No dia em que se descobriu que João Cláudio Genu, assessor do deputado José Janene, líder do PP, esteve na agência do Banco Rural, todos os jornais deram grande destaque.
No dia em que se descobriu que o deputado José Borba, líder do PMDB, esteve no Banco Rural, todos os jornais deram grande destaque.
No dia em que se descobriu que Alexandre Chaves Rodrigues, motorista do PTB, esteve no Banco Rural, todos os jornais deram grande destaque.
No dia em que se descobriu que Benedito Domingos, ex-secretário geral do PP, esteve no Banco Rural, todos os jornais deram grande destaque.
Inclusive o Jornal Nacional.
Todos estavam certos. Ninguém os acusou de terem sacado dinheiro do Banco Rural, mas eles tiveram de se explicar. Naturalmente, todos negaram, todos disseram que foram lá para pagar contas, vender postos de gasolina, essas coisas. As explicações pouco adiantaram. A imprensa deu destaque à presença deles no Banco Rural mesmo assim.
Desde que o deputado Roberto Jefferson declarou na CPI que era ali que os deputados recebiam o mensalão, as atenções se voltaram para aquela agência de Brasília. Jefferson deu a dica, falando para a imprensa: ‘Vão lá e peguem a lista de presença, porque é preciso se identificar para subir até o nono andar, onde fica o banco’. Naquela mesma noite, toda a imprensa foi ao Brasília Shopping, que, gentilmente, distribuiu disquetes com a relação de todos os que entraram no prédio nos últimos dois anos e meio. A notícia ainda teve tempo de pegar a edição de todos os jornais no dia seguinte: Marcos Valério esteve no Rural.
O desafio da imprensa passou a ser então confrontar a relação do Brasília Shopping com a lista dos funcionários dos deputados, mas a mesa da Câmara jamais liberou a informação.
O limite ético
O Jornal Nacional recebeu na segunda-feira (11/7) de pessoas do governo a informação de que funcionários de deputados do PT também apareceriam como freqüentadores do Banco Rural. Deram-nos três nomes e, a partir deles, começamos a tentar identificar funcionários, tarefa quase impossível em decorrência da posição da Câmara. Na quinta-feira (14/7), soubemos que o deputado Rodrigo Maia estava fazendo o cruzamento de três documentos: a relação de presença no Banco Rural, o documento do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) com os saques naquela agência e a base de dados dos funcionários da Câmara [veja remissões abaixo para matérias do OI sobre a edição de 14/7 do Jornal Nacional].
Ele não somente confirmou que os funcionários dos três deputados que tínhamos em mãos estavam na lista dele, como nos deu o nome de mais seis deputados cujos assessores ou parentes estiveram no Rural. Em nenhum momento cogitamos da possibilidade de homônimos, porque a lista de presença do Brasília Shopping vem com o número da identidade e imaginamos que a relação dos funcionários da Câmara viesse também com todos os documentos relacionados. Foi uma suposição nossa. Não há o que omitir.
Com o cruzamento nas mãos, entramos em contato imediatamente com os deputados citados e pusemos no ar a justificativa deles. Todos negaram saques no Banco Rural, menos um: o deputado Paulo Delgado, que admitiu que seu assessor, que também é vice-presidente do PT de Brasília, havia confessado que sacara dinheiro cumprindo ordens do Delúbio. Sigmaringa Seixas alegou que uma funcionária sua fora ao banco sacar um cheque de 400 reais, por serviços prestados a terceiros. O deputado João Paulo Cunha alegou que sua mulher e sua secretária foram ao banco para cuidar de problemas relacionados a uma assinatura de TV a cabo. O deputado Josias Gomes da Silva disse que tinha ido ao banco fazer uma pesquisa sobre juros bancários. O deputado Devanir Ribeiro disse que o seu funcionário seria um homônimo daquele que estivera no Rural. Os deputados Wasny de Roure e Vicentinho estavam viajando e as assessorias dele não se pronunciaram. O líder do PT, Paulo Rocha, alegou que a funcionária dele não estivera no Rural, mas numa clínica de neurologia. O deputado Zezéu Ribeiro disse que não tinha nenhum assessor com aquele nome e que, por isso, poderia ser um homônimo. Mais tarde, depois do Jornal Nacional, admitiu que o funcionário existia, mas negou que ele tivesse ido ao Rural.
Diante dessas informações, o Jornal Nacional decidiu dar tratamento semelhante ao dispensado aos deputados do PP, PMDB e PTB e divulgou a presença dos assessores dos deputados petistas. Em nenhum momento, o JN disse que os deputados sacaram dinheiro do Rural. Apenas informou quando as visitas coincidiam com saques e quando não coincidiam.
Por que agiríamos de forma diferente? Por que deixar de dar o nome de Sigmaringa Seixas ou de João Paulo se, antes, déramos (nós e toda a imprensa) os nomes de deputados de outros partidos, mesmo diante das negativas deles? Houve quem fizesse uma defesa apaixonada de Sigmaringa Seixas, um homem cuja honestidade o JN jamais questionou. Mas como excluí-lo de uma lista que outros que se disseram igualmente inocentes freqüentaram? Não, nosso dever era divulgar a presença de todos no Rural e as suas explicações.
É dever da CPI investigar quem é culpado e quem é inocente. Neste caso, a imprensa não pode prejulgar: não pode dizer, a priori, que alguém é inocente ou culpado. O jornalista que põe a mão no fogo por um deputado, explicitamente, está apenas avançando um limite ético da profissão: está confessando de público seus comprometimentos. O compromisso do Jornal Nacional é apenas com a informação.
Pautas para a reflexão
Horas depois de a matéria ir ao ar, um assessor do deputado Vicentinho disse que também no caso dele se tratava de um homônimo. A informação foi posta, com destaque, no Jornal da Globo e no Bom Dia Brasil. No dia seguinte, quando soubemos que o motorista do deputado Rodrigo Maia também constava da lista do Brasília Shopping como tendo ido ao Banco Rural, demos destaque à informação na escalada do Jornal Nacional. Também na escalada estava a informação de que três assessores de deputados petistas eram homônimos. Abrimos a matéria com as visitas do motorista do deputado Rodrigo Maria ao banco, repetimos as informações sobre os demais visitantes e dissemos que, no caso de Vicentinho, Wasny e Devanir, tratava-se de homônimos. Como era nossa obrigação, os três deputados tiveram espaços no JN.
Na semana seguinte, mal o primeiro lote do sigilo bancário do Banco Rural foi aberto, veio a confirmação de que quatro assessores ou parentes de deputados tinham sacado dinheiro: eles trabalhavam ou eram relacionados a Paulo Delgado, Paulo Rocha e João Paulo Cunha. Josias Gomes da Silva sacou o dinheiro ele próprio. Justiça seja feita, dos quatro, apenas Paulo Delgado confirmara a informação desde o primeiro dia (ele demitiu o assessor). Os outros simplesmente mentiram.
Dos nomes da lista de Rodrigo Maia, quatro de seis deputados sacaram dinheiro. Dois estiveram comprovadamente no banco, mas, até agora, não foram encontrados saques. Três eram homônimos. Ainda resta abrir dezenas de caixas de outras contas bancárias.
Até aqui, nenhum saque foi achado em nome do deputado José Borba, do PMDB. Até aqui. Não li nenhum protesto contra a divulgação da presença dele no Banco Rural.
O Jornal Nacional acertou ao decidir dar, em primeira mão, a lista dos deputados petistas que estiveram no Banco Rural. Era uma informação importantíssima, que, logo nos dias seguintes, foi confirmada em entrevistas ao próprio JN por Delúbio Soares e Marcos Valério: petistas sacaram dinheiro no Rural. Fontes próximas ao PT dizem inclusive que a decisão de Delúbio e Marcos Valério de precipitarem a confissão se deveu ao furo do JN. O PT não quis que seus deputados fossem acusados de receber mensalão. Crime eleitoral, sim; corrupção, não.
O Jornal Nacional errou ao divulgar o nome de três homônimos, mas se corrigiu imediatamente. Nossos controles falharam, porque acreditamos que o documento da Câmara relacionando os funcionários trazia informações suficientes para afastar a possibilidade de haver homônimos. Não tivemos acesso a tal documento, no entanto. No dia da denúncia, dois deputados disseram que se tratava de homônimos, mas apenas um estava certo. Um deles estava mentindo. Depois, outros dois comprovaram que eram homônimos. Demos as retificações no dia seguinte.
No Jornal Nacional, tanto êxitos quanto erros ensejam reflexão: reexaminamos cotidianamente nossos processos para que os acertos sejam sempre mais freqüentes. Não será diferente dessa vez.
******
Diretor-executivo de jornalismo da TV Globo