Há profissões com um forte componente vocacional. O jornalismo é uma delas. Não conheço bom jornalista que não seja muito curioso, interessado em responder a todas as perguntas, motivado por todas as questões humanas, com prazer na leitura, viciado em escrever e empenhado na divulgação de informações (além de buscar as suas repercussões).
Tais qualidades levam esse tipo de profissional a ir atrás de fatos relevantes, nos lugares e nos momentos em que eles acontecem. Dessa maneira, cumpre uma importante função na sociedade: a de lhe fornecer as informações necessárias a sua boa intervenção no cotidiano e, daí, na história.
Esse jornalista é o repórter. Todo repórter é jornalista, mas nem todo jornalista é repórter. Há aqueles que se instalam na cozinha ou nos gabinetes da organização jornalística. São competentes e trabalham bem. Mas só realizam uma pequena parte da principal tarefa profissional: de perceber as mudanças em cima dos acontecimentos, registrando-as e, quando possível, interpretando-as.
O grande repórter é o da linha de frente, que ouve o troar dos canhões no campo de batalha, em sentido literal ou figurativo. As facilidades proporcionadas pela rede mundial de computadores e, no Brasil, especificamente, pela exigência do diploma do curso superior de Comunicação Social como condição para o exercício profissional, abalou esse pressuposto.
Os jovens, e os nem tão jovens, obrigados a buscar o abre te sésamo na academia, se entupiram de teorias. Elas analisam o produto, mas em nada contribuem para sua elaboração. Além de dispersar e dissipar energias da criação para o perigoso terreno da elucubração intelectual, frequentemente reduzida à infertilidade.
No rodamoinho
O desvio das ruas para os campi seccionou a mais importante via que conduz às redações: a vocacional. Quantos bons jornalistas ficaram à porta de um jornal sem a chave de ingresso por incompatibilidade ou idiossincrasia com a universidade? Felizmente, esse bloqueio acabou e deixamos de inventar a roda.
Já a internet esfriou a temperatura do repórter, que não vibra mais e, sendo assim, não se apaixona pela voragem dos fatos. Permanece à distância. Faz contatos pelo computador ou o celular. Recebe informações de fontes anônimas, que desconhece. Pior do que isso: anódinas. O jornalista entra na cadeia circular das fontes secundárias, do press-release, do balão de ensaio e da matéria paga. Vira boneco de ventríloquo. Quando não é papagaio de pirata.
O repórter de rua virou raridade, e as publicações jornalísticas verdadeiramente novas, preciosidades. Os candidatos à profissão se imaginam diante de uma câmera de televisão, subitamente metamorfoseados em celebridades. Ao invés de catar os fatos, querem ser a própria notícia. Não se contentam em reportar o que veem: querem logo assinalar as etiquetas do julgamento histórico. Desprezam a linha do chão em busca do alto da imortalidade num obelisco qualquer.
Fico muito feliz quando deparo como a do jornal Circulando, de um grupo de alunos do Colégio Nazaré. Eles declaram sua inspiração neste jornal, que homenagearam num encontro realizado no final do mês passado. Espero que o Circulando prossiga e avance na direção certa: o jornalismo na rua, no redemoinho, como diria Guimarães Rosa.
******
Lúcio Flávio Pinto é jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)