Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A imprensa às vezes exagera

Uma jornalista de Várzea Grande, cidade grudada a Cuiabá, está impedida, por decisão de um juiz, de publicar qualquer coisa a respeito do prefeito, processo idêntico ao já aberto pelo mesmo prefeito contra um site de notícias.


Um protótipo de político, em Cuiabá, registrou boletim de ocorrência contra um jornalista alegando difamação porque este jornalista noticiou seus deslizes posturais.


Uma deputada ligou para a redação de um jornal, reclamou de algumas matérias com a editora e disse algo como: ‘vou marcar uma audiência com o dono do jornal para expressar meu descontentamento’.


Um deputado estadual está pedindo a um site uma indenização de algo em torno de R$ 5 milhões por calúnia, difamação ou algo que o valha. Esse mesmo deputado tentou bater em outro jornalista durante um almoço de sábado em um conhecido restaurante de Cuiabá.


A sede de um site em Rondonópolis foi invadida pela polícia que confiscou de lá fitas que comprometiam uma autoridade.


Todos esses casos aconteceram de janeiro deste ano para cá, fora outros casos que não chegaram ao meu conhecimento, mas que certamente existem. E o que está sendo feito para repelir tais açoites à liberdade de expressão e para repudiar que políticos usem a justiça como ferramenta de intimidação? E quem deveria reagir?


Pobre rapaz diplomado


Em dezembro do ano passado, aconteceu comigo, e em um texto cobrei uma postura do sindicato dos jornalistas de MT – não de defesa a mim, posto que não preciso, mas uma postura diante da clara ameaça à liberdade de expressão. Mas o sindicato, e em especial um dos que hoje passa pela mesma situação, estava muito ocupado querendo um lugar para chamar de seu e obcecado em caçar quem se atrevesse a escrever sem portar um diploma de jornalista, mesmo que este diploma tenha sido adquirido em uma esquina. Uma preocupação pequena diante do monstro que estava sendo gerado, um monstro que pode atingir em cheio os próprios interessados. Não a mim, que escrevo por paixão, mas atinge aquele que de fato escolheu o noticiar e o expressar como profissão.


Absortos nessa luta menor, mal conseguiram enxergar a trama que estava por trás da omissão escolhida. Preferiram interpretar meu texto como ‘patético’, repleto de ‘provocações insanas’ de uma articulista. Mas, ‘afinal de contas, o que faz um articulista?’, questionou um, como se eu, por ser uma economista, e não jornalista, fosse assim uma espécie de dalit e pertencesse a uma casta inferior, impura e intocável por eles, nobres superiores detentores de… um diploma de jornalista. Outro se gabou: ela não é jornalista, ‘mas foi lá no sindicato buscar apoio na sua empreitada contra’ fulano. Pobre rapaz diplomado. Mas entendo, para alguns é mais fácil enaltecer a importância da alegria de um sarau esporádico que as agruras de um enfrentamento. Pobres rapazes, eles não leram Martin Niemöller.


Falta de tolerância


Hoje, Mato Grosso vive uma censura intimidativa, ameaçadora, castradora e, o pior, extorsiva, pois usa para castrar, exatamente a instituição que existe para libertar: a Justiça.


Infelizmente, este é o preço, alto é verdade, mas o preço pela escolha da subserviência de que, graças a Deus, de peito cheio de orgulho digo, não participo e jamais participarei. Pobre sindicato, antes pautado pela tradição em lutar pela liberdade de manifestação, hoje refém de seu próprio servilismo governamental. Mas, sejamos justos, com um local para fazer um churrasco nos fins de semana.


Meu senso de justiça e meu apreço pela liberdade de expressão como mantenedora da democracia estão acima de qualquer coisa, inclusive de atrocidades já cometidas em troca de jabá por alguns que hoje penam.


Não lhes perguntarei se têm razão ou não, se exageraram na crítica ou na denúncia, isso veremos depois. Por ora, coloco-me à disposição de todos os que estão enfrentando pessoas públicas que agora usam a justiça para camuflar a falta de tolerância com a crítica e repudio essas demonstrações de ímpetos fascistas.

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Economista, especialista em Administração Pública pela FGV/RJ e blogueira