Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Crise dos jornais chega à Alemanha

Quase dez anos depois dos Estados Unidos, a crise dos jornais chegou à Alemanha, varrendo o país, com a circulação e as receitas despencando. A mídia jornalística alemã terá que se reinventar para manter seus leitores. Há 30 anos, os editores do diário Abendzeitung, de Munique, produziam um jornal para 300 mil compradores. Hoje, a circulação caiu para 107.634 exemplares. Uma das três mesas na grande redação anexa a seu escritório agora está desocupada, e quando o editor-chefe Arno Makowsky usa uma caneta esferográfica para desenhar uma brusca curva ascendente para o ano que vem no gráfico à sua frente, ele só pode rir.

Makowsky sabe que aquela curva não irá mais subir, assim como o sabem os principais editores de outros jornais alemães, como o Berliner Morgenpost, oTagesspiegel, o Berliner Zeitung, oHamburger Abendblatt e o Hamburger Morgenpost. A única coisa que ainda podem fazer é desacelerar a queda. Em Berlim, Hamburgo e Munique, os jornais locais perderam cerca de 30% de seus leitores durante a última década e o índice de leitura caiu ainda mais rápido.

O fato da Axel Springer ter anunciado este mês a venda do Hamburger Abendblatt – o primeiro jornal fundado pela editora – e estar abandonando, em grande parte, o mercado de jornais regionais chocou editores e cidadãos comuns. Na verdade, todos os jornalistas dos jornais impressos sentiram como se alguém – no caso, a editora mais poderosa do país – tivesse batido uma porta com força. O anúncio da morte está começando a ser ouvido, baixinho, justamente atrás daquela porta.

Makowsky, de 52 anos, sabe que a fidelidade dos leitores de que dependeram os jornais alemães está desaparecendo. A internet, os custos e a morte são fatores que trabalham contra os jornais. Muitos jornais veem sua circulação caindo simplesmente porque seus leitores estão morrendo. Muitos leitores acham que os jornais são muito caros e voltam-se para a internet como sua fonte de informação mais importante. Os anunciantes também estão gastando menos com os jornais impressos, que durante muito tempo foram a matéria-prima das campanhas de publicidade.

Na última década, o jornal diário perdeu grande parte de seu papel como formador de opinião pública. Saber o tipo de notícia que penetra na consciência pública e que tipo de notícia é considerada escandalosa e que vale a pena debater é, hoje em dia, consequência de uma rápida olhadela em revistas, websites e TV, assim como redes sociais como o Facebook e agregadores como o Google.

O pequeno jornal regional ainda detém um monopólio de informação. O jornal diário nacional pode se destacar com grandes furos. Jornais locais em cidades como Berlim, Munique e Hamburgo, por seu lado, são os que mais sofrem com a concorrência digital. Todos os departamentos editoriais, locais, de grandes cidades ou de jornais nacionais, enfrentam seis grandes problemas: Para que precisamos de jornais diários? Até que ponto pode cair a circulação? O que podem fazer os departamentos editoriais a respeito disso? A presença digital do próprio jornal canibaliza a versão impressa? Pode-se contar com leitores digitais? Com que se parece o jornal do futuro?

O diretor de uma das maiores agências de mídia descreveu um sétimo problema por ocasião de um encontro de líderes da indústria na cidade de Wiesbaden, em junho. “Acostumem-se”, disse ele aos executivos de editoras, “com o fato de que futuramente os jornais terão que se virar sem receitas publicitárias”. As agências de mídia distribuem o dinheiro de publicidade das empresas às emissoras de TV, provedores de internet, estações de rádio, jornais e revistas. O dinheiro de publicidade destinado aos jornais diários caiu em mais da metade desde o ano 2000 porque as empresas preferem dirigir-se diretamente aos consumidores ou usar a TV e a internet.

É um círculo vicioso: quanto mais cai a circulação dos jornais diários, mais rapidamente eles perdem as receitas em publicidade. E a esperança das editoras de que os financiamentos que inundam a internet levem a uma ascensão das receitas de publicidade para os sites online dos jornais só vem sendo preenchida parcialmente. Milhões de empresas fazem publicidade pela internet, mas não para os sites online dos jornais impressos. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Google chupa quatro vezes mais dinheiro de publicidade do que as páginas de todas as organizações jornalísticas juntas.

A internet

Os jornais diários são ameaçados pela internet economicamente, mas ainda mais jornalisticamente. Nos últimos anos, as organizações jornalísticas bem-sucedidas na plataforma online são as que souberam satisfazer a necessidade de informação e classificação de seus leitores mais rapidamente, de maneira diferenciada e, principalmente, a baixo custo.

Os sites dos jornais impressos, os agregadores como Google e Flipboard, as redes sociais como Facebook e Twitter e dúzias de novos aplicativos móveis, como tagesschau.de (o noticiário de horário nobre da principal emissora pública alemã de televisão), o Huffington Post e a BBC News fornecem ao leitor interessado o noticiário atualizado. Os usuários podem acessar uma visão mais profunda e diferenciada das informações por meio de serviços de blog, como o tumblr, os blogs políticos Carta e Perlentaucher, que proporcionam resumos das reportagens culturais alemãs e uma plataforma para debates intelectuais, assim como sites locais, como o Ruhrbarone, um blog criado por jornalistas que fornece cobertura da região do Ruhr. Os torcedores de futebol obtêm informação mais substancial em sites especializados em esporte do que nas páginas de esporte de muitos jornais diários, o que também se aplica a médicos, advogados, arquitetos e jornalistas – pelo menos depois que eles localizaram onde procurar o que lhes interessa na rede. E aqueles que procuram saber a verdade sobre a situação dos jornais, após o debate sobre a venda das publicações da editora Axel Springer, conseguem mais informação inteligente em blogs especializados e fóruns do que em jornais.

A internet está criando uma espécie de contra-público como alternativa à mídia clássica, saqueando-a e privando-a do controle. Obriga os jornais impressos a se abster de derramar jornais e revistas sobre os leitores, como pacotes. A internet torna os leitores participantes na conversa, editores, inspiradores, planejadores e agitadores.

O site não pode canibalizar a edição impressa

Desde que os editores da edição online do Süddeutsche Zeitung, um dos principais jornais nacionais da Alemanha, começaram a informar seus colegas durante a reunião diária dos editores sobre cliques que os artigos em sua página na web haviam recebido e quantas vezes eram recomendados, os debates entre a equipe editorial mudaram, diz Stefan Plöchinger, diretor do site Süddeutsche.de. Segundo ele, muitos jornalistas da edição impressa pararam para descobrir os tópicos que interessavam os leitores. Para alguns editores, é uma “experiência gratificante, mas também, às vezes, horripilante” ver “como é diretamente mensurável” a resposta em relação “ao que escreveram”, diz Wolfgang Krach, subeditor-chefe da edição impressa.

No Süddeutsche, os editores da versão impressa e da versão digital trabalham juntos, mas com missões distintas. Os editores online, destaca Plöchinger, criam uma mídia viva, enquanto os editores do impresso criam um jornal que fecha às 17 horas e tem que ser capaz de inspirar usuários no dia seguinte. A versão online, diz ele, é jornalismo em tempo real, ao passo que a versão impressa é jornalismo diário. Duas novas mesas – a uma distância suficiente para se fazerem ouvir – coordenam a colaboração no 22º andar. A ideia de que todo-mundo-faz-tudo é um modo de pensar, diz Plöchinger, “que abandonamos há muito tempo” porque “as duas formas de mídia exigem talento e qualidades diferentes”.

Aqueles que tratam o jornalismo online como apenas outro canal de distribuição para o jornalismo impresso “interpretam erroneamente ambos os meios de comunicação”, diz Krach. Toda noite, de 10 a 15 artigos da edição impressa do dia seguinte aparecem no site online. Foi um erro, diz ele, “que os editores dos jornais acreditassem que deveriam oferecer um conteúdo de valor online gratuitamente”. Isso resultou de duas falácias. A primeira foi a esperança de que os sites online iriam gerar novos compradores para o produto impresso, e a segunda, de que as receitas em publicidade dos websites cobririam os custos editoriais – um objetivo que poucas publicações atingiram.

Durante os últimos dez anos, os diretores de jornais e os editores foram surpreendentemente pacientes tentando consertar essa imperfeição de projeto no jornalismo online – para regozijo dos leitores, que agora já não entendem as diferenças em conteúdo entre websites e produtos impressos. Em grande parte, as práticas eram de jornal para jornal. O Abendzeitung, de Munique, publica todos os artigos do jornal em seu website, assim como o Tagesspiegel, de Berlim; enquanto o Berliner Zeitung publica cerca de 80% dos artigos do impresso online e o Donaukurier, um jornal local da cidade bávara de Ingolstadt, mantém suas versões online e impressa completamente separadas. Nem Plöchinger nem Krach acreditam em permitir que o site de um jornal canibalize a edição impressa. “Somente 15% dos leitores do Süddeutsche Zeitung são também usuários do Süddeutsche.de”, diz Krach.

O dinheiro

É claro que, coletivamente, todos os veículos de mídia online canibalizam os jornais diários, o que explica o motivo para que 46 de 332 jornais alemães cobrem pelo acesso a alguns artigos em seus websites (Bild, Hamburger Abendblatt, Lübecker Nachrichten), ou a todos eles (Die Welt,Badische Zeitung, Saarbrücker Zeitung), caso os leitores leiam mais de 20 artigos por mês.

Nos Estados Unidos, 450 de 1.380 jornais estudam a possibilidade de compensar as perdas de receita dos jornais diários com conteúdo pago, mas até o momento só de 2 a 4% dos leitores vêm pagando por jornalismo digital. Embora o New York Times – que é considerado o melhor jornal do mundo e alardeia contar com leitores por todo o mundo – tenha atualmente mais de 650 mil assinantes digitais, só conseguiu convencer menos de 3% de seus leitores a pagar pelo conteúdo.

Frank Schirrmacher, publisher do Frankfurter Allgemeine Zeitung (FAZ), diz que se sente “absolutamente frustrado” com o sucesso – ou, na realidade, a falta de – do New York Times. “Somos confrontados com a questão do valor do trabalho intelectual.” É uma questão fundamental, diz ele, quando se trata de decidir quanto cobrar pelo jornalismo digital. “Gigantes como o Google vêm tentando explorar o trabalho intelectual para promover o resultado final.” Schirrmacher diz que agora é a hora de perguntar à sociedade: “Você está disposto a pagar pelo trabalho de jornalistas quando valer a pena? Se a sociedade disser que não quer, será culpa nossa.”

Tablets criam esperança para a indústria

Os alemães compram um total de 380 mil jornais eletrônicos diariamente. Embora isto seja o dobro do ano passado, continua sendo muito pouco. Os tablets são considerados uma nova oportunidade para os jornais. Cerca de 5 milhões estão em uso na Alemanha – nos Estados Unidos, um em cada quatro cidadãos tem um tablet. São TVs portáteis, sites e mídia impressa – tudo empacotado em um único aparelho – trazendo o brilho das revistas ilustradas, com as reportagens profundas das revistas jornalísticas e as imagens em movimento da televisão.

Porém, acima de tudo, os tablets, como os smartphones, permitem que os usuários fiquem online permanentemente. Isso muda o usuário, a internet, o jornalismo e a sociedade. O leitor deixa de se limitar a ler e passa a distribuir textos e fotos na web permanentemente, transformando a internet num arquivo do presente. Os jornalistas aproveitam-se desse arquivo e desenvolvem novas formas e novas mídias, enquanto os usuários dessa nova mídia impõem exigências aos jornais impressos, os quais não os podem atender. Uma sociedade editorial de cidadãos online vem lentamente se formando, uma sociedade que não irá precisar de jornais para ter direito à palavra e ajudar a formar coisas. A caçada aos responsáveis pelas bombas na maratona de Boston mostra como se tornou forte, inteligente e formidável essa forma de jornalismo sem jornalistas.

Assim como a polícia, os repórteres do Twitter entrevistaram testemunhas dos atentados à bomba e divulgaram fotos da vizinhança do lugar em que estava a bomba no site Reddit. As fotos mostravam pessoas com mochilas salientes, principalmente de pessoas que, em outras fotos, já não carregavam mochilas. Assim, um jovem com um boné de uma equipe de beisebol foi identificado como possível suspeito e seu nome acabaria na capa do New York Post. No final, tanto a nova quanto a velha mídia estavam erradas e contribuíram para que um homem inocente fosse identificado como possível suspeito.

Seria o BuzzFeed o futuro?

Horas depois de os nomes dos verdadeiros responsáveis pelas bombas terem sido revelados, o site BuzzFeed publicou a história das vidas dos dois irmãos, seus interesses em esportes, suas opiniões sobre os Estados Unidos, seus históricos escolares – e praticamente todos os detalhes dos últimos anos de suas vidas. O BuzzFeed usou muita informação disponível online para montar uma história ilustrada dos irmãos.

O Reddit e o BuzzFeed são websites populares nos Estados Unidos que agregam e distribuem artigos jornalísticos e atualmente contam com mais usuários que o New York Times. Seu segredo é a interatividade. Os leitores são simultaneamente produtores e consumidores, distribuindo notícias, fotos e perguntas. A categoria mais popular chama-se “Pergunte-me qualquer coisa”, onde Bill Gates, assim como outros especialistas e celebridades, responde a todo tipo de pergunta. Quando o presidente Barack Obama usou o Reddit em sua última campanha eleitoral, o site saiu do ar quando 13 mil usuários publicaram comentários no período de meia hora.

Executivos do grupo editorial da Axel Springer costumam citar o BuzzFeed como modelo para novas mídias digitais em potencial, um modelo no qual milhões de cidadãos norte-americanos se tornaram viciados – com categorias como listas de manifestantes egípcios, lendas sobre o “Titanic” e fofocas matinais.

Aparentemente, eles gostam dessa mistura de notícias necessárias e não necessárias, o que, em última instância, explica o sucesso de quase todos os novos sites na internet. São controlados pelo leitor porque o número de cliques revela o que os leitores querem. Os jornais são controlados pelos editores e tendem a destacar aquilo que eles pensam que os leitores deveriam estar lendo.

O jornal

Encontrar um ponto de equilíbrio entre o que os leitores deveriam ler e o que eles querem ler é o difícil trabalho que enfrentam todos os websites dos jornais impressos alemães. Mas os editores não podem evitar que os leitores montem seu próprio jornal online a partir do que oferecem os sites e – muitas vezes para decepção de seus editores altamente politizados – normalmente ele acaba tendo muita semelhança com um jornal estilo tabloide.

Tomando por base os padrões de tráfego dos usuários do site do jornal Die Welt, a seção “Panorama” é a mais popular, com artigos sobre sutiãs e sexo nos países árabes entre os que recebem maior número de cliques. Segundo o site industrial someedia, o site do jogo Sudoku é muito popular, o que mostra um ponto em comum com os leitores da versão online do jornal Die Zeit, os quais, após acessar a homepage, passam a maior parte do tempo jogando Sudoku. Entre os artigos mais procurados, dois incluem uma reportagem chamada “A mais terna pornografia do mundo” e uma matéria sobre a cirurgia dos seios da atriz Angelina Jolie.

Cúmplices perigosos

O usuário online é mais perigoso para qualquer jornalista do que o leitor do jornal impresso. O jornalista consegue captar a atenção do leitor do impresso assim que ele paga pelo jornal ou revista, muitas vezes na forma de uma assinatura vitalícia. O leitor online é exigente, de humor volúvel e instável, uma vez que o próximo website, o próximo vídeo, a próxima canção está apenas a um clique de distância. E o leitor online tem dois cúmplices perigosos: os agregadores e as redes sociais.

Agregadores como o Google e o Flipboard vasculham a web em busca de artigos, fotos ou vídeos que interessem os usuários. Levam leitores em potencial para sites que oferecem o que eles procuram. “E com um clique no Google, eu forneço ao motor de busca informações sobre mim, que eles podem monetizar”, diz o publisher do Frankfurter Allgemeine Zeitung, Frank Schirrmacher.

As redes sociais, como o Facebook e o Twitter, estão se tornando cada vez mais importantes para a mídia online. Tornaram-se pontos de coleta significativos para matérias jornalísticas, agora que milhões de usuários recomendam artigos por e-mail sobre elas. Cerca de 20% de todos os cidadãos norte-americanos, duas vezes mais do que há dois anos, acessam a maior parte de suas notícias pelas redes sociais. O número pula para 35% entre jovens de 18 a 24 anos. Para a elite digital global, o Facebook e o Twitter são recordistas em termos de mídia. “As mídias sociais proporcionam aos jornais uma resposta ainda maior por parte de seus leitores”, diz Krach, editor do Süddeutsche Zeitung. “E temos acesso a informações que nunca tivemos no passado.” O Facebook e o Twitter são como um “teste permanente de mercado”, diz Plöchinger. “Para nós, o fundamental são os números de recomendação, e não os de cliques.”

No entanto, a mudança estrutural em termos de público é reversível. É dirigida pelos gigantes que obtêm rendimentos com ela, pelos publishers, que a veem como tábua de salvação de seus modelos de negócios, pela mídia jornalística, que só existe em função dela, e pelos usuários, que não querem abrir mão dos brinquedos do público digital.

Participação ininterrupta

Os smartphones e os tablets facilitam a participação ininterrupta, mas ela funciona de maneira diferente daquela do público de comunicação de massa do século 20. O cidadão digital comunica-se em nichos, em grupos interconectados e em blogs, entre seguidores e amigos.

A netizen [trocadilho, em inglês, de net e citizen, rede e cidadão] é uma diva da mídia, mimada pelas possibilidades das novas mídias digitais, entediada por inúmeros textos análogos e pelos jornais, que são caros demais para o gosto das pessoas e com um conteúdo sem interesse algum para elas. A netizen quer um produto personalizado, e não qualquer um tirado da prateleira, e o cidadão digital também quer que seja barato – ou, de preferência, gratuito. A netizen gosta do Flipboard, Zite, Huffington Post, tumblr, TED e taptu.

Os produtos digitais dos jornais não são suficientemente inovadores para a diva das mídias porque não diferem quase nada das versões impressas e aproveitam pouco as novas possibilidades. Isso explica o modesto sucesso das edições de jornais eletrônicos, principalmente porque a cultura de ler, que também deriva da satisfação de sentir o papel, continua tendo impacto até hoje.

Muita gente acha que os tablets permitem a leitura de artigos mais longos – em especial, de maneira mais eficiente que nos impressos porque podem ser acrescentados vídeos, gráficos e informação suplementar. No entanto, a evolução do ser humano ainda é mais lenta do que a evolução de suas invenções.

O número de tablets na Alemanha duplicou em 2012 e, para 2016, espera-se que 24 milhões de alemães estejam usando os aparelhos. Os milhões de apps baixados da internet de jornais e revistas alemães provam o interesse pelo jornalismo entre seus donos e, no entanto, as compras diárias e semanais continuam sendo decepcionantes.

A expectativa dos publishers de que poderiam ganhar novos leitores para seus jornais impressos por meio de canais de distribuição digital está mostrando não passar de uma falácia. “Temos que começar a contar novas histórias e tirar vantagem das possibilidades que os tablets nos oferecem”, diz o subeditor-chefe do Süddeutsche Krach. “Imagens em 360 graus, vídeos, gráficos interativos, tudo o que não podemos fazer num jornal impresso.”

O jornalismo impresso que espera marcar presença no mundo digital tem que aprender com o jornalismo online, com o diálogo com os leitores e com a linguagem. As palavras devem abrir espaço para fotos, vídeos e gráficos nos lugares em que as palavras são inferiores. Administrar simplesmente montanhas de palavras não é a maneira de exibir a qualidade do jornalismo.

O jornalismo de dados, a apresentação de slides e os gráficos animados – tudo, coisas produzidas pelo jornalismo online – têm que se fundir em tablets com conteúdo de jornal impresso para formar um novo jornalismo digital. “Com estas novas formas, podemos conseguir uma profundidade de detalhes impossível de conseguir em papel”, diz o editor-chefe de Süddeutsche.de, Plöchinger.

A resistência

Muitos jornais diários dependem de ser algo como um membro da família para os usuários. Uma vez adotados, estão sempre ali, pontuais, confiáveis, uma entidade conhecida. Os leitores queriam o familiar e foi assim que os jornais foram estruturados. “Ontem, houve uma reunião na Câmara Municipal e alguma coisa tinha que ser escrita sobre o assunto. Hoje, está no jornal”, diz o editor-chefe de Süddeutsche.de, Plöchinger. “Essa correspondência esquemática influencia o estilo de muitos jornais, em todos os departamentos.” Mas a segunda condição para manter leitores é a de que “isto já não basta para eles; agora eles querem o que não é familiar, o não familiar”.

A terceira condição para a sobrevivência é de que todo departamento editorial tem que decifrar o que o torna indispensável. Tem que aprofundar sua autoimagem e a de seu jornal. No futuro, os leitores irão substituir tudo o que for substituível por algo semelhante que eles descobrem na internet. “Foram-se os dias”, diz Jan-Eric Peters, editor chefe do Die Welt, “em que você podia publicar jornais que alcançavam quase todo mundo. Hoje temos que oferecer produtos personalizados.”

Peters está convencido de que a pressão econômica sobre os departamentos editoriais continuará a crescer porque a concorrência da internet reduz o valor da notícia nos dias de hoje. “Nos últimos anos, a ênfase no jornalismo decresceu e agora escrevemos mais manchetes.” Por isso, todo o departamento editorial – e isto é a quarta condição – tem que dar destaque àquilo que seu jornal faz melhor que os outros. A quinta condição é a de que o que torna um jornal excepcional é quem o escreve – ou seja, os jornalistas, que funcionam como uma marca. “No futuro, eles serão muito importantes”, diz Krach.

Para lá dos departamentos editoriais, os jornalistas distinguem-se na internet, onde blogueiros com dezenas de milhares de leitores se tornam marcas e incorporam a independência. A sexta condição é que não ver essas pessoas como adversários, mas como parceiros de debate, será tão importante para os departamentos editoriais quanto manter uma relação descontraída com todos os blogs locais e as organizações de mídia digital, que suplementam e desafiam o jornalismo impresso. “Ainda não demonstramos o que realmente podemos fazer online”, diz Schirrmacher, publisher do Frankfurter Allgemeine Zeitung. “Deixamos coisas importantes fora do jornal porque achamos que iríamos nos prejudicar.”

“O maior medo entre os editores dos jornais impressos é o de que a internet crie jornalismo por cotas”, diz o editor-chefe do Süddeutsche, Plöchinger. Se tudo o que fizer for avaliar como vai uma matéria, isto é, quantos cliques recebe, então todos os websites e todos os jornais irão sacrificar a qualidade.

O futuro

Ganhar mais dinheiro, desenvolver novos canais de distribuição, produzir a baixo custo, melhorar a qualidade e reinventar-se – o programa de sobrevivência dos jornais diários alemães parece tão ousado quanto o projeto de reestruturação da indústria siderúrgica alemã, décadas atrás. O único consolo é que os jornais alemães não podem ser escritos na China, a preço de banana.

Na redação do Donaukurier, em Ingolstadt, todos os editores estão conscientes das preocupações, que, no entanto, parecem distantes. O editor-chefe Gerd Schneider não se vangloria de si próprio ou de seu jornal, mas a circulação vem se mantendo estável há dez anos. Na realidade, a queda de 0,8% na circulação que o jornal vem agora enfrentando é o suficiente para provocar uma discussão de autocrítica.

O Donaukurier é um bom e velho jornal alemão. A idade média de seus leitores é de 54 anos. O índice de desemprego é bastante baixo no chamado retângulo dourado, abrangendo Munique, Nuremberg, Augsburg e Regensburg. Confiável, cuidadoso e sem interesse em mudanças radicais – é assim que Schneider descreve seu jornal. Não há artigos gratuitos em seu website e o jornal vende cerca de mil edições eletrônicas diariamente.

Muitos dos publishers que estão convencidos de que o futuro não é tão grave quanto algumas pessoas preveem gostam de citar o sucesso de jornais regionais como o Donaukurier. Na Alemanha, vendem-se cerca de 18 milhões de jornais. Ainda existem 332 jornais que empregam cerca de 13 mil pessoas como jornalistas. E os jornais ainda geram €8 bilhões (cerca de R$ 26 bilhões) de receita. “Ainda” é a palavra usada pelos apaziguadores para se consolar; “já” é usada pelos que defendem um sino de advertência. Mais de 50 jornais fecharam nos últimos 20 anos, a circulação caiu 5 milhões nos últimos 10 anos e a receita publicitária já caiu €1.3 (mais de R$ 4 bilhões) desde 2006.

Bill Gates disse certa vez que até o ano 2000 não existiriam mais jornais. É o tipo de declaração que dá esperança a Lorenz Maroldt e Stephan-Andreas Casdorff, editores-chefe do Tagesspiegel, de Berlim. Eles estão no jornal há muito tempo e “ainda” falam sobre seu trabalho com a paixão de pioneiros, citando conquistas como a expansão da seção de fim de semana, a reinvenção da página de obituários, mais páginas com reportagens locais sobre Berlim e, acima de tudo, “não publicar um jornal frio que simplesmente produza um fluxo de notícias”. Quando enumeram rapidamente os números que seu jornal encabeça, soa como as histórias de êxitos na agricultura que costumava publicar o antigo jornal Neues Deutschland, da Alemanha Oriental. No entanto, quanto mais você escuta estes dois jornalistas apaixonados, mais compreende que publicar um jornal diário nos dias de hoje é uma revolução permanente. Na realidade, foram essas palavras que Casdorff usou para descrever o que seu jornal está pretendendo fazer: pensar constantemente em novos dias, tentar constantemente coisas novas e, no entanto, reconhecer que a circulação está caindo, embora não tão rapidamente quanto a de outros jornais de Berlim.

Elemento constitutivo da democracia

Entretanto, todo mundo continua apostando na ideia de que os leitores irão acabar compreendendo que o bom jornalismo, mesmo na internet, tem que custar dinheiro. Mas, e se – como é o caso, atualmente – apenas 3% dos leitores estiverem dispostos a pagar por essa qualidade? Jornais de boa qualidade deixarão de ser financeiramente viáveis a menos que consigam uma arrecadação significativa online, diz Krach, subeditor do Süddeutsche. Então, a atual concorrência encarniçada se transformará numa batalha desesperada pelo mercado de capitais, diz Frank Schirrmacher, do Frankfurter Allgemeine Zeitung, em “histórias de darwinismo”.

O Abendzeitung, de Munique, quase faliu em 2010, e 22 repórteres e editores tiveram que ser demitidos. Atualmente, o jornal não está no negativo, apesar de continuar perdendo dinheiro. “Não posso dar garantia alguma, mas posso dizer que estamos fazendo o possível para manter as coisas funcionando.”

A editora-chefe do Berliner Zeitung, Brigitte Fehrle, diz que lamenta pelas demissões que teve que fazer, “mas do ponto de vista jornalístico, o Berliner Zeitung ainda aguenta as recentes demissões”. E acrescenta que, se não conseguirem gerar novas receitas online no futuro, os jornais irão fechar “e eventualmente teremos um deserto de informações infundadas pipocando mundo afora, informações que já não serão distribuídas, organizadas e checadas por ninguém”.

No fim das contas, diz o editor Stephan-Andreas Casdorff, do Tagesspiegel, é uma questão de “lutar por um ativo cultural, um elemento constitutivo da democracia, da diversidade da imprensa e de opiniões”. Isso, diz ele, justifica todos os esforços e é mais importante do que produzir expectativas, modelos de negócios e estratégias editoriais.

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Cordt Schnibben, de Der Spiegel