O governo de Barack Obama vem reforçando o uso de detectores de mentira, de programas de delações, processos judiciais e monitoramento eletrônico para coibir o contato de seus funcionários com jornalistas e impedir a divulgação de informações como as expostas pelo ex-analista da CIA Edward Snowden , que revelou o amplo programa de espionagem da Agência Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglês). Segundo seus críticos, as medidas fazem parte de ações para controlar o fluxo de informações nos EUA, pondo em risco a promessa de Obama de um governo aberto e afetando o jornalismo em um país considerado modelo de liberdade de imprensa.
Para Eric Kansa, professor da Escola de Informação da Universidade de Berkeley (Califórnia), é errado pressionar funcionários para impedir vazamentos. “Os EUA estão longe de ser uma democracia perfeita, e há muitos processos e forças antidemocráticos agindo contra e dentro do governo”, disse. “Pessoas como Snowden, que testemunham abusos de poder, têm a obrigação de vazar e revelar tais abusos.”
Em resposta às críticas, o governo americano argumenta que as medidas são necessárias para investigar funcionários que desrespeitam a lei ao vazar informações que poderiam pôr em risco a segurança nacional, especialmente após o 11 de Setembro .
Apesar de reconhecer ser um direito e uma obrigação de qualquer administração proteger informações sensíveis, o ex-chefe da sucursal da CNN em Washington Frank Sesno avalia que o governo Obama se tornou muito agressivo na investigação de delatores ou de potenciais delatores e muito permissivo na classificação do que é confidencial ou não.
Entre as 250 mil comunicações diplomáticas vazadas ao site WikiLeaks em 2010 pela soldado Chelsea Manning (então chamada de Bradley ), havia artigos de jornal classificados como secretos, segundo um relatório divulgado em 10 de outubro pelo Comitê de Proteção aos Jornalistas (CPJ). Só em 2011, funcionários do governo tomaram 92 milhões de decisões de classificar informação, de acordo com um documento da comunidade de inteligência dos EUA entregue ao Congresso.
“A classificação exagerada e vaga de materiais como confidenciais suprime um debate saudável e pode custar ao país em termos de acesso à informação”, afirmou ao iG Sesno, que atualmente é diretor da Escola de Mídia e Questões Públicas da Universidade George Washington. “Não acho que toda a informação deva ser divulgada, mas o governo deveria reavaliar como classifica os documentos e abrir mão da atmosfera de intimidação interna para que as pessoas que sentem ter informação de interesse público possam falar”, disse.
Ele aponta como exemplo de “intimidação” a decisão anunciada em junho de 2012 pelo diretor de Inteligência Nacional, James Clapper, de submeter rotineiramente os empregados de todas as 16 agências de inteligência americanas – incluindo CIA, NSA e FBI – a detectores de mentira para responder se revelaram informações confidenciais a alguém. Anteriormente, os detectores eram direcionados a investigações internas de contraespionagem.
Inspirada por métodos usados durante anos pelos órgãos de inteligência para detectar ameaças à segurança, a Casa Branca emitiu em novembro de 2012 uma ordem executiva pedindo a todas as agências e departamentos federais que estabelecessem um “Programa de Ameaça Interna”, sob o qual os funcionários são instruídos a denunciar comportamento suspeito de colegas para evitar “revelações não autorizadas”.
O programa foi estendido a agências não envolvidas com segurança nacional pelo fato de elas também poderem acessar redes de informações confidenciais. Autoridades usaram como exemplo de ameaça a se evitar o caso de Manning, que neste ano foi sentenciado a 35 anos por seu vazamento de documentos ao WikiLeaks.
Relação entre fontes e jornalistas
As medidas antivazamentos não conseguiram frear Edward Snowden, mas suas revelações de que a NSA interceptou milhões de telefonemas e emails – incluindo de autoridades como a presidente Dilma Rousseff – reforçaram as certezas de funcionários do governo de que são monitorados e podem acabar na lista de processados pela Justiça.
Segundo o relatório do CPJ, seis oficiais do governo e dois prestadores de serviços (incluindo Snowden) foram indiciados desde a posse de Obama, em 2009, sob a Lei de Espionagem de 1917, acusados de vazar informações confidenciais à imprensa. Em todos os 43 governos anteriores, houve apenas três ações legais desse tipo.
Os números podem aumentar. Em ao menos duas investigações sobre vazamentos, o Departamento de Justiça obteve uma autorização secreta para interceptar os registros telefônicos e de emails de jornalistas. Além disso, alguns jornalistas investigativos vêm sendo pressionados a revelar suas fontes.
Como resultado, muitos funcionários do governo vêm relutando em falar com jornalistas, principalmente os que trabalham na capital dos EUA. “Esse é o governo mais fechado, mais obcecado por controle, que eu já cobri”, disse David E. Sanger, correspondente do New York Times em Washington, ao relatório do CPJ.
Após a publicação de uma matéria sobre o Irã usando uma fonte não identificada, Sanger relata ter recebido informações de que o governo recomendou aos funcionários da Casa Branca e às agências de inteligência “reter qualquer email, e, presumivelmente, registros telefônicos, de comunicações comigo”. Depois disso, afirmou, fontes antigas pararam de contatá-lo. “Elas me dizem: ‘David, te amo, mas não me mande email. Não vamos conversar até que esqueçam dessa história’.”
Trabalhando na ONU em Nova York, Colum Lynch, repórter que cobre política externa e segurança nacional para o Washigton Post, relatou ter sentido uma mudança no comportamento de suas fontes principalmente após as revelações de Snowden.
“Há pessoas que não querem mais conversar por meio eletrônico, preferem se encontrar cara a cara”, disse ao iG , lembrando que lida na maioria das vezes com fontes diplomáticas, e não com pessoas do governo dos EUA, que estão sob risco de indiciamentos ou até prisão se forem descobertas.
O autor e jornalista Peter Maass, que teve de recorrer a mensagens criptografadas para entrevistar Snowden em agosto, recomendou recentemente a uma de suas fontes que lhe enviasse via correio um material sobre a Guerra do Iraque (2003-2011) e usa flashdrives, e não mais emails, para que suas matérias circulem entre os editores das redações para as quais colabora.
“Quando você envia um email, já está publicando. Não para o público, mas diretamente para o governo”, afirmou durante o seminário “O Estado do Monitoramento”, realizado na quarta-feira (23) na Universidade de Nova York.
Mas perante a realidade de que, segundo o relatório da CPJ, quase 5 milhões de pessoas têm atualmente acesso a informações confidenciais nos EUA, Maass tem um tom otimista sobre o futuro. “O monitoramento vai nos forçar a mudar a forma como trabalhamos, mas não vamos deixar de trabalhar”, afirmou ao iG . “Há funcionários que estão com mais medo de falar, mas outras fontes surgirão para divulgar as informações”, completou.
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A repórter Leda Balbino viaja como bolsista da Dag Hammarskjöld Fellowship, da ONU