Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Cinco questões sobre o jornalismo-drone

Eles podem representar uma ameaça à propriedade privada. Podem investir contra a privacidade de pessoas e empresas. Mas podem também oferecer uma alternativa segura para captar informações, observar e investigar. Veículos aéreos não tripulados, esses pequenos aviões-robôs vêm se mostrando uma possibilidade tecnológica para o jornalismo na medida em que permitem tirar fotos ou fazer vídeos de situações perigosas ou delicadas a uma distância segura. Foi assim com recentes manifestações populares no Rio de Janeiro e São Paulo, quando empresas jornalísticas como a Folha de S.Paulo e a TV Globo fizeram uso dessas máquinas. Em outras partes do mundo, eles têm sido cada vez mais usados por organizações jornalísticas, como a CNN e a BBC, por exemplo.

Criados para fins militares, os drones fazem parte das novas estratégias globais de defesa de fronteiras, na perseguição de criminosos e no avistamento de inimigos. Numa visão simplista, os drones se parecem muito com aeromodelos, mas muito mais sofisticados e potentes. Voam a longas distâncias e podem atingir grandes altitudes. Muito discretos e silenciosos, são muito acessíveis e com menos de trezentos dólares pode se comprar um, e pela internet.

Com todos esses predicados, a “novidade” tem chamado a atenção de muita gente. Empresas jornalísticas veem nos drones a possibilidade de ampliar seu raio de cobertura, e até mesmo universidades têm voltado sua atenção para o assunto. Em novembro de 2011, a Universidade de Nebraska-Lincoln instalou um laboratório de jornalismo-drone para intensificar suas pesquisas sobre inovação e jornalismo digital. A Escola de Jornalismo da Universidade de Missouri criou, em parceria com a rádio pública dos Estados Unidos (NPR), um programa específico de pesquisa e treinamento de jornalismo-drone.

Já existe até mesmo uma Sociedade de Jornalistas Profissionais-Drone, e esses profissionais têm se preocupado em estabelecer cuidados para uma conduta segura da nova tecnologia. Isto é, orientam os colegas a levar em consideração critérios de noticiabilidade, segurança, atendimento às leis de aviação civil e o uso de drones em espaços públicos, privacidade alheia e aspectos da ética tradicional dos jornalistas.

Apesar disso, ainda há mais dúvidas que certezas sobre esse recurso, e quero arriscar aqui cinco questionamentos que considero primordiais. Não esgotamos o assunto com essas indagações; pelo contrário, apenas nos motivamos a pensar mais e mais sobre ele…

1. Quando drones podem substituir repórteres?

Se esses veículos foram inventados com objetivos militares, tendo em vista sua aplicação em espionagem internacional e aniquilação de alvos indesejáveis, certamente havia uma ideia por trás dessa invenção: não arriscar vidas em missões perigosas. O jornalismo deve se guiar pelo mesmo parâmetro? Se for assim, as redações devem recorrer aos drones apenas em situações-limite, quando não podem enviar seus profissionais para a coleta de dados, para a apuração…

2. Os drones substituem os sentidos do repórter em campo?

Considerando que as redações saberão tomar a melhor decisão sobre o uso de um veículo aéreo não tripulado em coberturas, é possível confiar plenamente nessa tecnologia, a ponto de tomá-la como substituta da visão, audição, percepção e consciência humanas? Em outras palavras, o material colhido pelo drone permite um sentimento equivalente ao que o repórter captura no local, tal qual uma testemunha do fato? Talvez a tecnologia esteja distanciando mais ainda as redações do que acontece nas ruas…

3. Como fica a privacidade das pessoas com o jornalismo-drone?

Imagine que um drone invada o espaço aéreo de uma propriedade privada e capture imagens de alguém sem sua autorização, permissão ou conhecimento. O que pode impedir, por exemplo, que uma revista de fofocas lance mão de um veículo como esse para espiar uma celebridade nua à beira de sua piscina, pretensamente resguardada e em privacidade? Além da violação legal, há ainda controversos aspectos éticos envolvidos no uso dessa tecnologia, e tão importante quanto localizar os dilemas será também fixar regras que orientem as condutas dos sujeitos envolvidos na cobertura.

4. Com o jornalismo-drone, qual a diferença entre espionar e fazer jornalismo?

Essa questão é uma velha companheira dos repórteres investigativos que, volta e meia, se veem na iminência de ultrapassar a fronteira de suas funções. Transgredir a lei é uma boa justificativa para obter um furo de reportagem ou mesmo conseguir uma informação de interesse público? O que vai definir espionagem e investigação jornalística profunda? Juristas precisarão nos ajudar…

5. Como convencer cidadãos comuns a nutrir preocupações éticas análogas ao jornalismo no uso de seus drones?

Se as próprias organizações jornalísticas ainda estão buscando uniformizar seus procedimentos, não se pode querer exigir compromissos maiores de amadores. Drones são máquinas relativamente baratas e podem ser usadas – e já o são – em atividades cotidianas como a observação de um perímetro ou ainda de forma recreativa. O uso pode aumentar rapidamente, provocando o surgimento de regramentos jurídicos e debates acalorados sobre a privacidade e os limites do uso social desses veículos.

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Rogério Christofoletti é jornalista, professor na Universidade Federal de Santa Catarina e pesquisador do objETHOS