Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Chutando para todos os lados

A terça-feira (8/10) registra as escaramuças entre os neurônios da imprensa para desvendar o significado da aliança política entre a ex-senadora e ex-ministra Marina Silva e o governador de Pernambuco, Eduardo Campos. A fundadora da frustrada Rede Sustentabilidade encontra no Partido Socialista Brasileiro uma sigla com nome tradicional para amarrar seu projeto político que se pretende inovador.

Não são poucos os jornalistas que se referem a um acordo entre “sonháticos” e “pragmáticos”, decretando de uma vez só que socialistas não sonham e que os “sustentabilistas” não têm relação com a realidade prática. Nessa conta de padeiro, um precisa do outro para, juntos, comporem uma força política respeitável.

O problema das análises é que elas precisam de dados concretos onde fixar as teorias, e o terreno da política partidária é um verdadeiro pantanal. Assim, tudo que se declara hoje pode ser desmentido no mesmo dia. Por exemplo, afirmar que o Partido Socialista é socialista e desenvolvimentista é apenas exercício de boa vontade de quem o diz: não se pode nem mesmo afirmar que o PSB seja socialista, pois, como se sabe, são raros os partidos no Brasil cujas siglas representam algum programa ideológico.

Também é arriscado dizer que a Rede Sustentabilidade congrega todos, ou pelo menos uma proporção razoável dos brasileiros que desejam um projeto de desenvolvimento sustentável. A Rede é um projeto da ex-ministra Marina Silva, que representa uma parcela da militância que herdou o ideário do líder seringalista Chico Mendes.

Ela participou de um projeto político no Acre, onde o poder foi tomado de grupos conservadores ligados à agropecuária para ser, vinte anos depois, transformado em uma ação entre amigos constantemente assediada por denúncias de corrupção e nepotismo. Sua conversão à igreja Assembleia de Deus alimenta controvérsias sobre sua capacidade de aplicar a questões simples, como os direitos de minorias, a visão contemporânea da tolerância.

É arriscado até mesmo afirmar, como fazem alguns comentaristas, que uma provável chapa Eduardo Campos-Marina Silva venha a deslocar o PSDB, principal força da oposição, para um papel de mero coadjuvante nas eleições de 2014. Os jornais trazem uma profusão de opiniões, mas nenhum deles analisou os potenciais dos novos aliados em comparação com o patrimônio eleitoral dos tucanos, por exemplo. Não se deve subestimar a força da relação dos antigos socialdemocratas com as classes médias tradicionais das grandes cidades.

Caneleiras de titânio

Sabe-se que o jogo da política é bancado pelo potencial de votos, que atrai investidores e agrega aliados, o que amplia o tempo de exibição durante a campanha no rádio e na TV. Esse potencial é medido constantemente pelas pesquisas de intenção de voto justamente porque as intenções se alteram aleatoriamente, e cada consulta equivale a um retrato da cena que já passou.

Alguns candidatos, que são capazes de mover sentimentos difusos, costumam aparecer bem nas primeiras pesquisas, mas tendem a perder terreno à medida que o eleitorado se aproxima do momento de decidir. Esse é o desafio central de Marina Silva: transformar em propostas concretas aquilo que até aqui se apresenta como um conjunto de ideias vagamente associadas a uma possibilidade de mudança.

Observe-se, por exemplo, que em agosto de 2010, ou seja, a dois meses da eleição presidencial, ela confessou que não tinha opinião formada a respeito da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu. Por outro lado, seu parceiro socialista deve enfrentar embaraços para justificar como haveria de conciliar os “sonháticos” de Marina com certos correligionários mais claramente identificados com o capitalismo predador do que com o que possa vir a ser um projeto de sustentabilidade.

Portanto, apesar do aspecto surpreendente da aliança Campos-Silva, e dos sinais de que a imprensa tende a transferir seu apoio para os novos protagonistas, só com muita ginástica mental se pode afirmar que o jogo mudou. A política partidária segue refletindo o recorte entre dois campos antagônicos nos quais a ideologia há muito tempo deu lugar ao pragmatismo.

Se quiser jogar para valer, Marina Silva vai precisar de caneleiras de titânio para proteger suas frágeis canelas. Para seguir contando com os espaços generosos que a mídia lhe proporciona nestes dias, em que o impacto de sua aliança com o PSB ainda provoca especulações, ela deverá definir rapidamente o que realmente, na prática, diferencia sua candidatura das propostas já colocadas em jogo.

Ela vai precisar, de um lado, continuar alimentando os sonhos de seus seguidores e, de outro, atender às expectativas conservadoras da imprensa.