Com praticamente um ano e meio de vida, o Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), alvo das maiores expectativas e principal legitimador do caráter público da empresa, enfrenta sérias dificuldades para cumprir sua missão em meio aos desafios colocados para a recém-criada corporação pública. Enquanto para conselheiros o principal problema até agora tem sido a falta de organização, especialmente na manutenção da regularidade de suas reuniões, para entidades da sociedade civil o órgão não conseguiu cumprir seu papel de ser um instrumento da população de controle social da EBC e de suas emissoras.
O Conselho Curador é alvo de polêmicas desde antes de sua instalação. Ao mesmo tempo em que era apontado como o grande trunfo para impedir as ingerências governamentais, em especial na TV Brasil, o órgão foi um dos pontos mais controversos na discussão da Medida Provisória que criou a EBC (MP 398/2007). Críticos questionaram a prerrogativa do presidente da República de indicar, para além da direção da empresa, todos os membros da instância.
Na versão final da MP, que veio a ser aprovada na forma da Lei 11.652 de 2008, a mão visível do Executivo Federal confirmou-se, sendo mantida a responsabilidade do presidente de indicar 19 dos 22 integrantes do órgão. Apenas as duas cadeiras de representantes do Congresso Nacional e a reservada a um representante dos trabalhadores da empresa ganharam a liberdade de serem preenchidas pelas respectivas instituições, o primeiro caso, ou por seus pares, no segundo.
Com esta composição, foi empossada, no dia 14 de dezembro de 2007, a primeira gestão do Conselho Curador. A opção do governo federal foi formar a instância com personalidades, e não com representantes de segmentos da sociedade. Entre os escolhidos constaram nomes como o economista Luiz Gonzaga Beluzzo, eleito presidente, o jurista José Paulo Cavalcanti Filho, a militante feminista Maria da Penha, o ex-governador de São Paulo Cláudio Lembo, o economista Delfim Neto e o rapper MV Bill, entre outros.
Passados 15 meses, a avaliação dos conselheiros quanto à atuação do órgão é bem variada. No entanto, a grande maioria dos membros entrevistados pelo Observatório do Direito à Comunicação admite que houve problemas na operacionalização das atividades do órgão e que ainda há muito o que se ajustar para que o trabalho aconteça de forma mais qualificada e efetiva.
Dificuldade de agenda
Para o presidente do Conselho, Luiz Gonzaga Belluzzo, os principais problemas da atual gestão foram a saída de integrantes e a dificuldade de manter uma freqüência nas reuniões. Apesar disso, Beluzzo considera que ela conseguiu cumprir o seu objetivo de ‘preservar a autonomia do projeto jornalístico e das demais programações da empresa. Garantir o caráter público e a independência e garantir também que os funcionários tenham liberdade para desempenhar o seu trabalho, e não entrar em questões relacionadas à administração da empresa ou ficar administrando os problemas das pessoas que misturam questões pessoais com problemas da empresa’.
Belluzzo acredita que o principal motivo para a inconstância nas reuniões é a dificuldade de conseguir casar as agendas de todos os membros. O presidente relata que houve um esforço para marcar encontros durante os meses de janeiro e fevereiro deste ano, mas não houve êxito em razão das férias. ‘Existem pessoas de diferentes lugares e que têm também diferentes agendas e compromissos, isso é uma dificuldade. Mas temos também outro problema, há pessoas que não podem arcar com os custos. Por mais que se tenha passagem, existem outros custos envolvidos. Essa é uma questão que vou levar para próxima reunião, por exemplo’, afirma.
Na avaliação da presidente da EBC, Tereza Cruvinel, a direção da empresa também tem tido dificuldades para garantir estrutura e condições adequadas para as reuniões e para as demais atividades dos conselheiros. ‘Ainda não conseguimos garantir uma estrutura para que o Conselho tenha condições de desenvolver seus trabalhos. Ainda não há uma equipe à disposição ou uma sala para que o órgão possa realizar suas reuniões’, admite.
O conselheiro José Paulo Cavalcanti Filho tem avaliação diferenciada sobre o desempenho da atual gestão. Ele lamenta que o órgão não tenha conseguido produzir o debate sobre as questões centrais de uma experiência como a TV Brasil. Contudo, acredita que não poderia ser diferente, e haverá sempre a chance de, com o tempo, entrar nos eixos. ‘Como otimismo é um dado do temperamento, e não da razão, assim me confesso’, diz o jurista.
O problema do método de indicação
Já o conselheiro recém-empossado Lourival Macedo, representante dos trabalhadores da EBC, acredita que os problemas relacionados à dificuldade de reunir os membros se dão também por conta destes não estarem diretamente ligados às questões da empresa e por não terem tempo para a dedicação que a instância precisa. Segundo Macedo, isso é reflexo também da forma como são indicados os representantes. ‘A forma de escolha, como aconteceu, não atende aos interesses das emissoras públicas. Não desmerecendo as pessoas indicadas, mas a forma deve ser outra, porque os interesses também são outros. Os segmentos devem escolher seus próprios representantes’, defende.
O modelo de indicação é considerado equivocado até mesmo por Luiz Gonzaga Belluzzo. Para o economista, a forma de composição do órgão deve ser repensada. ‘Quem tem legitimidade para indicar os conselheiros? Acho que é a soberania popular que tem que mandar nesse espaço. Eleger via Congresso? Não acho que seja a solução. Eles já têm a sua representação. Nenhuma autoridade privada tem legitimidade para indicar a composição de um conselho como esse. Acho que o presidente deve fazer indicações, mas não deve ser deixada exclusivamente para ele a prerrogativa de indicação completa do Conselho’, avalia.
Bia Barbosa, do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, defende que o processo de definição dos próximos membros, cuja elaboração deve ser feita pela gestão atual, seja de fato participativo e representativo das vontades da população brasileira. ‘O Brasil já desenvolveu diversos mecanismos de participação popular na esfera pública que deveriam ser colocados em prática na formação e funcionamento do Conselho da EBC. Não há justificativas para que até hoje eles não tenham sido adotados’, destaca.
‘Por enquanto, temos uma ouvidoria e um ombudsman, mas há inúmeros espaços de diálogo que poderiam ser criados, como consultas e audiências públicas, conselhos de programação, pesquisas de opinião, etc. Há algum tempo a direção da EBC anunciou a realização de um seminário nacional justamente para discutir essas questões. Está na hora deste evento se tornar realidade’, acrescenta.
Uma solução aventada pelo presidente Luiz Gonzaga Belluzzo é a escolha dos membros por meio de eleições diretas. ‘Isso poderia acontecer junto às eleições presidenciais, por exemplo. O eleitor teria que fazer mais uma escolha, mas acho que é válido. Acho que o governo também deve indicar alguns nomes, porque dessa forma você não subtrai dos eleitos o direito de indicação, pois eles foram eleitos pelo voto popular. Um consulta pública para composição do Conselho caberia sim’, propõe.
Vínculo frágil com a sociedade
A reforma no método de indicação seria uma maneira de aproximar o Conselho Curador da sociedade, missão que vem sendo pouco ou nada cumprida até o presente momento. Segundo o representante dos funcionários da EBC, Lourival Macedo, ‘as coisas estão acontecendo ainda que meio no tropeço. Mas vai acontecer no próximo dia 16 de junho uma audiência pública para a gente saber o que o queremos com esta empresa pública’, informa. Belluzzo confirma a realização da audiência e diz que este tipo de consulta deve acontecer de forma mais periódica, mas não sabe ainda se em diferentes estados ou só em Brasília, devido à própria dificuldade de reunião do Conselho.
Para criar um vínculo orgânico com a sociedade, Lourival Macedo afirma ser fundamental dar maior transparência ao que vem sendo discutido no interior da instância. ‘A luta maior é para que haja mais transparência, que se debata não só a TV Brasil, mas também as rádios e a agência de notícias. As reuniões são fechadas e nós acreditamos que devam ser públicas.’
O coordenador do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Celso Schroder, partilha da mesma visão. ‘ Não foi feito o diálogo com a sociedade. É possível e desejável que se faça mais. O Conselho deve se apropriar do debate e se tronar um elo entre os debates e as demandas que a sociedade formata e formula sobre a televisão pública.É possível que se faça mais e esse diálogo pode ser feito através de seminários, através de uma série de mecanismos que o conselho tem a sua disposição’, sugere.
Na avaliação de Bia Barbosa, a gestão do atual conselho foi débil, pois não conseguiu cumprir com o seu principal papel: representar a sociedade civil na gestão da EBC. ‘O Conselho seguiu sem criar quaisquer canais de diálogo com a sociedade civil. Suas reuniões são fechadas, as atas não são tornadas públicas, enfim, a população seguiu sem ser convidada a opinar sobre a televisão pública que queria – e quer – para o país’, lamenta. [Colaborou Henrique Costa]
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Do Observatório do Direito à Comunicação