Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Plínio Bortolotti

‘Raramente leio blogs (colunas eletrônicas na internet), acompanho o que de mais importante eles publicam por meio das seções de crítica à mídia nos jornais impressos ou em portais especializados na própria rede mundial de computadores. Foi por meio de leitores que tomei conhecimento do texto ‘A irrelevância da mídia’, publicada no blog do jornalista Josias de Souza (http://josiasdesouza.folha.blog.uol.com.br/), no dia 19/8. Não pensava em comentá-lo, mas alguns leitores imprimiram um tom de saudável provocação aos comentários que mandaram, como se o texto confirmasse suas suspeitas: a mídia, tão ciosa de seu poder, está vendo o chão fugir-lhe aos pés, pois o público não mais atende aos seus chamados.


O texto de Josias seria o reconhecimento dessa derrocada por um jornalista de destaque, ao escrever logo no início de seu artigo: ‘O público, porém, emite sinais de que considera o conteúdo dos jornais cada vez mais irrelevante’, e segue lembrando alguns episódios políticos nos quais o papel dos meios de comunicação teria sido decisivo no desfecho que tiveram: resistência ao governo militar, campanha das diretas já e o impeachment do presidente Collor de Melo.


Irrelevância


Então, vem a parte que mostraria a ‘irrelevância’ da mídia: ‘Graças à exposição negativa (na imprensa), FHC é hoje um dos ex-presidentes mais impopulares. Tão impopular que o PSDB cuida de escondê-lo na campanha. Escalando essa aversão, Lula chegou à presidência em 2002. E com ele veio a má notícia para a imprensa: o brasileiro deu as costas para o noticiário, eis a novidade. Poucos governos mereceram da mídia exposição tão negativa quanto a administração petista. As perversões atribuídas ao PT e a Lula foram alardeadas à saciedade. A despeito disso, o eleitorado atribui ao presidente um volume de intenções de voto que, por ora, humilha os concorrentes. Humilha também a mídia. Poder-se-ia argumentar que o eleitor pobre de Lula não lê jornal. Bobagem. A crise ética ganhou também os meios de comunicação eletrônicos. E não há casebre brasileiro que não disponha de um aparelho de rádio ou de televisão.’


Mas é justamente no ponto que Josias encontra motivos para se lamentar, que deveríamos ver algo positivo. Quem somos nós – imprensa e jornalistas – para nos rebelarmos quando o leitor (e o espectador) lê, vê e ouve aquilo que lhe oferecemos pelos jornais e TVs e resolve tomar a sua própria decisão? Vejam, não se trata de dizer que é certo FHC ser impopular por imposição dos jornais, ou que seja motivo de regozijo o crescimento de Lula nas pesquisas, apesar da mídia. Não está em julgamento o que pensa o público, mas se queremos uma imprensa para nivelar consciências ou se pugnamos por meios de comunicação que informem corretamente, dando elementos – incluindo diversidade de opinião ¬- para o leitor formular seu próprio juízo, de acordo com o seu discernimento. Feito isso, teríamos de estar preparados para aceitar esse juízo, fosse ele concordante ou discordante do julgamento formulado pelos jornais e pelos chamados ‘formadores de opinião’. Alguns colunistas estão perplexos pelo fato de suas palavras não se disseminarem como fogo em palheiro. Isso seria um bom motivo para levá-los a refletir se a ‘irrelevância’ e a ‘humilhação’ está para a mídia como instituição ou para alguns opinionistas profissionais.


Opinião pública?


No artigo ‘Os sinais aparentes de uma contradição’, no Observatório da Imprensa (http://www.teste.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=396IMQ001) escrevendo sobre assunto correlato, o professor Muniz Sodré reproduz trecho de um texto do sociólogo francês Patrik Champagne: ‘O que existe não é a `opinião pública´ ou mesmo `a opinião avaliada pelas sondagens de opinião´, mas, de fato, um novo espaço social dominado por um certo número de agentes – profissionais das sondagens, cientistas políticos, conselheiros em comunicação e marketing político, jornalistas, etc. – que utilizam tecnologias modernas como a pesquisa por sondagem, computadores, rádio, televisão, etc.; é através destas que dão existência política autônoma a uma `opinião pública´ fabricada por eles próprios, limitando-se a analisá-la e manipulá-la e, em conseqüência, transformando profundamente a atividade política tal como é apresentada na televisão e pode ser vivida pelos próprios políticos’.


Direito do leitor


Discordo que a mídia possa ser tachada de ‘irrelevante’ pelos motivos aventados pelo jornalista Josias de Souza. A perda de seu suposto papel de ‘comandante das massas’ é o menor de seus problemas – ou melhor, isso não é, definitivamente, um problema. As informações que uma pessoa usa para fazer a sua avaliação de mundo não se resumem às notícias de jornal ou da televisão. O seu círculo de amizades, a sua vizinhança, o seu trabalho, a sua experiência concreta contam muito: não adianta tentar convencer um sujeito que a vida dele vai mal se ele melhorou de vida; torna-se sem importância a declaração de um governador ou o apoio de um colunista dizendo que a segurança pública funciona, se o camarada tem medo de sair ao portão de sua casa. Sou avesso à tese que distingue os meios de comunicação com o poder absoluto de moldar corações e mentes das pessoas, determinando-lhes seus pensamentos e seu modo de agir. A mídia pode muito, mas não pode tudo.


Obviamente, o jornalista não deve abdicar de seu papel de fiscalizador do poder; de remar contra a corrente sem temor quando isso for necessário: sem espírito crítico não há jornalismo. A obrigação do jornalista e dos jornais é oferecer ao público informação veraz e diversidade de opinião. O uso que os leitores farão desse bem, não nos cabe determinar. Agindo assim, a mídia nunca será irrelevante.’