Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ser jornalista pode doer

Descobri que ser jornalista dói na alma e intriga a consciência. É uma espécie de vício e competição absurda, consigo mesmo, pela busca de histórias cada vez melhores, mais bem contadas e apaixonantes. Este processo é fisicamente desgastante e exaustivo para a mente, mas ao final de sua efemeridade oferece um êxtase tão profundo que se apresenta como uma ditadura imprescindível e cegamente aplaudida por qualquer um que já a tenha experimentado.

É uma necessidade de contar histórias que faz com que o produto escravize o produtor. Mas são poucos que a sentem. Em uma conversa de bar com outro jornalista ouvi que essa característica é inata. Está no âmago de pessoas que foram talhadas para este fardo. Pois, sim, a paixão insaciável de García Márquez ou os sapatos sujos de Gay Talese são fardos. Nem um pouco leves.

Mesmo que blindados por uma aura de soberba, do tipo de homem conhecedor do mundo, que já viu de tudo e possui fortes convicções para praticamente todo tipo de assunto, os jornalistas que se identificam com esta dor sublime vivem na companhia de uma insegurança intrínseca e fulminante que se apresenta como um ser consciente a cada pauta descoberta e a cada linha escrita. No final da obra há, ainda, uma espécie de dor pelo fracasso da não perfeição e o martírio pela ausência de qualquer detalhe mundano que, para o autor, conferiria um elemento visceral para a composição do ambiente dos fatos, ou da leitura da alma dos personagens de suas obras.

Desconfiamos de tudo e de todos

Assim como a profissão, a obra de um jornalista costuma ser ingrata com seu autor. Ela o escraviza, exige esforço, dedicação, cobra ser reescrita quantas vezes forem necessárias e seus louros são passageiros. Como diria um gênio da reportagem, sic transit gloria mundi, em uma tradução livre “toda a glória do mundo é transitória”. Para um repórter existem apenas duas, e elas não duram mais do que instantes: terminar sua história e vê-la publicada. Em ambos os momentos a sensação do dever imposto pelo subconsciente é domada, como uma ira que foi aplacada e aguarda o momento propício de retornar. Quando esta atmosfera quase fictícia passa tudo recomeça e o efêmero prazer dá lugar à dor da inquietude.

Talvez por isso repórteres sejam jovens o suficiente para saber de tudo. Ou pensar que sabem. Fomos feitos para ultrapassar limites, não nos contentamos com as informações disponíveis na superfície e desconfiamos de tudo e de todos. Estamos prontos para cruzar linhas vermelhas. Muito antes da internet e redes sociais, já vivíamos para compartilhar histórias.

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Tiago Lobo é jornalista, Porto Alegre, RS