Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O fim do jornalismo por ele mesmo

A entrevista ao programa Roda Viva (TV Cultura) dada pelos integrantes do grupo de mídia alternativa Narrativas Independentes Jornalismo e Ação (Ninja), responsáveis pela transmissão das manifestações ao vivo via streaming, recolocou o jornalismo no centro do debate sobre o papel da imprensa na sociedade brasileira.

O papel da imprensa me parece claro. Foi, é e será sempre construir uma narrativa que conte a outras pessoas o que está acontecendo em determinado momento e local. No entanto, isso não é um exercício teórico privativo a uma categoria profissional, pois a humanidade é repleta de contadores de histórias. Leia-se nas entrelinhas que sou contra a obrigatoriedade do diploma, mas isso não vem ao caso.

A experimentada bancada de figurões da imprensa nacional me pareceu anacrônica na defesa do mantra em torno do binômio objetividade/imparcialidade, tendo esquecido uma das “regras de ouro” do jornalismo que adora arrotar aos focas nas grandes redações: “Se não entendeu, pergunta”. Ora, quando ouviram falar em P2P (compartilhamento de dados), onde o computador de um torna-se o servidor para outro, formando a rede vastamente estudada pelo intelectual Manuel Castells, entrevistado em 1999 pelo mesmo programa, muita gente não entendeu o que ouviu e além de não ter perguntado, ao que parece grande parte sequer havia feito a lição de casa, qual seja: pesquisar antes de seguir para a entrevista, outra das “regras de ouro” flagrantemente esquecida, mas vastamente alardeada não só nas salas de aula dos cursos de jornalismo, como nas redações dos jornalões onde muitos deles pairaram vaidosos durante tanto tempo. “Em casa de ferreiro, espeto é de pau.”

Noticiário sem diversidade

Justiça seja feita, o protagonismo dessa molecada destemida nem é tão inédito assim, que o diga o Barão de Itararé com O Malho e a turma toda do Pasquim, mas o que me espanta é a crença de alguns que a internet tenha enterrado o jornalismo diante do cenário até aqui exposto.

Ora, o jornalismo se deixou enterrar por uma contínua política de RH das grandes empresas de comunicação que dizimou as principais redações do país, a inação de grande parte dos profissionais insensíveis aos problemas enfrentados pelo colega da baia ao lado, tornando nossa profissão uma das menos solidárias que conheço, para não falar de um movimento sindical inexpressivo e que, se bem me lembro, em meados da década de 90 sequer era capaz de cobrar em dia a anuidade – imagine cuidar dos interesses dessa gente tão complexa que somos nós.

O permanente enxugamento no número de profissionais dentro das redações acabou resultando no desaparecimento do repórter da rua, que passou a viver de telefone e de ressuscitar o gillette press em sua versão digital, “recorta e cola aqui e acolá”, fenômeno acelerado por uma política de concentração absurda das concessões públicas nas mãos dos poderosos e seus asseclas que como o menino rico e mimado, o dono da bola, foi acabando com a possibilidade de qualquer diversidade no noticiário.

Paradoxo insolúvel

O pequeno grupo de colegas que se manteve nas redações foi alçado aos píncaros dos cargos de chefia, às antessalas dos donos das empresas e, gradativamente, a reportagem, sem a qual não há absolutamente nenhuma possibilidade de se fazer jornalismo, foi sendo deixada de lado. É claro que há exceções como a brilhante repórter Eliane Brum, da revista Época, o Gerson Camarotti, que há tempos tem dado furos fantásticos e a entrevista com o papa foi a cereja do bolo numa bela carreira, em cujos nomes homenageio os demais colegas, um ou outro abnegado que num país tão grande e com tamanha adversidade ainda se mantém firme na tentativa de exercer seu ofício com dignidade junto ao povo, matéria-prima essencial para qualquer boa história, seja ela contada por um jornalista ou não.

Foi assim, até o belo dia no qual os colegas que conseguiram sobreviver aos inúmeros cortes começaram a ser hostilizados em meio às manifestações, pois eram estranhos não só a ela, mas a uma juventude negligenciada pelos pais que, assim como nós, jornalistas, trabalham em jornadas intermináveis e quando chegam a casa, depois de serem expostos a todo tipo de assédio moral, querem finalmente descansar.

Chamem do que quiserem os dias de hoje, Modernidade Tardia, Pós Modernidade ou Modernidade Líquida, tal como preconiza Zygmunt Bauman, o fato é esse negócio chegou à periferia do mundo, que ainda continua sendo nós, apesar da propaganda oficial, e traz como marco desse momento o povo na rua. Qual a cara desse povo? Resposta: Capilé.

Há um paradoxo insolúvel no período em curso. Segundo o mesmo Bauman, queremos segurança e liberdade. Quanto mais avançamos em um ponto, automaticamente recuamos no outro. Jornalista ou não, alguém vai contar essa história. Para o bem da nossa profissão, sugiro que retomemos imediatamente o debate e voltemos ao diálogo entre nós, com os Capilés e com o povo que há tempos deixamos de ouvir.

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Tiago de Paula Oliveira é jornalista e professor universitário