar nos dias 1º e 2 de agosto, ao discutirem tão seriamente a sexualidade do personagem Félix, colocando o preconceito e a aceitação familiar de modo educativo, devem ser alvo de elogios, principalmente considerando a pertinência da temática em um momento histórico tão emblemático, quando a comunidade homossexual do mundo e do Brasil tem intensificado a luta por direitos civis e respeito.
O diálogo entre Félix, Pilar e Bernarda – interpretados por Mateus Solano, Suzana Vieira e Nathalia Timberg, respectivamente – no capítulo exibido no dia 1º de agosto brindou o público com uma bela oportunidade de debate acerca da homossexualidade, fora de certos clichês aos quais a televisão de modo geral – e em particular a Globo – costumam lançar mão. A cena priorizou uma discussão madura, respeitosa, ancorada em questões de cunho social e psicológico, que provavelmente suscitou questionamentos e reflexões acerca de concepções preconceituosas presentes nas cabeças de centenas – ou, até milhares de telespectadores.
Formação das subjetividades
Em outra cena levada ao ar no mesmo dia o personagem Félix foi recebido calorosamente pela irmã Paloma (interpretada pela atriz Paolla Oliveira), que demonstrou seu amor e apoio, inclusive de forma divertida, quando ressaltou para o irmão tomar cuidado para não seduzir o namorado dela. Por outro lado, no diálogo entre Félix e seu pai César (interpretado pelo ator Antonio Fagundes), que ocorreu na sexta-feira, dia 2 de agosto, a novela apresentou a intransigência machista e anacrônica, um posicionamento intolerante, típico de pessoas que ainda estão mergulhadas na ignorância e que insistem em manter os corações e mentes fechados diante da homossexualidade, posto que contraria uma convenção de certo modelo de família e sociedade.
Ao apresentar esse “debate”, a telenovela Amor à Vida – e consequentemente a Rede Globo – oportunizou o telespectador a deparar com vários discursos que demonstraram situações presentes nas vidas reais de muito(a)s homossexuais, deixando o público com a missão de refletir sobre a temática.
Essas discussões presentes nos referidos capítulos de Amor à Vida demonstram o potencial dialógico e educativo que a televisão pode ter, o qual é muito importante e precisa ser explorado de maneira a propiciar a exposição e discussão de inúmeras temáticas que permeiam a vida societária; não de maneira a substituir outras instâncias importantes como a família e a escola, por exemplo, mas como uma instância a mais no processo de formação das subjetividades.
De fato, é inegável que a TV e os outros meios de comunicação participam ativamente na formação das subjetividades, mas como sabedores desse potencial precisamos requerer que as mediações priorizem a diversidade, a fim de que essa influência se dê de modo mais equilibrado.
Referências
LLUL, James. Medios de comunicación y cultura. Buenos Aires: Amorrortur, 2009.
SANTOS, Milton. Por uma outra Globalização. São Paulo: Record, 2006
WOLTON, Dominique. Elogio do Grande Público. Uma teoria crítica da televisão. Tradução José Rubens Siqueira. São Paulo: Ática, 1996
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Verbena Córdula Almeida é doutora em História e Comunicação no Mundo Contemporâneo pela Universidad Complutense de Madrid – Espanha e professora Adjunta do Departamento de Letras e Artes da Universidade Estadual de Santa Cruz –UESC