Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mentiras, malditas mentiras e o telégrafo

Os primeiros dias de julho de 1863 foram uma época de excitação sem precedentes para os jornalistas de Richmond. A leste, o exército da Virgínia do Norte invadiu a Pensilvânia e travou uma batalha gigantesca perto da cidade de Gettysburg; a oeste, o longo e penso cerca a Vicksburg finalmente terminara com os exércitos da União e dos Confederados se enfrentando frente a frente.

Pelejando para acompanhar os desenvolvimentos desesperadores, os jornalistas no centro da Confederação utilizaram uma das grandes inovações tecnológicas de seu tempo – o telégrafo elétrico. Porém, ao invés de melhorar a qualidade da informação, a invenção, pelo menos aos olhos dos jornalistas sulistas, na realidade tornou-a pior.

No dia 10 de julho, os editores do jornal The Richmond Enquirer fizeram um balanço de sua experiência com o aparelho:

“Podemos desistir de tentar saber algo sobre o destino e a sorte de nossos exércitos em qualquer lugar onde estejam; e isso, em consequência da invenção infernal do telégrafo elétrico. É uma das piores maldições e pragas que se abateram sobre a raça humana. Cobre-nos de mentiras, enche o próprio ar que respiramos e escurece o sol; faz-nos duvidar de tudo o que lemos porque sabemos que a possibilidade de ser falso é de dez para um; e deixa-nos em dúvida sobre a nossa própria existência. Dizem que traz inteligência muito rapidamente; no entanto, qualquer evento que anuncia é sempre ofuscado por relatórios que nos chegam rapidamente, destruindo um ao outro, e a verdadeira história em geral toma mais tempo para ser comprovada do que antes.”

Impressões pessoais, especulações e boatos

Inventado na década de 1830, o telégrafo é normalmente comemorado como um aparelho revolucionário que aniquilou o espaço e transformou o sentido da política, da economia e dos meios de comunicação. É uma característica da modernidade do século 19 e um presságio de mudanças tecnológicas ainda maiores. O amplo uso da telegrafia em geral é considerado uma das famosas “primeiras” novidades da Guerra Civil, um exemplo de seu caráter moderno. Por que, então, foram tão amargos grandes usuários do telégrafo como os editores do Richmond Enquirer? O que tinha dado errado?

O telégrafo poderia ser um aparelho confiável para transmitir informações em tempos de paz, mas durante a Guerra Civil – e especificamente na região Sul – era mais provável que transmitisse inverdades e semeasse a confusão. Isso tornou-se evidente praticamente quando o conflito começou. A primeira batalha importante da guerra durou menos que um dia e ocorreu a apenas cerca de 150 quilômetros de Richmond. No entanto, as primeiras notícias pelo telégrafo que chegaram de Bull Run relatavam, entre outros boatos, a história inverídica de que Jefferson Davis comandara pessoalmente o exército confederado.

À medida que as batalhas cresciam em extensão e complexidade, tornou-se ainda mais difícil comprovar que lado fora o vencedor, que território fora conquistado e quantos homens haviam sido mortos, feridos ou presos. Os repórteres que corriam para o telégrafo assim que paravam os tiros (e às vezes antes) muitas vezes recorriam a expedientes como o envio de impressões pessoais, especulações e boatos.

“As notícias pelo telégrafo tornam-se cada vez piores”

Chegando à capital como “relatórios do campo de batalha”, esses relatos inventados tinham uma aura de autenticidade que estimulava jornalistas e leitores a tomá-los ao pé da letra. Quando uma narrativa autorizada finalmente chegava à capital, alguns dias mais tarde, fazia as matérias anteriores parecerem ridículas e deixava constrangidos os jornalistas que as haviam publicado. Na realidade caótica e às vezes incompreensível dos tempos de guerra, a rapidez muitas vezes atropelava a exatidão – e muitas vezes a própria verdade.

Portanto, no verão de 1863, os jornalistas já estavam bem conscientes da natureza leviana do telégrafo. Porém, com duas campanhas militares fundamentais em curso, tinham poucas opções senão voltar-se para o telégrafo para atualizações sobre os avanços e recuos dos exércitos.

Os acontecimentos no Mississippi representaram um desafio particularmente temível. A cidade de Vicksburg era uma praça-forte estratégica no rio Mississippi que ambos os lados estavam decididos a controlar. A campanha da União para tomar Vicksburg, liderada pelo general Ulysses S. Grant, deixou o público estupefato e levou os jornalistas a um frenesi. No entanto, a distância de 1.600 quilômetros entre o Mississippi e a Virgínia e a situação precária da rede telegráfica após dois anos de guerra e de instabilidade da situação militar combinaram-se para impedir que qualquer informação virtualmente confiável chegasse à capital.

No dia 5 de junho, os editores do Richmond Enquirer tentaram fazer algum sentido de dois despachos telegráficos contraditórios que chegaram quase simultaneamente da cidade sitiada no rio Mississippi. “As notícias pelo telégrafo tornam-se cada vez piores, mais turvas e ininteligíveis”, explicaram. “Desse jeito, não podemos deduzir coisa alguma de tudo isso exceto que até anteontem Vicksburg não havia sido tomada.”

“Não temos informação positiva alguma”

Dois dias depois, The Richmond Enquirer parecia ainda mais desesperado:

“As mensagens do Sudeste em relação à situação em Vicksburg têm sido, há muitos dias, da natureza mais vaga e mais confusa. Em especial a última manhã de sábado, incrível em alguns aspectos e incompreensível em outros. O assunto é de tamanho interesse que fomos levados a procurar explicação para nossas mensagens nos despachos mentirosos do inimigo. Os próprios comentários de nosso editorial sobre o assunto baseiam-se, muitas vezes, em confissões do inimigo sobre a situação em Mississippi Gibraltar, sobre a qual os telegramas turvos de Jackson, Mobile etc. são tão turvos quanto o próprio Mississippi.”

Quando Vicksburg finalmente caiu, o desespero dos confederados foi acompanhado pela frustração e raiva com as reportagens enganosas que levaram o público a acreditar que a cidade jamais se renderia. Sob o título “O telégrafo mente”, os editores do jornal The Dispatch exclamaram que “as matérias inverídicas e extravagantes que foram recentemente transmitidas pelo telégrafo provocam uma ampla reclamação. A paciência da imprensa e do público passou dos limites com elas. Recebemos do sudeste, mensagem após mensagem que se não era incrível por si só, entrava em contradição com as informações subsequentes”.

A Pensilvânia ficava mais perto que o Mississippi, mas os relatos da campanha de Gettysburg traziam confusão e perplexidade semelhantes. Seis dias após a batalha, os editores do Inquirer ainda não tinham certeza sobre qual lado vencera. “A informação de uma luta em Gettysburg no domingo passado, durante a qual capturamos grande número de prisioneiros, foi confirmada”, era tudo o que podiam dizer no dia 10 de julho. Passaram-se mais dois dias, mas a 12 de julho o Richmond Enquirer ainda confiava em relatos ambíguos. “Sabemos que a batalha começou na quarta-feira de manhã e durou vários dias, com a perda de 12 mil vidas do nosso lado e mais do que o dobro disso do lado do inimigo, mas quando e como terminou a luta, e quais foram os movimentos seguintes dos exércitos rivais, não temos informação positiva alguma.” Os editores do jornal The Dispatch estavam quase convencidos de que batalha terminara com uma grande vitória dos confederados, mas reconheceram que os correspondentes do telégrafo com quem trabalhavam muitas vezes tinham que depender “dos depoimentos de pessoas da linha de ação que muitas vezes são mal informadas, e às vezes apenas na base de boatos”.

Os antepassados dos modernos consumidores de notícias

Números eram um assunto particularmente delicado. As primeiras mensagens por telégrafo que chegaram a Richmond de Gettysburg diziam que o vitorioso general Robert E. Lee fizera 40 mil prisioneiros ianques. No entanto, àquela altura os editores do Richmond Enquirer já não eram bobos. “40 mil é uma frase em linguagem telegráfica que equivale ao X em álgebra. Significa que o repórter não sabe o número.” Os editores do Richmond Dispatch manifestaram igual medida de saudável ceticismo em relação ao aparecimento do número mágico de 40 mil nas mensagens telegráficas: “Fomos informados de Martinsburg que o general Lee, numa manobra astuciosa, capturou quarenta mil soldados inimigos e eles recusaram a liberdade condicional. O número de prisioneiros foi, finalmente, reduzido para quatro mil e algumas pessoas caridosamente imaginaram que tivesse ocorrido um erro ao transcrever o número.”

No entanto, apesar de toda a retórica das críticas veementes do verão de 1863, os jornalistas de Richmond não resistiram à tentação das notícias instantâneas. Continuaram usando as reportagens que chegavam pelo telégrafo e, em outubro de 1864, tentaram novamente criar uma associação para reportagens por telégrafo que iria melhorar a qualidade da informação que chegava à capital. A essa altura, tanto a Confederação quanto a rede telegráfica estavam desmoronando. Mas o desejo urgente de se manter a par dos acontecimentos e a promessa intrínseca nas telecomunicações convenceu-os repetidamente a tentar aproveitar o poder da eletricidade para coletar notícias.

O telégrafo poderia ter traído seus usuários de maneira consistente, facilitando informações fictícias, ao invés de fatos, mas uma informação incorreta era melhor do que nenhuma informação. Enfrentando as tortuosas incertezas dos tempos de guerra, os jornalistas e seus leitores estavam dispostos a se acomodar com boatos, especulações e equívocos, uma vez que não se conformavam em viver no escuro. Nesse sentido, eles foram, sim, os antepassados dos modernos consumidores de notícias, como nós.

Fontes: Richmond Enquirer, 10 de julho de 1863; Richmond Enquirer, 5 de junho de 1863; Richmond Dispatch, 8 de julho de 1863;, 11 de julho de 1863; Richmond Examiner, 12 de julho de 1863; Richmond Examiner, 8 de julho de 1863; Richmond Dispatch, 10 de julho de 1863; Richmond Enquirer, 7 de outubro de 1864; Gary W. Gallagher, editor, “The Third Day at Gettysburg and Beyond”; George C. Rable, “News From Fredericksburg”; J. Cutler Andrews, “The South Reports the Civil War”; Menahem Blondheim, “News over the Wires: The Telegraph and the Flow of Public Information in America, 1844–1897”.

******

Yael A. é professor de História na Universidade de Tel Aviv e autor de Routes of War: The World of Movement in the Confederate South