Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Manipulação midiática contra a greve dos professores

A greve dos professores da rede pública do Rio de Janeiro tem sido um dos assuntos mais comentados dos últimos dias. Apesar do considerável apoio popular, os docentes fluminenses enfrentam, além das intransigências do prefeito Eduardo Paes e do governador Sérgio Cabral, pelo menos mais dois grandes obstáculos. O primeiro é a violência policial, amplamente divulgada na imprensa alternativa e nas redes sociais. Já o segundo obstáculo é a manipulação midiática por meio de reportagens produzidas com a clara intenção de prejudicar a imagem dos professores perante a sociedade.

O Jornal da Band de quinta-feira (17/10) exibiu uma tendenciosa matéria que, ao invés de ressaltar as reivindicações dos profissionais do magistério e o descaso dos governantes com a educação, limitou-se a destacar que a greve dos professores compromete o ano letivo dos estudantes. “Sem aulas, a rotina de milhares de alunos é voltar para casa mais cedo”, asseverou o âncora Ricardo Boechat.

No início da matéria, com o intuito de manipular os telespectadores e direcioná-los a uma posição contrária à paralisação dos docentes, a repórter perguntou a Lucas Maciel, aluno da 3º ano do ensino fundamental, qual recado ele daria aos professores que “não estão dando aula”. Ciente da importância de frequentar a escola, Lucas, aos prantos, ingenuamente pediu para que os professores voltassem ao trabalho.

Situação caótica

Já outro aluno interpelado pelo noticiário da Bandeirantes salientou que “a maior preocupação é passar de ano e não saber nada”. Não obstante, uma estudante afirmou que seu professor vai aprovar todos os colegas de classe para não perder os meses de férias. “Ele falou que vai passar todo mundo. Mas e aí? Qual conteúdo estou levando?”, protestou.

Evidentemente que as reclamações dos alunos são extremamente legítimas e pertinentes. Porém, o adversário a ser combatido não é o professor, mas o Poder Público que, em última instância, é o responsável pelo sucateamento da educação no Brasil. Ao contrário do apregoado pelo Jornal da Band, a realidade nos mostra que não são os professores que “não querem dar aula”. A maioria dos docentes trabalha por vocação, e não por status social ou econômico.

Entretanto, é demasiadamente complicado ter que conviver com um cotidiano marcado por péssimas condições de trabalho, com salas de aula superlotadas e salários irrisórios. Sendo assim, paralisar as atividades é, inexoravelmente, o último recurso encontrado pelos profissionais do magistério para tentar reverter a situação caótica que assola a educação brasileira. Por outro lado, em momento algum a matéria do Jornal da Band concedeu aos professores a oportunidade de defender suas posições ou apresentar os motivos que os levaram a iniciar o movimento grevista.

Lastimável contrassenso

Infelizmente a manipulação midiática contra o magistério realizada pela emissora da família Saad não é exceção. Há anos boa parte da imprensa brasileira tem apontado os professores (e não os governantes) como os principais responsáveis pelos problemas da educação em nosso país. Um colunista da Folha de S.Paulo, por exemplo, chegou a chamar os docentes da rede pública de vagabundos, por causa de suas faltas e licenças.

Diferentemente de nações como Japão e Coreia do Sul, que possuem excelentes sistemas de ensino e os professores são extremamente valorizados, no país que vai sediar a próxima Copa do Mundo os profissionais da educação são obrigados a conviver com péssimas condições de trabalho, com a truculência policial e ainda são motivo de chacota para a mídia hegemônica. Lastimável contrassenso.

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Francisco Fernandes Ladeira é especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e professor de Geografia em Barbacena, MG