Sou nascido e criado na Rocinha. Fiz militância estudantil no Colégio Pedro II e na Universidade Federal Fluminense. Sei que isso não credencia ninguém, mas me deu, ao longo da vida, uma boa noção do que representa a desigualdade social na vida de uma pessoa, a importância de uma educação pública, gratuita e de boa qualidade, e claro, a responsabilidade de segurar uma bandeira durante uma manifestação.
No domingo (20/10), durante a realização de uma matéria sobre o leilão do campo de Libra, fui para a porta do prédio sede da Petrobras, no centro do Rio, onde pretendia ouvir sindicalistas acampados. O objetivo era, no mínimo, exercer aquele tal de “bom jornalismo”: dar voz aos dois lados de um mesmo assunto.
A alguns metros de chegar à passarela existente na Avenida Chile, sou advertido por um militante partidário sobre a existência de recém-libertados da prisão no acampamento. Seriam os presos durante a manifestação do dia 15 de outubro, na Cinelândia. E não queriam nem ouvir falar de imagens deles. Seria preciso negociar. Como minha intenção era ouvir sindicalistas, era questão de explicar a situação, como sempre fiz em situações semelhantes. Exercício do diálogo aprendido em assembleias, plenárias etc.
Tal é minha surpresa ao me deparar com a ausência de lideranças e ser cercado, xingado, cuspido, agredido e expulso de um local (público, diga-se de passagem) por um grupo de jovens. Um deles fazia questão de gritar no meu ouvido que eu era “fascista”, “vendido” e “burguês”. Nossa equipe (quatro homens) saiu às pressas antes de um linchamento. Não faz parte do meu manual revidar nesse tipo de situação. Saio e vou embora. Não adianta. O surdo ali não sou eu.
No dia seguinte, durante a manifestação próximo ao hotel onde era realizado o leilão, diante da inoperância das forças de segurança, que só sabem jogar bombas de gás lacrimogêneo e atirar balas de borracha em qualquer coisa que se movimente (em vez de – quando isso vai acontecer? – identificar, isolar e prender os vândalos e mascarados que só sabem criar tumulto), vejo um carro de reportagem sendo depredado. O veículo foi tombado e houve ainda uma tentativa de incendiá-lo.
Repórter agredida
O mais grave eu saberia depois. Uma equipe de reportagem mal chegava ao local e acabou cercada. A repórter Aline Pacheco, conforme seu próprio relato, depois receber empurrões de um agente da Força Nacional de Segurança e ter recebido voz de prisão por ultrapassar a barreira estipulada pelos militares (ou seja, jornalista também apanha da polícia), foi avisada por um manifestante: “Moça, sai daí que aquele grupo [e apontou] quer bater na imprensa.”. Não deu tempo nem de correr. Um homem de quase 1,80 m, mascarado e usando camiseta vermelha, desandou a ofendê-la, mandá-la pra todos os lugares (não faltou o “imprensa fascista”) e armou o soco. Tinha o apoio de outros quatro. A jornalista conseguiu desviar o rosto, mas foi golpeada no omoplata esquerdo e caiu. Para escapar de outro soco, se protegeu com o microfone. Os agressores só desistiram porque uma bomba de gás lacrimogêneo foi lançada pelos policiais na tentativa de dispersar o grupo. O ombro dela tinha saído do lugar.
Curioso foi ver, horas depois, um vídeo no YouTube (de uma organização que diz defender um novo conceito de democracia, seja ele qual for) que mostra um manifestante ferido e alguém gritando: “Chama a imprensa, jornal, grava isso aqui”. Claro, quem protesta de cara limpa não pode ser relacionado aos mascarados responsáveis pelas agressões e depredações, sejam elas ao mobiliário urbano ou à imprensa. Mas fica uma pergunta aos sindicalistas do setor petroleiro: apoiam esse tipo de atitude? Se não, por que deram abrigo a quem expulsa jornalistas de ocupações organizadas por eles? Ou vale a cultura de dois pesos e duas medidas, como fez o Sepe ao dizer que a participação de mascarados nas manifestações dos professores foi aprovada em assembleia?
Enfim, não foi para ver um bando de representantes da Geração Danoninho me dando empurrão em frente à sede da estatal que representa o Estado brasileiro defendido por mim desde a adolescência que ocupei as ruas para defender Passe Livre para os estudantes da rede pública de ensino. Não foi para ter medo de sair na rua e exercer o direito de querer informar nem para ver colegas de imprensa agredidos covardemente que organizei passeatas no Fora Collor.
Não é à toa que uso o nome do revolucionário argentino-cubano para a profissão que abracei.
Mascarado, não serei nunca.
E repito o que disse o jornalista Fernando Molica, no Facebook:
“Passei a bloquear qualquer pessoa que tente relativizar ou justificar agressões a quem quer que seja: jornalistas, manifestantes, pipoqueiros, médicos, porteiros, policiais, bandidos, professores, alunos. Trata-se de um princípio básico de respeito aos direitos humanos. Insisto que ninguém tem o direito de dar porrada em ninguém. Nazistas e assemelhados é que se achavam no direito de justificar agressões e assassinatos de judeus, negros, homossexuais, ciganos, socialistas, comunistas. Muitos que se dizem democratas e mesmo de esquerda também acreditam ter o direito de agredir; outros tentam justificar as agressões. Não são democratas, não são de esquerda, não são bem-vindos aqui.”
P.S.: Como se sabe, o capitalismo é eficiente em destruir supostos símbolos de resistência ao sistema. E pelo visto, os Black Blocs são os alvos da vez. Morri de rir com essa notícia (http://ego.globo.com/famosos/noticia/2013/10/barbara-paz-faz-ensaio-fotografico-inspirado-no-black-block.html). Primeiro porque, apesar de gostar da Bárbara Paz, o ensaio é patético. Depois, só prova que um pouquinho de inteligência evitaria a transformação de algo dito revolucionário em goma de mascar.
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Che Oliveira é repórter freelancer do SBT no Rio de Janeiro. Já passou pela Band, Rede TV!, Globo e Record, onde exerceu ainda os cargos de chefe de Reportagem e chefe de Redação. Ganhou um Prêmio Tim Lopes de Jornalismo Investigativo em 2008