Por mérito próprio e reconhecimento coletivo, Sérgio Mattos ocupa, hoje, o posto de historiador principal da nossa televisão. Seu percurso inicial é demarcado pela tese de mestrado sobre o impacto do golpe militar de 1964 em nossa televisão (1980). Publicado em inglês, esse trabalho foi considerada por Emile McAnany um ‘modelo para a pesquisa em comunicação no futuro’ antevisto como ‘intensamente internacionalizado’.
Por isso mesmo, quando a Intercom promoveu o estudo comparativo entre os sistemas de comunicação do Brasil e do México, no final dos anos 1980, não hesitei ao convidar Sérgio Mattos para fazer o inventário crítico da televisão brasileira. Tarefa que realizou competentemente, não apenas produzindo um livro referencial, mas convertendo aquele objeto numa linha de pesquisa da qual resultaram outros livros, ensaios e artigos.
Entretanto, seu interesse pelos fenômenos comunicacionais é bem mais amplo, fértil e variado, como bem o demonstra neste livro O contexto midiático, onde analisa questões que assumem perfil teório-metodológico nitidamente sintonizado com o modo de pensar da escola latino-americana. Em certo sentido, o autor retoma, nesta obra plural, o estilo caleidoscópico que está evidente na singela publicação de estréia. Trata-se da coletânea Estudos de Comunicação (Salvador, Arco-íris, 1975), fundamentada basicamente em autores brasileiros (Beltrão, Dines, Amaral etc.). O diálogo entre pensadores nativos e forâneos ele faria com perspicácia nas obras subseqüentes, publicadas em inglês, durante o período de estudos pós-graduados na Universidade do Texas, sobretudo em The Development of Communication Policies under the Peruvian Military Government (1981).
Entre aquele livro juvenil e esta obra de maturidade estão situadas outras incursões valiosas pelas sendas do jornalismo e da publicidade, sem esquecer o filão da censura e o segmento pedagógico. Certamente sua polivalência intelectual, a criatividade temática e a seriedade acadêmica, claramente perceptíveis, motivaram o Júri da Intercom a lhe outorgar, no ano 2000, o Prêmio Luiz Beltrão de Ciências da Comunicação, pelo conjunto da obra publicada.
Cortina de fumaça
Nos ensaios aqui reunidos, o leitor encontrará dados inéditos e reflexões oportunas sobre políticas nacionais de comunicação, projetos pedagógicos e até mesmo sobre impasses conceituais com que se defrontam professores e estudantes do campo midiológico.
Produzidos no período 1982-2007, os estudos que formam esta coletânea estão amalgamados pelo fator que os interliga dialeticamente, bem explícito na palavra-chave do título: contexto. Trata-se do contexto pressentido por seu mestre McAnany: a globalização que perpassa a conjuntura pós-guerra fria, projetando-se, no espaço brasileiro, através da tumultuada reconstrução democrática.
Pensada como estratégia de transição tutelada, a distensão ‘lenta, gradual e segura’ dependeu fundamentalmente do papel desempenhado pelo sistema midiático. Aliviada pela abolição da censura, a mídia se revigorou, dando à abertura política velocidade não desejada pelos seus mentores. Incorporando aos seus conteúdos o ‘espírito do tempo’, reciclou-se para estar ‘inserida no contexto’, como jocosamente trombeteava a ‘turma do Pasquim‘.
Este é o pano de fundo em que se move Sérgio Mattos, analisando acontecimentos ou glosando teses que estão na raiz da atualização histórica empreendida pela sociedade brasileira para assimilar o ‘contexto da multipolaridade’.
De certo modo ele vai remando contra a maré, na medida em que o ‘contexto’ então hegemônico na academia era o do confronto ideológico entre imperialismo e comunismo, cuja vigência só arrefeceu depois da ‘queda do muro de Berlim’. Essa retórica ‘pluralista’ não escapou incólume ao assédio das ‘patrulhas ideológicas’, à direita e à esquerda.
Em função dessa cortina de fumaça que eclipsou seus bem construídos argumentos das novas gerações, torna-se oportuna a reunião seletiva dos escritos dispersos que dão sentido à obra monográfica do autor.
Aldeia global
É possível identificar capítulos ousados e controversos, como, por exemplo, a plataforma que o jovem doutor construiu para a reforma da UFBA, quando se inscreveu quixotescamente como candidato a reitor (1987), mesmo sabendo as resistências a enfrentar, por sua vinculação a um campo emergente do saber, como é o caso da Comunicação. Ali está implícita também a sua conduta latino-americana, pensando o futuro do nosso ensino superior em função de paradigmas cosmopolitas, mas não perdendo de perspectiva o cotidiano típico da sociedade em que vive.
Essa postura mestiça transparece também nos artigos preparados para o debate periódico dos problemas cruciais das jovens e arrojadas ciências da comunicação, onde o olhar do scholar mantém afinidade com o modo de ver e perceber do jornalista municipal, sempre atento ao interesse público e às aspirações comunitárias, como fica evidente na parte final, dedicada às questões regionais.
Cearense de nascimento, mas baiano por opção, Sérgio Mattos poderia ser, como tantos acadêmicos da sua geração, um pensador provinciano. Ao contrário, ele se tornou um intelectual que cultiva a cidadania global, transitando com desenvoltura entre os espaços nacionais e os ambientes internacionais. Tal flexibilidade está explícita nos capítulos que resultaram de suas intervenções em colóquios promovidos pela Intercom, onde freqüentemente tem dialogado com pensadores das mais variadas procedências.
Socializando tais idéias, o autor presta relevante serviço à comunidade acadêmica. Para inserir-se no contexto da ‘aldeia global’, os jovens universitários encontrarão aqui pistas essenciais, dicas surpreendentes, apelos sedutores.
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Presidente da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom)