Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Dois ouvidos e uma voz

Ser um canal de diálogo entre os ouvintes e as rádios do Sistema EBC. Com esse propósito foi criado há três anos o programa Rádio em Debate, resultado da parceria entre a Ouvidoria da Empresa Brasil de Comunicação e a Universidade de Brasília. Desde então, mais de 250 edições dos programas semanais foram produzidas e difundidas por jovens universitários, sob a coordenação do professor Fernando Oliveira Paulino.

A proposta inovadora se caracteriza pela mistura bem sucedida de programa de rádio, atendimento ao público, estágio profissional e reflexão sobre a comunicação pública. Pelos artigos, entrevistas e depoimentos apresentados nesta publicação podemos concluir que os objetivos foram plenamente alcançados.

A partir de manifestações dos ouvintes, uma pauta é produzida sempre com o objetivo de esclarecer o público sobre o trabalho desenvolvido. Os problemas, as dificuldades, os planos e estratégias de programação. Não se trata apenas de dar uma resposta, mas levar mais conhecimento sobre programas, emissoras e a comunicação pública.

Os responsáveis pela produção, programação e distribuição dos conteúdos, tanto por radiodifusão sonora, quanto pela internet, são entrevistados pelos estagiários para explicar como fazem seu trabalho, quais os princípios que o norteiam, os objetivos que busca e os resultados alcançados. Uma efetiva prestação de contas à sociedade.

Isso tudo com um esforço de linguagem adequada não só à Plataforma Rádio, mas ao perfil de cada veículo. Com a inserção de músicas, trechos de programas e efeitos sonoros para evitar que o programa destoe da grade de programação.

Com um ouvido voltado para o público e o outro para os produtores e programadores, a voz do programa Rádio em Debate equilibra os pontos de vista e consegue produzir uma reflexão que resulta em ação, seja com a correção de procedimentos, a decisão sobre investimentos ou a própria compreensão e esclarecimento dos ouvintes que passam a entender melhor os propósitos das emissoras.

Quando isso é produzido por jovens que ainda estão aprendendo a profissão, é ainda mais valoroso e compensador. É gratificante para quem sempre defendeu os princípios públicos da comunicação ler os depoimentos deles nesta publicação. Ver como eles compreendem o caráter público da radiodifusão, seus valores e compromissos.

Quando cheguei à EBC, como assessor da Diretora Presidente Tereza Cruvinel, em janeiro de 2011, tive a satisfação de dividir a sala de trabalho com a Ouvidoria de Rádio. Acompanhei de perto o trabalho dos estagiários e a orientação do professor Paulino. Sou testemunha da excelência desse projeto, que precisa ter continuidade.

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Preâmbulo

Regina Lima *

As universidades têm desempenhado um papel fundamental nos debates e nas práticas de Comunicação Pública no Brasil, contribuindo para o fortalecimento desta temática dentro e fora dos cursos de graduação e de pós-graduação. Dentro desse contexto, o Termo de Cooperação entre a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e a Universidade de Brasília (UnB) teve especial importância no processo de implantação da Ouvidoria da EBC, trazendo contribuições ao estabelecimento do diálogo com o público das emissoras do Sistema de Rádios Públicas.

A parceria estabelece uma via de mão dupla que auxilia as atividades da Ouvidoria e estimula a participação de estudantes e professores universitários em ações de cidadania e Comunicação. Além do importante trabalho desempenhado no âmbito do termo de cooperação com a UnB, e que este livro descreve, a EBC e seu Conselho Curador tem valorizado a expertise acadêmica, por meio de projetos de análise dos conteúdos de seus veículos por outras instituições federais de ensino e pesquisa.

As instituições de educação superior são setores estratégicos na sociedade e por meio de suas ações e reflexões conceituais podem colaborar decisivamente com aqueles que estão no campo pragmático. O convênio com a UnB cumpriu essa dimensão dialógica entre ensino, pesquisa e extensão, proporcionando aos professores, estudantes e profissionais dos veículos da EBC a oportunidade de observarem criticamente aquilo que ensinam, que aprendem e que fazem.

Intensificar as relações entre a EBC e as universidades é fundamental para o fortalecimento da Comunicação Pública no Brasil.

[* Ouvidora da EBC e professora da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal do Pará]

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Introdução

Fernando Oliveira Paulino e Luiz Martins da Silva *

O Ombudsman surgiu como instância mediadora de demandas dos cidadãos. Com o passar do tempo, a instituição se disseminou e, além de iniciativas existentes no âmbito da administração pública, diversas organizações também começaram a utilizar o canal, dentre elas, veículos de comunicação.

No Brasil, o serviço tem sido chamado de Ouvidoria, termo presente desde o período colonial, quando o Ouvidor era nomeado para acompanhar e promover os interesses da Coroa. Após a Constituição de 1988, as iniciativas têm buscado guiar-se pelas manifestações da sociedade. Pioneiro na criação de Ombudsman na mídia latino-americana, por meio da Folha de S. Paulo, em 1989, existem no país experiências de Ouvidorias na mídia como mecanismos de promoção de accountability, ou seja de prestação de contas, e de responsabilidade social.

Este livro é resultado de atividades desenvolvidas em parceria por profissionais da Empresa Brasil de Comunicação com professores e estudantes da Universidade de Brasília. Entre 2008 e 2012, a Ouvidoria da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) contou com a participação de universitários no acompanhamento e no diálogo da programação transmitida por emissoras públicas de rádio (Nacional de Brasília AM e FM, Nacional do Rio de Janeiro, Nacional da Amazônia, MEC AM, MEC FM e MEC Brasília).

Para isso, a equipe levou em conta a observância dos princípios e objetivos dos serviços de radiodifusão definidos pela Constituição Federal, pela legislação e por acordos dos quais o Brasil é signatário, a exemplo da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Os universitários também tiveram a oportunidade de examinar manifestações dos ouvintes, fundar e produzir mais de 250 edições do programa Rádio em Debate, levado ao ar sem interrupções durante 175 semanas.

Diariamente, a equipe universitária acompanhou o conteúdo veiculado por meio de amostra rotativa da programação das emissoras da EBC. O monitoramento também foi realizado por meio de diálogo com os ouvintes que contatam a Ouvidoria através de carta, email, telefone ou pessoalmente. Também foi fundamental desenvolver parceria com a equipe da Central do Ouvinte (Nacional de Brasília) e da Central de Atendimento ao Ouvinte (CAO) da Rádio MEC. Descrição da metodologia utilizada e recomendações para o contínuo aperfeiçoamento da atuação da Ouvidoria da EBC estão no capítulo Os serviços da Ouvidoria de Rádios Públicas (EBC) como Instrumento de Prestação de Contas e Responsabilidade Social da Mídia.

A publicação também apresenta proposta de metodologia de sistematização de demandas do público no capítulo Parâmetros para a Ouvidoria da EBC, que sugere método permanente e proativo de relacionamento com os ouvintes.

Entre 2010 e 2012,2 o trabalho da Ouvidoria foi amparado por Termo de Cooperação entre UnB e EBC, que previu a realização desta publicação, que contempla o relato e a análise dos resultados por parte dos profissionais da Empresa, por meio da contracapa de Ana Fleck, do prefácio de Nelson Breve, do preâmbulo de Regina Lima, das entrevistas com Tereza Cruvinel e com Laurindo Leal Filho.

A obra conta não só com testemunhos de ouvintes, gestores, profissionais, especialistas e estudantes, mas também com entrevista de José Eduardo Elias Romão, Ouvidor-Geral da União. O livro ainda traz balanço das atividades realizadas através da síntese de laureada monografia de conclusão de curso de Leonardo Barreiros Rocha (USP), cujo tema foi o Rádio em Debate, programa resultante do acordo de cooperação.

O livro inclui reflexões sobre práticas desenvolvidas em outros países e que podem servir de referência para a Ouvidoria da EBC. Na Colômbia, canais abertos de televisão adotam o serviço, conforme capítulo de Jairo Faria. Portugal e Espanha destacam-se por práticas em veículos públicos de radiodifusão, como pode ser observado no artigo de Madalena Oliveira (Universidade do Minho).

Além do acompanhamento da programação e das edições do Rádio em Debate, o acordo entre EBC e UnB estimulou apresentação de trabalhos acadêmicos em congressos nacionais (dentre eles, eventos da Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo, SBPJor, e da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação, Intercom) e internacionais (por exemplo: International Association for Media and Communication Research, IAMCR; Associação Latino-Americana de Investigadores da Comunicação, ALAIC; Confederação Ibero-Americana das Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação, Confibercom; e Federação das Associações Lusófonas de Ciências da Comunicação, Lusocom), além disso, foram produzidos artigos e capítulos em obras publicadas no Brasil, nos EUA, na China, em Portugal, na Polônia, na Colômbia e no Uruguai. Também foram realizados reuniões de trabalho, debates e encontros na EBC e na UnB, a exemplo do I Seminário Ibero-Americano de Ouvidorias/Ombudsman de Mídia. Os eventos pretenderam intercambiar e compartilhar pesquisas e práticas. Com isso, houve a intenção de fortalecer iniciativas brasileiras, além de cultivar o debate sobre as formas de criação de ferramentas de ombudsman em veículos públicos e privados.

A relação entre UnB e emissoras da EBC é histórica e com momentos memoráveis. Em 1961, o Congresso Nacional aprovou a norma de criação (Lei 3.998/61) da Universidade de Brasília estabelecendo que o patrimônio da instituição fosse constituído por metade dos lucros anuais da Rádio Nacional, que seriam “aplicados na instalação e manutenção da Rádio Universidade de Brasília”. Nos anos 1990, ápice das tentativas e realização de privatizações, os princípios da norma de criação serviram para que a Universidade participasse de ação que contribuiu para o arquivamento da alienação da Rádio Nacional. Nos anos 1970, por meio do Projeto Som, a UnB foi determinante para que o conteúdo da Nacional Brasília FM promovesse a música brasileira, algo realizado até hoje.

Ao longo do tempo, profissionais das emissoras públicas também estiveram na Universidade como estudantes de graduação ou de pós-graduação e a prática das emissoras foram objeto de diversificadas monografias, dissertações e teses. Uma delas, É bom viver, Nacional: Vidas sintonizadas em 980 khz, de Nathália Mendes e Yvna Sousa, sistematiza e conta a história da Rádio Nacional AM Brasília. A Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília tem tradição de incluir Mídia e Cidadania em atividades de ensino, pesquisa e extensão. É preciso ressaltar algumas experiências relacionadas com o Termo de Cooperação com a EBC que deu vida a este livro. Nos anos 1970, equipes multidisciplinares atuaram em comunidades urbanas (Sobradinho-DF) e rurais (Aragarças-MT). Durante a Assembleia Nacional Constituinte, professores da UnB tiveram papel de destaque na apresentação e sistematização de propostas. Desde o início dos anos 1990, o Laboratório de Políticas de Comunicação (lapcom.unb.br) tem acompanhado e produzido reflexão sobre regulação e políticas públicas, desempenhando um relevante papel na realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (2009). Nesta mesma década, parceria com o Unicef possibilitou atividades de comunicação e mobilização social no Varjão e na Ceilândia.

Em 1996, surgiu o SOS-Imprensa, projeto de pesquisa e extensão pioneiro no estímulo à discussão sobre liberdade de expressão e direitos de personalidade. O SOS-Imprensa (http://sosinterativo.blogspot.com.br) contribuiu com a criação, há quinze anos, da contínua coluna de ombudsman no Campus (jornal-laboratório mais antigo do Brasil) e foi um dos fundadores, em 2003, do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas (informacaopublica.org.br) e, em 2005, da Rede Nacional de Observatórios da Imprensa (RENOI).

É preciso ressaltar ainda o trabalho do Núcleo de Estudos de Mídia e Política (NEMP), com relevantes estudos de enquadramento e acompanhamento do conteúdo veiculado. Em 2002, foi criado e tem sido desenvolvido de maneira permanente e multidisciplinar o Programa Comunicação Comunitária (comcom.fac.unb.br) com atividades de mobilização social dentro e fora do DF.

Enfim, a lista de possibilidades de atividades conjuntas entre universitários e emissoras públicas é diversificada. Que o diálogo entre as instituições continue sendo fecundo e que a Comunicação Pública esteja continuamente em debate.

Boa leitura.

[* Fernando Oliveira Paulino e Luiz Martins da Silva são professores da Universidade de Brasília]

>> Livro disponível para download aqui

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Nelson Breve é diretor-presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC)