Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Vem aí novo surto de ‘pesquisite’

“Jogada de mestre”, “bravura política”, “homenagem à coerência”, “desespero” – qualquer que seja a avaliação sobre a decisão da ex-ministra Marina Silva de filiar-se ao PSB e concorrer às próximas presidenciais sem o seu sonhado partido, torna-se inevitável o aparecimento de um novo surto de pesquisite, o venerando culto das pesquisas e sondagens de opinião para apontar quem será o cabeça de chapa, Marina ou o pré-candidato e presidente da agremiação, Eduardo Campos.

Como os dois parceiros não trataram disso nas negociações do fim de semana passada – ou pelo menos não revelaram os seus detalhes –, de agora até meados de 2014 seremos bombardeados por sondagens acompanhando semanalmente o desempenho de cada um dos parceiros. Se Marina continua como segunda colocada na disputa com a presidente Dilma Rousseff e Eduardo Campos fica abaixo dela (hoje está na quarta posição) será inevitável uma reversão: Marina candidata e Campos, seu vice.

Com isso, muda tudo e as chances de uma pré-temporada de debates doutrinários tornam-se mínimas. Em seu lugar teremos na imprensa uma enxurrada de confrontos numerológicos, exercícios estatísticos e elucubrações adivinhatórias. Como o custo desse tipo de exercício especulativo é relativamente baixo, devemos contar com a proliferação do tal “jornalismo de precisão”.

Fato novo

No país do futebol, a corrida pelos placares tem mais apelo do que uma demorada investigação sobre os cartórios eleitorais. É na máquina burocrática que se esvazia o Estado de Direito, foi lá que as fichas de adeptos da Rede Sustentabilidade foram barradas.

A súbita remexida no tabuleiro eleitoral – justamente uma das aspirações subjacentes nos protestos de junho – poderia ser uma oportunidade para devassar as brechas onde a nossa democracia torna-se ficção e os direitos dos cidadãos, peça de retórica. Ao que tudo indica, está adiada.

Sintoma deste desapreço pelo jornalismo de substância pode ser observado a partir do domingo (6/10), quando os jornais anunciaram a decisão de Marina Silva de juntar-se à legenda de Eduardo Campos, o Partido Socialista Brasileiro (PSB).

Em plena era da histeria política, quando o presidente Barack Obama chega a ser apontado como a nova face do marxismo, a palavra socialismo parece xingamento. No entanto, a Europa moderna, sem guerras e até há pouco tempo próspera e estável, é fruto da socialdemocracia, irmã-gêmea do socialismo democrático.

É fascinante a história desse partido nanico, contraditório e rebelde, chamado de PSB. Desconhecê-la é imaginar que a história do Brasil começa agora, o resto não conta.

A primeira versão do PSB surgiu em 1932, fez parte da Aliança Nacional Libertadora que tentava enfrentar a onda fascista que varria o país. Foi extinto em 1937, com a promulgação do Estado Novo.

A segunda edição coincide com a democratização de 1945, sob o nome de Esquerda Democrática. Mais do que designação, uma proposta doutrinária. Reserva moral e política inspirada nos fabianos ingleses, socialistas-reformistas que acabaram absorvidos pelo Partido Trabalhista.

A Esquerda Democrática era, na verdade, a ala esquerdista da conservadora União Democrática Nacional (UDN). Recusava os acenos do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), ferrenha adversária de Getúlio Vargas, o pai do Estado Novo fascista. Tal como os fabianos ingleses era o partido dos intelectuais (entre eles Rubem Braga, Joel Silveira, Sergio Buarque de Hollanda, Antonio Cândido, José Lins do Rego, Raimundo Magalhães Jr; na Inglaterra, suas figuras emblemáticas foram G.B. Shaw e H.G. Wells).

Depois de sua criação como partido autônomo (1948), o PSB chegou a abrigar uma ala trotskista (capitaneada por Edmundo Muniz e Mario Pedrosa, virulentamente anti-stalinistas). No entanto o partido defendeu o PCB quando o governo Dutra começou as manobras para colocá-lo na ilegalidade. Os seus expoentes foram Hermes Lima e João Mangabeira, ambos com destacada atuação no breve interregno parlamentarista no mandato de João Goulart.

Em 1953 o PSB produziu um fato novo na política brasileira quando o desconhecido Jânio Quadros foi eleito prefeito de São Paulo pela coligação de duas pequenas agremiações (PTN e PSB) e derrotando todos os grandes partidos (UDN, PSD, PTB e PSP). A tabelinha repetiu a façanha em 1954 levando o mesmo Jânio ao governo de São Paulo.

Outro retrocesso

A terceira edição do PSB é fruto da redemocratização de 1985. Um intelectual de alto quilate, Antonio Houaiss, foi um de seus articuladores. O pernambucano Jarbas Vasconcelos, hoje senador pelo PMDB, uma de suas estrelas. Figura mais visível, Miguel Arraes, avô de Eduardo Campos.

No passado o jornalismo político era praticado no Congresso, de olho na literatura, na história, nas referências internacionais. No fim dos anos 1990, o jornalista Márcio Moreira Alves (1936-2009) tirou-o da Praça dos Três Poderes e o levou para a Esplanada dos Ministérios para apanhar sol e oferecer ao eleitor o debate sobre políticas públicas. Não colou, depois da sua morte não apareceram sucessores. A cobertura política passou a ser feita por meio do celular, nos restaurantes, soprada por “fontes” e assessores.

Doravante, a política será ditada pelos pesquisadores e marqueteiros empunhando laptops e tablets. Partidos agora são tantos e tão iguais que passaram a ser identificados com números. Eleição virou campeonato, corrida, loteria. Um novo retrocesso é inevitável: a reforma política só poderá avançar quando mudar a cobertura política.

 

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