Nos últimos dias a imprensa tem noticiado – e apoiado – o movimento “Bom Senso Futebol Clube”, constituído por cerca de 80 atletas de clubes das duas primeiras divisões do futebol brasileiro. Em protesto contra o estado de coisas no futebol, eles reivindicam mudanças em cinco eixos: calendário das competições, férias dos atletas, pré-temporada, fair play financeiro e participação em conselhos técnicos.
Num esporte centenário, transformado em negócio planetário e bilionário, completamente dominado pelo “espírito do capitalismo”, a simples criação do movimento já é, por si só, algo louvável, um lampejo, um alento. Nenhum torcedor ou atleta de bom senso pode ser contra mudanças no futebol brasileiro, desde que sejam para o bem da coletividade e pela garantia dos direitos do torcedor, dos atletas, dos clubes e dos demais envolvidos. A imprensa e os atletas poderiam aproveitar o momento favorável para colocar na pauta, também, a ética praticada entre os próprios atletas, a forma como agem dentro de campo, ou seja, a forma como agem aos olhos do público.
Nesses mesmos dias em que, por aqui, os atletas cobram mudanças, o mais destacado atleta brasileiro, o celebrado atacante Neymar, tem sua ética colocada em xeque na Europa, por conta de suposta simulação de faltas. Sem entrar no mérito do caso Neymar, chamamos atenção para dois casos de práticas antidesportivas praticadas no último final de semana por dois atletas que são líderes do movimento “Bom Senso”: o goleiro Rogério Ceni, do São Paulo, e o meia Juninho Pernambucano, do Vasco da Gama.
Esporte ético
Antes, é preciso dizer: ambos são capitães de seus clubes, onde construíram uma história, são líderes, ídolos e referências para muitos jovens. No clássico Flamengo x Vasco, ocorrido no domingo (6/10), em Brasília, o vascaíno foi cobrar um escanteio, defronte aos torcedores adversários, e os “brindou” com um gesto obsceno, que foi fotografado por um torcedor. Para que a arbitragem e as câmeras de TV não vissem, ele o fez com as mãos nas costas. O gesto é usado pela torcida vascaína para “saudar” os arquirrivais flamenguistas e consiste em mostrar os dedos médios com as mãos cruzadas. A Procuradoria do Supremo Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) já informou, pela imprensa, que irá denunciar o atleta, que poderá pegar até 12 jogos de suspensão e ficar fora do restante do campeonato.
Já na partida São Paulo x Vitória, sábado (5/10), no Morumbi, o goleiro Rogério Ceni deu entrevista sob palavrões, reclamando que o cobrador de um pênalti tocara duas vezes na bola, o que anularia a jogada. No mesmo pênalti, Ceni se adiantou vários passos para enganar a arbitragem e tentar levar vantagem no lance, tática antiética em que ele tem sido useiro e vezeiro, já tendo motivado dezenas de charges e piadas nas redes sociais. Como se não bastasse, o capitão são-paulino reclamou de forma acintosa da arbitragem, que não teve coragem de aplicar o segundo cartão amarelo e, assim, expulsá-lo – conforme determina a regra do futebol.
Os dois – Rogério e Juninho – fazem parte do movimento para mudar o futebol. Mas, com atitudes assim, eles não contribuem com um esporte saudável e ético. Parecem dizer: “Façam o que eu digo, não façam o que eu faço.”
O futebol só pode mudar se nós mudarmos
Estes “exemplos” desqualificam o movimento “Bom Senso”? Claro que não.
Mas também não condizem com quem está pregando por ética e mudança. Não são atitudes de bom senso.
Trazer essa discussão (a ética dos atletas) a público também deve fazer parte da agenda de debates e deveria ser bandeira dos que exigem mudanças nesse universo nebuloso do futebol.
O futebol, assim como a política, só pode mudar se nós mudarmos também.
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Marcelo Torres é jornalista