Não é sempre que acontece, mas na última semana quatro notícias ligadas a tecnologia, aparentemente não relacionadas entre si, mostram o desafio de privacidade que todos temos pela frente. A primeira, obviamente, é a informação divulgada por New York Times e Guardian de que a NSA, Agência Nacional de Segurança dos EUA, quebrou a encriptação de um grande número de sites que incluem os de comércio eletrônico, bancos, históricos médicos, para não falar do ordinário e-mail e rede social de cada dia. Ao mesmo tempo, vivemos uma pressão na direção de uma rede móvel, em que cada vez menos informação está gravada fisicamente em nossos computadores. Está lá fora, em algum lugar perdido da internet.
Em busca de uma estratégia que a torne viável, a Microsoft negociou a compra da Nokia. Sairá entre US$ 4 e US$ 7 bilhões. Quer, assim como a Apple, fabricar seus próprios celulares, integrando hardware e software. A notícia torna-se ainda mais relevante quando lida em conjunto com outra, que saiu de Mountain View, Califórnia, sede do Google.
Na quinta-feira passada (5/9), quem usa o navegador Chrome no Windows talvez tenha percebido uma aba que surgiu na loja de aplicativos. “Para seu desktop”. Para seu computador. Apps que rodam no computador, mesmo que ele não esteja conectado à internet, baseados no Chrome, não no Windows.
Maquininhas elegantes
É uma amostra do futuro. Quanto mais aplicativos surgirem que rodam ligados ao browser, não ao sistema nativo do computador, menos importante é o sabor de seu PC. Uma máquina rodando Linux, por exemplo, é muito mais barata do que uma Windows. Porém a falta de aplicativos realmente compatíveis com aquilo que todos usam torna essa máquina uma opção pior. Quando todos usam aplicativos baseados no browser, a máquina torna-se irrelevante. Neste exato momento, o que garante a sustentação da Microsoft é o fato de que o Windows é o padrão que a maioria conhece. No momento em que ele se tornar desnecessário, a empresa terá dificuldades imensas de se manter relevante. É tudo com que sonha a turma da Google.
Enquanto isso, o rumor corrente para o novo iPhone, que pode ou não ser lançado hoje (9/9), é de que ele permitirá o uso de autenticação por impressão digital. Este nível de segurança chegará para smartphones da Apple ou Android brevemente, seja este ano ou no próximo. Torna, por exemplo, o celular equivalente a um cartão de crédito. Podemos fazer pagamentos de forma segura. O bom e velho PC, computador de mesa, vai ficando cada vez mais irrelevante. E a internet móvel mais atraente. A maioria dos analistas acredita que nossas vidas digitais passarão ao largo do PC muito brevemente. O computador de mesa, porém, armazenando nossa imensa quantidade de arquivos que vão de fotos, cartas ou extratos bancários, era mais seguro. Sem conexão à internet na maior parte do tempo, ficava muito difícil invadir.
Vamos para a nuvem, para ter nossa informação armazenada lá fora na rede e acessível por maquininhas elegantes sempre conectadas, justamente no momento em que os governos americano e britânico sabem quebrar a segurança de boa parte do que circula nessa mesma rede.
Internet transparente
Há alguns anos, o mesmo governo americano recomendou que os cidadãos de seu próprio país não comprassem celulares das marcas chinesas Huawei e ZTE. O motivo é que eles continham fragilidades impostas pelo governo de Pequim para que fossem facilmente invadidos pela espionagem oficial. Algo similar, agora está claro, é feito também por Washington e Londres. E não há nenhum motivo para duvidar que os russos, se já não conseguiram, o conseguirão.
A presidente Dilma Rousseff tem toda razão. A questão da privacidade digital precisa urgentemente ser discutida. O incômodo de Dilma nasce do fato de que ela própria foi espionada. Nosso incômodo deveria vir de outro canto. Do fato de que a internet é transparente a alguns governos. Isso é poder demais concentrado nas mãos de poucos. De grandes acordos comerciais a nosso cotidiano, este é um problema.
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Pedro Doria é colunista do Globo