Jornalistas costumam ter um certo desconforto em tratar de assuntos religiosos. O último grande exemplo disso foi a morte de João Paulo II e a eleição de Bento XVI. Diante da comoção nos funerais do primeiro, e da aclamação popular do segundo, os jornalistas encontraram-se num dilema: como interpretar e traduzir imparcialmente esse fato para seu público, que não é necessariamente católico?
A cobertura sobre o pontificado de João Paulo II, veiculada após sua morte, dividiu-se entre a constatação da sua importância histórica, da posição da Igreja em relação a injustiças e desigualdades sociais e a tendência conservadora do Vaticano. Ou seja, se a postura de João Paulo II foi contraditória em si, a cobertura da mídia idem: enquanto enaltecia a crítica papal à invasão do Iraque, condenava posturas contrárias ao uso de preservativos ou a perseguição a padres ligados à Teologia da Libertação, por exemplo.
A eleição de Bento XVI deu continuidade a essa postura ambígua: durante anos considerado o cérebro conservador do Vaticano, à frente da Congregação para a Doutrina da Fé, Ratzinger passou a ser tratado com a reverência que merece o papa mas, paralelamente, várias matérias ressaltaram a tendência retrógrada que passaria a dominar o Vaticano, revelada já na escolha do nome Bento.
Aos poucos a parcialidade foi se perdendo, como ocorria com João Paulo II. No registro do lançamento do Compêndio do Catecismo Católico, obra coordenada pelo então Cardeal Ratzinger que traz perguntas e respostas ‘resumindo’ os 2.865 verbetes do Catecismo completo, matéria da agência France Presse, reproduzida em jornais do mundo todo, definiu a obra como o guia que ‘orienta os católicos sobre como devem se comportar diante da homossexualidade, das uniões livres, da masturbação, da fornicação, do adultério, da pedofilia, da prostituição, todos pecados duramente condenados pela Igreja’. Católicos e exegetas sabem que esses temas estão no Catecismo, e que são pecado, mas sabem também que o Catecismo é muito mais que isso.
O Catecismo é uma obra que compila e explica as bases teológicas da religião católica. Resumi-lo a regras de conduta em relação a alguns pecados é de um simplismo despropositado. Esse simplismo pode influenciar a opinião pública a ter reações contrárias às posições da Igreja (sem o devido embasamento) e porque não estimula, entre os católicos, uma leitura do Catecismo, que lhes permitiria atestar a completude teológica da obra.
Debate superficial
Outro exemplo da postura de jornalistas diante da Igreja foi a participação do cardeal de São Paulo no programa Roda Viva, na TV Cultura. Dom Cláudio Hummes foi sabatinado sobre vários temas: política, uso de preservativos, pesquisa com células-tronco embrionárias, crescimento de seitas evangélicas, casamento de homossexuais etc. O cardeal mal conseguia explicar a doutrina da Igreja e a prudência que permeia as posições da instituição diante desses temas, que era interrompido com perguntas sobre outros assuntos.
Verdade que a dinâmica (e a credibilidade) do Roda Viva repousam justamente nessa possibilidade de os jornalistas pressionarem o entrevistado. Mas poucas vezes o líder da Igreja em São Paulo conseguiu completar seu raciocínio.
Ao final do programa, restou ao telespectador a impressão de que muitas perguntas ficaram sem resposta, ou com respostas incompletas – não por um esquivamento do cardeal, mas pela ânsia dos entrevistadores em tratar de vários temas durante o programa. Resultado: poucos deles foram devidamente analisados pelo arcebispo. E a entrevista revelou que a imprensa ainda prefere uma visão rasa e ligeiramente sensacionalista sobre os temas da Igreja, por mais conceituados que sejam os jornalistas (e este era o caso dos entrevistadores do Roda Viva).
Pior para o público, que ficou no debate superficial de idéias. Pior ainda para os católicos, que não ouviram de seu pastor as respostas esperadas, respostas que os ajudariam a responder os questionamentos com os quais se deparam cotidianamente. Para esses, uma leitura do criticado Compêndio do Catecismo pode ser um caminho mais indicado que a cobertura da grande imprensa.
******
Jornalista, professor do curso de jornalismo na Faculdade Cásper Líbero