Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornalismo na era do release

No início, o jornalismo investigava todas as versões de qualquer informação. O jornalista consultava várias fontes para elaborar uma única notícia. Seu inimigo número um era o assessor de imprensa. Até que um dia surgiu o release. Aí o jornalista passou a receber matérias prontinhas, com foto, legenda, lead correto, títulos interessantes, linha fina e até no padrão pirâmide invertida. A partir de então, o jornalismo deixou de investigar a informação, aceitou uma versão só dos fatos e ainda sempre favorável ao envolvido. Conheceu a fonte oficial, esqueceu as outras e desde então idolatra o assessor de imprensa e vive cômodo para sempre.

Brincadeiras à parte, um dos maiores desafios do jornalismo hoje é reencontrar suas origens pós-release. Segundo José Marques de Melo, o press-release no Brasil surgiu por volta dos anos 60, como alternativa para o diálogo direto com jornalistas, devido à política quase em recessão, que deixou os governantes receosos. Discorro aqui sobre os releases governamentais porque são os mais utilizados pelos jornais, por duas razões: interessam ao público e são pagos.

Assim, jornais e governos uniram o útil ao agradável. O press-release foi a melhor forma dos órgãos públicos divulgarem seus feitos, ao mesmo tempo em que os jornais receberiam uma verba para publicação desses atos oficiais. Logo, as assessorias perceberam que se enviassem textos nos padrões jornalísticos, a probabilidade de serem publicados era maior. Mais que isso, poderiam ser divulgados exatamente como enviados, ou seja, do ponto de vista de seus autores.

Notícia propagandística

Desde então, as assessorias de imprensa governamentais passaram a se especializar na estrutura jornalística, contratando profissionais de comunicação para elaborarem releases no mesmo formato das matérias escritas pelos jornalistas. Assim, aos poucos, o release foi se transformando de uma simples sugestão de pauta para uma matéria pronta e muito bem feita. E já que era elaborado nos mesmos moldes das redações, os editores e jornalistas começaram a publicá-las na íntegra, afinal, tinham teor informativo.

Entretanto os jornalistas demoraram a se dar conta de que estavam sendo adestrados, pois receber frequentemente a notícia pronta os distanciava das fontes e ludibriava seus instintos investigativos. Todavia com o passar dos anos, os proprietários dos impressos estavam satisfeitos com o ganho da verba pública e notaram que não precisavam de tanta mão de obra. Resultado: alguns profissionais foram para a rua. Ora por vontade própria (discordando da prática). Ora por contenção de gastos. Enquanto outros aderiram pacificamente para evitar a fadiga.

Agora, com as assessorias mal-acostumadas, o problema persiste. Os jornais, mesmo mais experientes, continuam publicando releases na íntegra, mas sem informar devidamente seus leitores a respeito dessa prática. No fim, o leitor compra a informação a preço de isenta quando, na verdade, leva notícia propagandística. Hoje, talvez essa realidade seja mais óbvia em jornais menores e impressos do interior, porém continua sendo prejudicial ao jornalismo.

“O leitor não pode ser prejudicado”

Os jornalistas precisam estar atentos para o quanto esses releases governamentais contribuem para um jornalismo informativo, mas não esclarecedor. Essas notícias apenas transmitem informações otimistas, das quais jornais e jornalistas se isentam da responsabilidade por erros ou incongruências, pelo simples motivo de estarem assinadas por terceiros. Apesar de ser evidente que o veículo é totalmente responsável pelo que divulga e que jornalismo é constituído por apuração excessiva e isenção.

Portanto fujamos das práticas tradicionais e tenhamos consciência do conteúdo noticioso transmitido ao leitor. Das duas uma: ou informamos claramente a eles que determinada notícia é propaganda ou aceitemos os releases de bom grado, mas apenas como sugestão e não imposição de pauta – lembrando aos assessores que os dados serão investigados por contra própria. Afinal, como diria Alberto Dines, “o leitor é a meta prioritária e absoluta do processo jornalístico, não pode ser prejudicado”.

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Andreza Galiego é estudante de Jornalismo