Desde que está entre nós, a internet é bode expiatório de quem diz não ter tempo para mais nada. Quem nunca ouviu que o Facebook não deixa espaço para o convívio com amigos ou que o YouTube tomou o lugar da TV entre os vícios que sugam as horas? Mas estudos recentes, feitos com base na análise detalhada do tempo gasto com toda sorte de atividades, absolvem a rede. Em suma, perdoem os internautas, eles não sabem do que reclamam.
Uma das pesquisas cruzou resultados de dois grandes levantamentos sobre o uso do tempo nos Estados Unidos: o General Social Survey (GSS), que ouviu 55 mil americanos entre 1974 e 2012; e o American Time-Use Survey, para o qual colaboraram mais de 100 mil pessoas de 2003 a 2011. A conclusão vai de encontro a dois mitos sobre a influência “maligna” da internet: de que ela prejudica a vida social e que ela é responsável pela queda de interesse em outras mídias, como a TV.
Veja o caso dos contatos sociais. Durante os anos 70, duas décadas antes da internet comercial, os americanos faziam em média 68,4 visitas a parentes por ano. Em 2012, em pleno frenesi digital, o número subiu para 84,7. Os encontros com amigos subiram de 42,2 para 52,8. No ano passado, quem não é internauta viu seus amigos 44 vezes ao ano, em média, enquanto quem navegava mais de 10 horas por semana frequentou os amigos 61,3 vezes.
Outra pesquisa, apresentada na conferência sobre uso do tempo que aconteceu no Rio há duas semanas, também descarta o encolhimento da TV na era digital. Na verdade, a televisão está florescendo. Segundo os dados – levantados na Holanda – o telespectador assistia, em média, a dez horas de TV por semana em 1975; em 2011, eram quase 15 horas, crescendo sobretudo a partir de 2006.
– O tempo gasto em frente à TV ainda é muito grande. Entre 2000 e 2005, quando vimos uma queda, pensei que estivéssemos diante do princípio do fim da TV. Foi então surpreendente constatar, entre 2006 e 2011, que o meio voltou a crescer – lembrou Jos de Haan, especialista em uso do tempo do Instituto Holandês de Pesquisa Social, que conduziu o trabalho. – Ainda não sabemos o motivo disso tudo, mas a verdade é que as ferramentas digitais dão novas oportunidades para assistir à TV, como vídeos sob demanda e possibilidade de gravar a programação.
A TV continua forte também nos EUA. Os americanos passam em frente ao aparelho o mesmo tempo que passavam nos anos 70: 2,8 horas por dia, na média, de acordo com John Robinson, da universidade de Maryland. Segundo o outro estudo esmiuçado pelo pesquisador, os internautas consomem 16,1 horas de programação televisiva por semana, contra as 16,6 horas dos não internautas, diferença estatisticamente insignificante.
Usuários se dividem
No Brasil, que se orgulha tanto de seu apreço pela internet quanto de sua tradição televisiva, a batalha entre as mídias pelo tempo do consumidor também não registra baixas para nenhum dos lados.
O brasileiro gastou em junho 33,4 horas por semana navegando na rede, atrás apenas de Reino Unido, EUA e Canadá, segundo Alex Banks, vice-presidente para América Latina da firma de pesquisas comScore. A pesquisa considerou apenas acesso em desktops e laptops em casa e no trabalho, excluindo, portanto, celulares e lan houses. É verdade que esse tempo é bem maior que o gasto com TV – pesquisa-piloto do IBGE calcula que sejam cerca de 18 horas semanais. Mas a importância dada ao veículo está crescendo: 55% dos internautas brasileiros consideravam aquela mídia “muito importante” no meio deste ano, contra 50% um ano antes, mostrou a comScore. A fatia dos internautas que assistem à TV mais de uma vez ao dia saltou de 56% para 60% em um ano.
Aos 31 anos, o músico e redator Manoel Magalhães viveu metade da vida fora da internet e outra metade imerso nela. Mas sua paixão pela TV, nutrida desde a infância, passou incólume pela transição. São mais de 30 horas semanais assistindo a debates sobre futebol, documentários sobre música e programas do universo pop.
– O tipo de entretenimento que a TV me proporciona, a internet não substitui. Eu gosto de chegar em casa do trabalho, ligar a TV e ser surpreendido por algum programa que alguém escolheu para mim. Na internet, eu tenho preguiça de procurar o que quero ver. Na TV, há uma curadoria do conteúdo, é quase como a indicação de um amigo – contou Magalhães, que também é assíduo em redes sociais e sites noticiosos.
De fato, as duas mídias têm andado cada vez mais juntas. A pesquisa da comScore afirma que 73% dos internautas acessam a rede enquanto assistem à TV, sendo que 37% fazem isso sempre. O tempo não está sendo dividido pelas mídias, é o usuário que se divide para dar conta da simultaneidade da informação. É o fenômeno da segunda tela, que torna possível usar o Twitter como indicador de audiência, como faz a firma de pesquisas Nielsen.
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Rennan Setti, de O Globo