Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

É permitido proibir?

Adesão de artistas que lutaram no passado contra a censura no Brasil a movimento que defende restrições a biografias não autorizadas esquenta debate sobre a liberdade de expressão.

Autores de músicas que simbolizam a lutam pela liberdade de expressão no Brasil, como É Proibido Proibir e Cálice, Caetano Veloso e Chico Buarque foram para o outro lado da vidraça nos últimos dias. Com seus nomes incluídos em um grupo denominado Procure Saber, que defende restrições às biografias de personalidades públicas, a posição de dois dos artistas mais emblemáticos da MPB surpreendeu fãs e colegas de ofício.

O movimento liderado por Paula Lavigne, ex-mulher de Caetano, defende a proibição de biografias que não contem com a chancela prévia dos biografados, o que impediria, na prática, a revelação de episódios contrários ao interesse do personagem. Tentativas de derrubar essa obrigação colocaram artistas em atrito com escritores, em um debate que inflamou jornais, revistas e redes sociais nos últimos dias.

Enquanto escritores e representantes do mercado editorial tentam derrubar o que qualificam como censura prévia, o movimento Procure Saber, que reúne ainda compositores como Roberto Carlos, Gilberto Gil e Djavan, tenta limitar esse tipo de publicação. O grupo combate um projeto de lei e uma ação no Supremo Tribunal Federal que podem tornar proibido – como cantava Caetano – proibir.

Embora a Constituição coíba a censura, o Código Civil exige autorização prévia para a publicação de biografias que tenham fins comerciais ou ofendam a “boa fama” do protagonista. Como resultado, livros sobre Roberto Carlos, Noel Rosa, Lampião e Guimarães Rosa foram trancafiados por ordem da Justiça na gaveta de seus autores.

Para escritor, lei é chapa-branca

Enquanto Chico e Caetano mantêm um perfil discreto diante da polêmica, Paula solta a voz. Ontem [quarta-feira, 9/10], envolveu-se em uma polêmica pelo Twitter com a jornalista Mônica Bergamo, que a havia criticado: “(…)Vc nao tem mais o q fazer nao! Mulher encalhada é f***!”.

Procurada por ZH, Paula, que condena a intromissão de escritores na vida íntima dos artistas, preferiu não se manifestar sobre o tema. Em um texto, Djavan explica o posicionamento dos músicos: “A liberdade de expressão, sob qualquer circunstância, precisa ser preservada. Ponto. No entanto, sobre tais biografias, do modo como é hoje, ela, a liberdade de expressão, corre o risco de acolher uma injustiça, à medida que privilegia o mercado em detrimento do indivíduo; editores e biógrafos ganham fortunas enquanto aos biografados resta o ônus do sofrimento e da indignação.”

Escritores como Fernando Morais, Laurentino Gomes e Lira Neto afirmam que a lei atual prejudica a compreensão histórica do país.

– Ao prevalecer a regra de que a história só pode ser contada pelo viés oficial, com a autorização do próprio protagonista, teremos a institucionalização da narrativa chapa-branca – critica Lira Neto, autor de uma biografia de Getúlio Vargas.

Laurentino Gomes, autor de 1802, 1822 e 1889, lamenta o impacto da lei na produção cultural:

– O medo dos prejuízos decorrentes de eventuais embargos judiciais faz com que editoras encaminhem os manuscritos primeiro ao departamento jurídico, e só depois ao editorial.

Resta saber como esse episódio ficará gravado nas biografias de nomes como Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil – se elas forem lançadas.

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Marcelo Gonzatto, do Zero Hora