Nos EUA, existem jornalistas e blogueiros que checam fatos de discursos políticos como os do PolitiFact, unidade dedicada à checagem dos fatos no The Tampa Bay Times, eos do FactCheck.org, criado pelo Centro de Políticas Públicas Annenberg, da Universidade da Pensilvânia. Eles funcionam da seguinte maneira: as falas e promessas de políticos são analisadas e recebem um selo de “verdade”, “mentira” e suas nuances, ou ainda classificações e notas, de acordo com a veracidade dos fatos relatados.
O tema desperta as mais variadas críticas. Uma linha alega que esses serviços de checagem dos fatos são escravos da semântica e acabam ignorando verdades fundamentais. Afinal de contas, políticos sabem usar as palavras de modo muito eficiente e etiquetar “verdadeiro” nessa retórica é como dar a eles licença para mentir. Já as críticas mais comuns argumentam que eles violentam o inglês, ao ignorar fatos simples e encontrar maneiras de complicar o que deveriam ser questões diretas e objetivas.
Na opinião de Lucas Graves, professor de Comunicação da Universidade da Columbia, é revelador o quão fácil vamos de um campo ao outro, pedindo contexto e nuance em um dia e interpretação literal no outro. Na semana passada, por exemplo, críticos liberais não gostaram do PolitiFact ter dado “metade verdade” para a declaração do líder da maioria republicana na Câmara, Eric Cantor, de que o déficit federal está crescendo. Na realidade, como o site explicou em detalhes, o déficit vem caindo rapidamente, na medida em que a economia se recupera. Mas segundo o Escritório de Orçamento do Congresso, os custos com planos de saúde e juros na dívida começarão a fazer com que o déficit cresça em 2016 e diante.
Isso, no entanto, não satisfez o economista americano Paul Krugman, que escreve para oNew York Times e alertou que o parecer oficial daria munição para cortes de orçamento mal orientados da direita. “Isso deveria ser simples. O PoliFact deveria apenas focar nos fatos, mas aparentemente não consegue fazê-lo”, disse. Para Greg Sargent, do Washington Post, os sites de verificação dos fatos deveriam ter considerado a declaração “plenamente falsa”, com uma advertência de que os déficits poderiam subir de novo. Na opinião de Steve Benen, da MSNBC, a escolha e a composição das palavras importam bastante, porque na base está um argumento sobre o que Cantor quis dizer e como as pessoas vão interpretar o que ele disse. “Ele estava tentando enganar leitores sobre o estado do déficit esse ano ou expressando preocupação – entretanto com soluções mal orientadas – sobre a tendência a longo prazo?”, indagou. Mesmo considerando a verificação de fatos uma “iniciativa condenada”, Kevin Drum, da Mother Jones, reconhece que uma interpretação mais complacente parece adequada diante de outras declarações de Cantor.
Mais contexto
Em 2011, os principais sites de checagem de fatos classificaram uma das maiores mentiras do ano a afirmação democrata sobre o orçamento proposto pelo senador Paul Ryan, considerando encerrar o Medicare, programa de seguro-saúde para pessoas com idade igual ou superior a 65 anos ou pessoas com deficiências específicas. A esquerda pediu mais contexto. Krugman explicou que a natureza essencial do direito a saúde seria perdido se fosse convertido em algum tipo de subsídio para os planos de seguros privados. Jonathan Chait, de Nova York, leu as propostas e indagou se aquilo era mesmo colocar fim ao Medicare.
Para o fundador do PolitiFact, Bill Adair, os sites de verificação de fatos praticam jornalismo de conclusões. Entretanto, os argumentos factuais apresentados por eles refletem valores ou perspectivas particulares. Críticos da direita, assim como os da esquerda, alegam que isso prejudica a suposta neutralidade desses sites.
Em resposta a seleção da “Mentira do Ano” – para os conservadores o Obamacare (medida que torna obrigatória a aquisição, até 2014, de um plano de saúde por todos os americanos, com exceção dos que comprovarem viver abaixo do nível de pobreza) foi a “tomada dos planos de saúde pelo governo” –, a página editorial do Wall Street Journal afirmou que “na realidade os curadores do PolitiFact também têm visões e valores políticos que influenciam seus julgamentos sobre os fatos e sobre quem está certo em qualquer debate”.
Na opinião de Lucas Graves, no entanto, a análise do PolitiFact e do FactCheck sobre a “tomada do governo” não poderia estar mais clara. Eles afirmaram que as novas regras do sistema de saúde dependiam inteiramente – e irão na verdade expandir – o mercado particular de seguros. O Obamacare não tem médicos públicos e os sites de checagem de fatos deram um argumento convincente sobre como as pessoas sensatas interpretariam a frase “tomada do governo” diante do uso linguístico convencional e seu contexto real político e histórico.
O movimento da verificação dos fatos é uma resposta não apenas às alegações políticas grotescas, mas também ao falso equilíbrio e ao jornalismo que coloca citações de maneira não crítica. Um tipo de reportagem que repensa objetividade tem que interpretar evidências e tirar conclusões. Não se pode pedir a repórteres que sejam mais assertivos e analíticos e esperar que suas conclusões estejam sempre de acordo com as nossas.
É possível ser imparcial?
Uma crítica mais sutil é que os que verificam os fatos perdem-se quando vão em “território que não pode ser verificado”. “Um projeto que envolve patrulhar o discurso público inevitavelmente envolverá julgamentos não somente sobre verdade mas sobre quais ataques são justos, que argumentos são sensatos, que linguagem é apropriada”, disse Greg Marx. Mesmo em questões técnicas, o “verdadeiro” e o “falso” rapidamente se confundem. Veja uma simples questão sobre quantos milionários não pagam impostos federais. Para o senador Harry Reid, esse número seria de sete mil em 2011 – o que lhe rendeu dois “pinóquios” do Washington Post (que o site dá para fatos não verdadeiros). Mas há mais de um modo de contar milionários, portanto não há um caminho verdadeiro para classificar a afirmação de verdadeiro ou falso. Esses são tipos de fatos instáveis que os que verificam fatos trabalham o tempo todo. Eles navegam por um mundo de informações no qual há sempre mais de um padrão a escolher e especialistas e fontes de dados inevitavelmente têm alguma parcialidade.
Há alguns fatos que não provocam tanto desacordo e, nesses casos, a questão da legitimidade não ganha tanto destaque. Isso pode acontecer menos frequentemente do que gostaríamos e determinar quais fatos devem ser verificados daria a políticos uma poderosa proteção.
A ficção de uma clara divisão de trabalho entre reportagem, de um lado, e interpretação ou argumento do outro, é um artefato da prática objetiva convencional, que obscurece a toma de decisão do repórter e sua construção de argumento para parecer que “os fatos falam por si só”. “Não dá para ter os dois lados”, conclui Graves.
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