Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Desembargador rejeita imagem de censor

Autor de uma ação que censurou o maior jornal do Paraná, o presidente do Tribunal de Justiça do Estado, Clayton Camargo, negou que tenha posição contrária à liberdade de imprensa, mas quer sigilo judicial em investigações sobre magistrados.

“Eu não me senti bem em ter entrado com a ação. Quis apenas o direito ao contraditório”, disse Camargo, 67.

A “Gazeta do Povo” foi impedida em agosto de publicar textos que ofendessem “a honra, a boa fama e a respeitabilidade” de Camargo.

O desembargador, há dez no TJ-PR, é alvo de apurações sigilosas no Conselho Nacional de Justiça sobre suspeita de tráfico de influência e venda de sentenças, fatos noticiados pelo jornal local.

Camargo teve o pedido negado em primeira instância, mas recorreu ao TJ-PR, que preside desde fevereiro, e conseguiu reverter a decisão. Na quarta-feira, “em respeito à imprensa”, ele desistiu do recurso. Com isso, ficou extinta a decisão de censura. Leia trechos da entrevista.

Por que o sr. resolveu processar a “Gazeta do Povo”?

Clayton Camargo – Em defesa da minha integridade, da minha honra. A “Gazeta do Povo” [age] por má vontade dos dirigentes da família Cunha Pereira. Julguei uma quantidade imensa de recursos que contrariaram interesses da família. Não posso comentar, mas é coisa grave.

Então, o sr. está dizendo que o noticiário foi motivado por interesses pessoais.

C.C. – Por vingança, porque eu decidi de forma a contrariar os interesses deles.

Mas se existe investigação e seu nome é citado, não é natural que um jornal noticie isso?

C.C. – Aquele processo que eles levaram para a imprensa corre em segredo de Justiça. Eles não poderiam ter feito aquilo. Se o principal veículo de comunicação do Paraná divulga que um juiz está sendo investigado por venda de sentença, isso inviabiliza que ele continue na função. Quanto mais se esse juiz é presidente do Tribunal de Justiça, quanto mais se esse feito corre em segredo de Justiça. Só existe sigilo para resguardar a honra do encarregado de julgar seus concidadãos. Não é privilégio do juiz. É institucional, é interesse da democracia.

A decisão judicial foi criticada por associações de imprensa, que a chamaram de censura.

C.C. – Em momento algum tive a intenção de fazer censura prévia. Tenho o maior respeito pela imprensa. Esta ação inibitória, proposta com a maior boa fé, visava evitar que fossem divulgados fatos deformando a verdade. É aquela reação da pessoa que se sente covardemente atingida. Eu não me senti bem em ter feito isso. Eu quis apenas o direito ao contraditório.

O sr. não teme ficar tachado de censurador?

C.C. – Temo. Muito. Normalmente não dou entrevista não porque não gosto de jornalista, mas porque não gosto de estrelismo. Tem gente que é fascinado por isso. Se fosse dar entrevista para algum daqueles soldadinhos obedientes, seriam perguntinhas capciosas, pegadinhas. Não tenho paciência.

Mas a “Gazeta do Povo” chegou a lhe procurar.

C.C. – Pois é, mas o Ministério Público do Paraná emitiu parecer mandando arquivar um inquérito civil que tratava dos mesmíssimos casos dos quais tinham me acusado. Aí a “Gazeta do Povo” foi obrigada [a noticiar]. Mas poderia ter dado o mesmo realce que as denúncias. Não deram porque são parciais.

O fato de o próprio tribunal que o sr. preside ter concedido a censura não levanta suspeitas sobre sua isenção?

C.C. – Absolutamente. Um juiz não depende de mim para evoluir na carreira. Ele é independente, inamovível. Eu não dei uma palavra com esse rapaz [o juiz substituto que acatou o pedido de Camargo].

O que tem a dizer sobre as suspeitas investigadas no CNJ?

C.C. – Sabe como funciona o CNJ? Qualquer matéria veiculada na imprensa eles têm obrigação de instaurar procedimento investigativo. Todo dia estou prestando informação ao CNJ. As pessoas prestam declaração mesmo que seja totalmente falsa. Digo a você: não houve venda de sentença. Não houve tráfico de influência. Vou ser absolvido.

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Estelita Hass Carazzai, da Folha de S.Paulo, em Curitiba